domingo, 25 de novembro de 2012

COP 18 encerrará Protocolo de Quioto


* Ecio Rodrigues


Considerado um dos mais importantes acordos multilaterais realizados no âmbito das convenções das Nações Unidas, o Protocolo de Quioto, que tem como objetivo a redução das emissões de gases causadores do efeito estufa (leia-se fumaça), poderá ser encerrado na próxima semana.
Durante a COP 18 – a décima oitava reunião dos países signatários da Convenção sobre as Mudanças do Clima, que acontecerá de 26 de novembro a 07 de dezembro de 2012 em Doha, capital do Catar –, será discutido o que é mais conveniente para essas nações: manter as metas estipuladas no Protocolo de Quioto ou firmar um novo compromisso que entraria em vigor a partir de 2020.
Cabe um breve relato sobre a história do Protocolo. Desde a assinatura da Convenção do Clima, durante a Rio 92, os países ricos, sobretudo as maiores economias do mundo, como Japão e Estados Unidos, relutaram em aceitar a formalização de compromissos que implicassem limitação das emissões de gases de efeito estufa. Essas nações temiam que um acordo nesse sentido restringisse sua principal referência econômica, a produção industrial.
Todavia, cedendo a uma crescente pressão mundial – tanto dos ambientalistas quanto da sociedade em geral – a Convenção do Clima amadureceu para a elaboração e assinatura do Protocolo de Quioto, um pacto detalhado e com definições de metas, assinado cinco anos depois, em Quioto, no Japão.
Por esse instrumento, uma série de medidas deveriam ser adotadas pelos signatários, a fim de que as emissões de gases, em especial do elemento químico carbono, apontado pela ciência como principal causador do efeito estufa, fossem mantidas no nível da quantidade emitida no ano da assinatura da Convenção do Clima, 1992.
Como o Protocolo de Quioto enfrentou uma resistência enorme, principalmente (de novo) por parte dos Estados Unidos, aquiesceu-se que as determinações ali assentadas teriam eficácia apenas quando o acordo fosse subscrito pelos países cujas emissões somadas representassem mais da metade do total das emissões mundiais.
Foram necessários sete anos para que o Protocolo de Quioto entrasse em vigor. Em fevereiro de 2012, quando a Rússia finalmente resolveu assinar, e mesmo sem a participação americana (os Estados Unidos, até hoje, passando por Clinton, Bush e Obama, não assinaram o Protocolo), as metas de redução das emissões começaram efetivamente a valer.
Sob as regras do Protocolo de Quioto, ganhos significativos foram obtidos. Esses ganhos dizem respeito, por exemplo, a um investimento cada vez maior em geração alternativa de energia elétrica; à organização de mercados de carbono em bolsas de valores mundo afora; à instituição de sistemas de redução de emissões de carbono, como é o caso do “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”. Mas, a despeito desses resultados, o fato é que o Protocolo ainda encontra resistências políticas – as quais, pode se dizer, são insuperáveis para nações como os Estados Unidos.
A comunidade européia e os países incluídos no grupo dos emergentes (como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não querem ver o Protocolo de Quioto dando lugar a um novo acordo, mesmo que as novas regras venham a ser até mais rigorosas. Consideram esse caminho perigoso, por colocar em risco os avanços obtidos.
Por outro lado, países que relutam em assinar o Protocolo de Quioto poderiam ter mais disposição para aderir a um novo pacto – o que tornaria esse novo acordo mais forte que o de Quioto, sob o ponto de vista político.
Independentemente do acordo que sairá em Doha, a expectativa é que os países avancem em direção a uma economia de baixo carbono. É esperar para ver!


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 18 de novembro de 2012

Democracia americana e a hora no Acre


* Ecio Rodrigues

É difícil para a sociedade brasileira entender a democracia americana. Sempre que acontecem eleições nos Estados Unidos, como a imprensa nacional não consegue explicar os mecanismos adotados naquele país, fica a sensação de que o processo não seria plenamente democrático, em face da existência de um colégio eleitoral.
Nesse último pleito, que levou Barack Obama ao segundo mandato, os comentaristas chegaram mesmo a insinuar (com um gostinho de superioridade democrática tupiniquim) que os resultados da eleição poderiam levar ao questionamento do sistema eleitoral; é que, como a votação seria apertada, haveria o risco de o candidato mais votado pelo povo perder no colégio eleitoral – da mesma forma que ocorreu em 2000, quando Al Gore perdeu a presidência para George W. Bush.
Ora, em primeiro lugar, estamos falando de um sistema eleitoral instituído no século XVIII pelos chamados “Patriarcas Americanos”, os fundadores da maior e mais conceituada democracia do planeta. São regras que existem há mais de 200 anos e que resistiram a uma guerra civil sangrenta. Não existe possibilidade de serem revistas. Para os americanos, mais importante que as regras é a permanência delas – o que consolida as tradições e, em última instância, o sistema democrático. Por isso eles têm, desde sempre, uma única constituição.
Em segundo lugar, não é porque existe um colégio eleitoral que a democracia não se realiza de forma cabal. O presidente é, sim, eleito pelo voto popular – sem falar em todo o processo anterior às eleições propriamente ditas (as chamadas “primárias”). Contudo, a fim de se resguardar o federalismo conquistado a tão duras penas, elaborou- -se um mecanismo que também valoriza os estados. Assim, o partido que vence as eleições num determinado estado indica os representantes desse estado no colégio eleitoral, em número proporcional ao peso daquele eleitorado no conjunto nacional.
A um estado como Montana, por exemplo, cujo eleitorado corresponde a menos de um por cento do eleitorado nacional, cabe indicar três eleitores (o mínimo) para o colégio eleitoral; o partido que vence as eleições em Montana, mesmo que seja por um voto de diferença, tem direito a indicar todos os três delegados.
Em face do peso que é conferido aos pequenos estados para reduzir o impacto decorrente da diferença demográfica frente aos grandes estados, pode acontecer de um candidato obter (em números absolutos) mais votos populares e, a despeito disso, não ser eleger no colégio eleitoral. Sem embargo, trata-se de evento raríssimo, que só aconteceu quatro vezes em toda a história americana, e em eleições apertadíssimas. Nesses casos, os estados definiram quem seria o presidente.
O absoluto respeito à vontade popular é o princípio em que se assenta a democracia americana. Cada estado federativo inclui na cédula eleitoral um conjunto de questões a serem deliberadas pela população, que vão de algo singelo, como a construção de uma ponte, a matérias complexas (e controversas), como a liberação da maconha e o casamento de pessoas do mesmo sexo. No frigir dos ovos, a escolha do presidente é só mais um assunto (importante, obviamente) a ser decidido pelo povo.
Essa inserção, no processo eleitoral, de consultas populares, sob a dimensão alcançada pelos americanos, é algo único no mundo. Como também o é a determinação de se mover todas as forças para que essas decisões sejam cumpridas.
E é aqui que chegamos ao horário do Acre. Difícil imaginar (no âmbito de nações democráticas, obviamente) algo tão agressivo à democracia, quanto o fato de a população de um estado aprovar nas urnas um referendo decidindo o seu fuso horário, e a decisão do povo ser desrespeitada de forma tão acintosa.
Como se fosse um conluio, o governo, a imprensa, a Ordem dos Advogados, o Ministério Público, as organizações da sociedade – todos, em suma, desdenham da democracia.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 11 de novembro de 2012

Expedição analisa importância de Estação Ecológica para o rio Acre



* Ecio Rodrigues

Um grupo de 14 pesquisadores oriundos da Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre irá subir o rio Acre, até próximo à nascente, na fronteira com o Peru. A expedição, organizada por meio de uma inédita parceria com o ICMBio, integra as atividades de um trabalho que, sob o apoio do CNPq, estuda a interação entre água e floresta na Amazônia.
O principal desígnio da expedição, que terá uma segunda fase na época da cheia (em meados de abril de 2013), é a coleta de informações para subsidiar o manejo da Estação Ecológica do Rio Acre; por sua vez, o manejo poderá ser direcionado para a melhoria da quantidade e da qualidade da água que corre no rio Acre.
Trata-se, a estação ecológica, de uma categoria de unidade de conservação, inserida no grupo de proteção integral, de acordo com a definição da lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc); nas unidades de proteção integral, além da realização de pesquisas, só são permitidas algumas atividades com fins recreativos.
O que motiva a equipe de pesquisadores é justamente a possibilidade de introduzir, nas atividades da Estação Ecológica do Rio Acre, o serviço ambiental que a floresta pode prestar, de produção e purificação da água. Para se chegar a uma primeira avaliação sobre a importância da porção florestal ali presente para a manutenção doequilíbrio hidrológico do rio, um rol de 08 projetos de pesquisa foi engendrado.

Todos os estudos serão realizados na área de influência da mata ciliar, representada por uma faixa de 2 km de largura, paralela ao traçado do rio, em cada margem, no perímetro da área da Estação Ecológica. Nessa formação florestal serão medidas, por exemplo, unidades amostrais de Inventário Florestal, a fim de se chegar às 20 espécies de maior Índice de Valor de Importância (ou IVI-Mata Ciliar); essas espécies poderão ser empregadas em futuros projetos de restauração florestal.
A contribuição da biomassa presente na mata ciliar (originária das árvores, das palmeiras e da serapilheira) será analisada por estudos específicos, que possibilitarão calcular-se a quantidade de carbono retida nessa biomassa; da mesma forma, também será objeto de estudo o solo da beira do rio, que fornece sustentação para a mata ciliar.
Uma vez que no tratamento da água que chega à população urbana, a purificação representa o maior item de custo, um dos projetos de pesquisa irá se deter na análise da turbidez da água no interior da Estação Ecológica, a fim de detectar-se a influência da floresta sobre a pureza do recurso hídrico.
Por outro lado, como a quantidade de água que chega aos oito municípios localizados à jusante da Estação Ecológica é influenciada pelas características observadas na região da cabeceira do rio, também será quantificada a vazão apresentada pelo rio Acre na área abrangida por essa unidade de conservação.
O pioneirismo dessa série de estudos reside no fato de que, embora haja farta comprovação científica acerca da relação existente entre a quantidade e qualidade da floresta presente na mata ciliar e a quantidade e qualidade da água que corre no rio, essa interação entre água e floresta ainda precisa ser esmiuçada.
Mediante o detalhamento e especificação dessa interação, ou seja, mediante o cálculo de cada item de custo que envolve o serviço ambiental prestado pela floresta, de produção e purificação da água, será possível estabelecerem-se parâmetros para a precificação desse serviço.
Quando houver: (a) um preço a ser pago; (b) um pagador que se beneficia com a qualidade da água (as operadoras do sistema de abastecimento); e (c) um prestador desse serviço (que detém a área de floresta), haverá um mercado consolidado.
E chegar-se à concretização desse mercado – no qual o produtor que possui e mantém florestas recebe pela produção e purificação da água – é o que se espera de um futuro cada vez mais próximo.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 4 de novembro de 2012

Sobre o cacau cultivado na várzea do rio Amazonas


* Ecio Rodrigues
O cultivo de cacau na várzea do rio Amazonas é uma prática que remonta ao início do processo de ocupação da região. Incluído no conjunto de especiarias a que os colonizadores chamavam de “drogas do sertão”, o cacau nativo da Amazônia sempre apresentou elevada demanda de mercado.
Logo nas primeiras exportações das ditas drogas do sertão, tornou-se imperativo levar o cultivo do cacau para a várzea. Diante da disposição natural da espécie em pequenos povoamentos, com reduzido número de pés, dispersos no sempre inóspito ecossistema florestal, a coleta das sementes de cacau nativo exigia grande esforço e elevado custo.
O comércio das drogas do sertão acontecia por via fluvial: os barcos vinham de Belém, entravam pela foz do rio Amazonas e subiam até os rios Madeira e Purus, regiões de ocorrência do cacau nativo; assim, o produtor ribeirinho não teve dúvida quanto à necessidade de levar o cultivo para próximo da via de escoamento da produção – a margem do rio.
Ante a ausência de tecnologias voltadas para a seleção de indivíduos e melhoramento florestal, os produtores certamente escolhiam as sementes das árvores de cacau segundo uma única variável, a produção de frutos; os pés de cacau que se encontravam dentro da floresta e que, de acordo com as observações do produtor, rendiam mais frutos durante a safra, foram levados para ser cultivados na várzea do rio Amazonas.
Dos idos do século XVII até os nossos dias, um intenso trabalho de assistência técnica, extensão florestal e pesquisa foi desenvolvido, a fim de consolidar a cacauicultura na várzea. O que de fato aconteceu.
Nos últimos quarenta anos, sementes coletadas sob novos critérios de seleção de indivíduos foram levadas para mata ciliar e reproduzidas. Esses critérios dizem respeito não apenas à quantidade de frutos que cada árvore produz por safra, mas também à resistência a doenças como “vassoura de bruxa”, e ainda ao grau de rusticidade do indivíduo, que deve ser apto a suportar as condições impostas nas áreas de várzea.
Dessa forma, caracterizando-se por uma produção de certa forma estável, o cacau vem se mantendo como espécie de permanente importância para a economia da região. A quantidade de toneladas de sementes secas produzidas sofre desníveis acentuados apenas quando ocorrem eventos extremos, como foi o caso da alagação de 2012.
Entre as espécies florestais que originaram a ocupação econômica da Amazônia, o cacau é uma das mais significativas, perdendo apenas para a Hevea; diga-se, aliás, que o extraordinário ciclo econômico da borracha possibilitou ao país a maior riqueza jamais gerada por qualquer espécie florestal. Nem mesmo os ganhos obtidos com o pau-brasil (cuja designação batizou o território nacional) se aproximam da opulência gerada pela borracha.
Contudo, embora não tenha suscitado um ciclo econômico tão pujante como o da Hevea, o cacau se diferencia, em termos de importância econômica, em face de sua estabilidade no mercado ao longo do tempo, que não se compara a nenhuma outra espécie florestal amazônica.
Seria difícil determinarem-se os espaços temporais nos quais o cacau pode ter alcançado um ciclo de maior ou menor demanda. No caso dessa espécie, repita-se, o que tem relevância não é a ocorrência de períodos de grande riqueza, como o da borracha, mas a sua permanência e constância no mercado por um período tão longo.
A renda gerada pelo cacau pode chegar a 10.000 reais por safra, um valor bastante expressivo para o produtor ribeirinho.
Uma renda que poderia ser ampliada se a produção do cacau nativo fosse alçada à condição de política pública – o que, infelizmente, é muito difícil de chegar a acontecer.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).