segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Sustentabilidade na Amazônia piora em 2012


* Ecio Rodrigues

Em regiões de elevada complexidade como a Amazônia, a sustentabilidade só acontecerá se for planejada e buscada com afinco pelo conjunto da sociedade. A sustentabilidade não surgirá como se inexorável fosse e dependesse apenas do seguir histórico. Vale dizer, o tempo não trará a sustentabilidade: ela depende das ações que a sociedade e sobretudo os agentes econômicos e atores sociais assumam hoje.
Ano após ano, a Amazônia – na condição de espaço regional com bioma singular, em que o ecossistema florestal se destaca tanto por sua dimensão quanto por suas características físicas e biológicas – sofre as consequências de decisões equivocadas, tomadas no circuito público e no privado, e que podem tornar a sustentabilidade impossível de ser alcançada.
Embora a taxa de desmatamento tenha atingido a menor cifra desde que essa medição começou a ser efetuada em 1988, a Amazônia se afastou da sustentabilidade, principalmente em razão dos desdobramentos de dois importantes acontecimentos que tiveram lugar em 2012: Rio + 20 e aprovação do novo Código Florestal.
Com repercussões distintas – sendo que, no caso do primeiro, a responsabilidade pelos pífios resultados pode ser compartilhada com outros países; e no do segundo, os resultados desastrosos são de responsabilidade única dos brasileiros – no curto prazo, ainda em 2013, a região sentirá as perigosas implicações de ambos os eventos.
Os países chegaram à Rio + 20, a conferência da ONU sobre sustentabilidade, realizada na mesma cidade 20 anos depois da Rio 92, dispostos a, pelo menos, efetuar um balanço detalhado sobre os resultados alcançados com a assinatura, ainda em 1992, de um conjunto de acordos internacionais, que podem ser agrupados em três significativas convenções: Mudança do Clima, Biodiversidade e Agenda 21.
O saldo do balanço não poderia ser diferente. Reconheceram-se os avanços obtidos – uma vez que a preocupação com a sustentabilidade hoje é bem maior do que a que se observava antes de 1992 e, por outro lado, uma série de ações foi estabelecida, a fim de que a sustentabilidade realmente se tornasse realidade nos países.
Em praticamente todas as nações do globo, criaram-se instituições, como ministérios e secretarias de meio ambiente, com a atribuição principal de compelir as empresas a tornarem suas atividades produtivas menos danosas para o planeta. O licenciamento de indústrias, ou de atividades industriais, tornou-se cada vez mais difícil e complexo.
Todavia, o balanço também apontou que os avanços foram bem inferiores às demandas concernentes à sustentabilidade. Diante da urgência gerada pela crise ecológica, sobretudo aquela relacionada ao aquecimento global e às consequentes mudanças no clima, uma nova economia mundial, dita de baixo carbono, deveria estar em franca instalação, por meio da substituição do petróleo por fontes renováveis de energia, por exemplo. Mas, infelizmente, não é o que acontece.
Diga-se, aliás, que o Brasil, na qualidade de anfitrião e organizador da reunião da ONU, deveria ter tido mais determinação para chegar a um acordo mundial que avançasse rumo à economia de baixo carbono; contudo, os diplomatas brasileiros não atentaram para isso.
No âmbito interno, de outra banda, o novo Código Florestal, cuja proposta ficou por dois anos em discussão, transitando entre o Senado e a Câmara, sem que se construísse um acordo, acabou sendo decidido pela Presidência da República, por meio do autoritário e controvertido instrumento da medida provisória.
A nova legislação trouxe um retrocesso muito perigoso: a redução da largura da faixa de florestas existentes na mata ciliar dos rios, que caiu de 30 para cinco metros.
Sem dúvida, a disposição legal resultará em expressiva perda de florestas para a Amazônia, uma região que tem os rios como referência econômica, social e ecológica.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 20 de janeiro de 2013

Sobre a hidrovia dos rios Madeira e Amazonas

* Ecio Rodrigues 

É muito grande a circulação de cargas e pessoas pelo rio Amazonas. A quantidade de embarcações (de todos os tamanhos e destinadas a todo o tipo de transporte) que atracam ao longo da orla fluvial do Porto de Itacoatiara, por exemplo, desafiam as tentativas de monitoramento e controle.
Recebendo embarcações que saem de Porto Velho, em Rondônia, e deságuam no rio Amazonas, o Porto de Itacoatiara está em constante movimento; afinal, é por ali que trafega grande parte da economia regional.
Uma dinâmica econômica que é movida pela existência da única via de ligação entre Manaus e Belém, a fluvial. É por essa via que são escoadas, por exemplo, os grãos de soja colhidos em Rondônia.
E como as empresas da Zona Franca são montadoras, é por essa via também que chegam as peças e equipamentos que são montados em Manaus, e que saem todas as manufaturas e quinquilharias ali produzidas.
Barcas com 10, 20, 100 contêineres navegam pelo rio, conduzidas por rebocadores de grande calado. Vão atracar em Belém, de onde continuarão navegando, através do oceano Atlântico, em busca dos mercados internacionais, ou irão tomar as rodovias para atender ao mercado nacional.
Uma discussão tem sido travada por ambientalistas contrários à instalação de uma hidrovia que abrangeria os rios Purus, Madeira e Amazonas. Todavia, os argumentos levantados não têm cabimento, por várias razões.
O principal argumento é que o rio se transformaria em um modal de transporte, que, tal como acontece com as rodovias, serviria para o transporte de cargas e de pessoas, o que colocaria em risco a função ambiental do recurso fluvial.
Alegação precária, que não resiste à constatação de que o rio já é usado para esse fim: não será a hidrovia que tornará o rio a principal via de escoamento, pois ele já o é. Que a hidrovia pode ampliar e promover esse modal fluvial, não há dúvida; que isso poderá incrementar em 20 ou 30% a quantidade da cabotagem atual, também não há a menor dúvida.
Por outro lado, esse incremento de cabotagem seguramente virá associado ao cuidado com o rio. A hidrovia oficializará (digamos assim) a condição do rio como via de acesso essencial para a região. Implica dizer que o rio não poderá estar assoreado, o que exigirá cuidado com a mata ciliar, algo impensável atualmente.
Significa que o rio não poderá ter sua vazão ou equilíbrio hidrológico comprometido, pois, do contrário, não haverá transporte fluvial. Significa também que o rio não poderá desbarrancar (sem a proteção conferida pela mata ciliar); e que as cidades e povoados terão que obrigatoriamente dispor de portos estruturados para acomodar passageiros, com, no mínimo, ambientes distintos para embarque e desembarque. Nada disso existe hoje, a despeito de o rio ser usado como via de transporte e escoamento.
Além de organizar o deslocamento, com controle de cargas e de pessoas, sinalização e estruturação, a hidrovia possibilitará que se confira transparência às condições do rio, na medida em que serão geradas informações necessárias à gestão da via fluvial.
A hidrovia é uma concessão pública. Da mesma forma como ocorre no caso da aviação e das autoestradas, trata-se de um serviço público que precisa ser licitado e outorgado a uma empresa – que, por seu turno, explora esse serviço por um período de tempo determinado. Evidentemente, essa empresa irá cobrar do usuário e pagar a concessão para o poder público. É assim que funciona em todo o mundo.
Instituir um sistema de pagamentos pela conservação da mata ciliar pode resolver uma série de problemas no rio, mas, sem a hidrovia, isso nunca acontecerá. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 13 de janeiro de 2013

O dilema do jabuti

* Ecio Rodrigues 

Difícil imaginar um animal mais interessante para se ter em casa que o jabuti. Além de requerer o mínimo de trabalho e atenção do criador, o custo de manutenção de um jabuti é infinitamente inferior ao de qualquer outro animal domesticado – cachorros, aves e gatos, por exemplo.
Para quem tem quintal, não há como não gostar de um animal dócil, que não causa o menor transtorno – e que vez ou outra lhe faz uma visita em sua própria casa. Trata-se de excelente companhia: não incomoda e está sempre lá, independente de ser ou não visto.
Rústico, forte e resistente, o jabuti é capaz de se adaptar, se não a todas, à maioria das condições climáticas presentes nas regiões geográficas brasileiras. Jabuti não adoece – ainda bem, pois é difícil encontrar veterinário com competência (adquirida nas universidades) para tratar do bicho. É difícil até mesmo encontrar informações sobre os procedimentos para se cuidar de um jabuti.
E é aí que reside o dilema do jabuti. Com certeza, uma significativa parcela da sociedade tem interesse em conviver diariamente com esse pacato e impressionante animal. Todavia, no Brasil, existe um ambiente institucional incompreensivelmente hostil à criação de qualquer animal da fauna silvestre nacional.
Excetuando-se os profissionais que trabalham em zoológicos ou em instituições similares, não se veem veterinários que ganham dinheiro cuidando de jabuti ou outro bicho da Amazônia. As pessoas são desmotivadas a manter essas espécies, a despeito do seu potencial para servir como animal de estimação (ou PET, na sigla em inglês).
Sem dúvida o mercado de criação de jabutis como bicho de estimação teria grande potencial. Aquele jeitão pacífico e jurássico desperta o interesse de todos, especialmente das crianças. Elas não resistem à graça e delicadeza de um filhote de jabuti – que é quase uma miniatura, mas totalmente independente.
Esse mercado, contudo, não se viabiliza por razões que beiram a insanidade. Somente nós, os brasileiros, para chegarmos ao ponto de instituir uma série de regras que transformaram a criação e o manejo de animais silvestres, sobretudo os amazônicos, em atividade de extremo risco – quando as pessoas, mundo afora, têm interesse em criar os animais da fauna amazônica.
Sobre os argumentos insanos, que são vários, eles são defendidos tanto por um grupo pequeno (mas obstinado) de ambientalistas ortodoxos quanto pelo aparato institucional estatal. Em ambos os casos, todavia, prevalece a pouca informação técnica, que leva à intransigência em relação a qualquer tipo de atividade que envolva animais silvestres e que não seja direcionada para distanciá-los ao máximo das pessoas.
Alega-se, por exemplo, que esses animais podem transmitir novas doenças aos humanos. Ora, é no mínimo insensato esse argumento, diante do fato de que os pombos (que, por sinal, são adorados e infestam como praga as metrópoles) são vetores de mais males que os ratos.
Defende-se ainda que o comércio de animais silvestres levaria ao aumento da caça, o que, por sua vez, acarretaria a extinção das espécies. Argumento igualmente ultrajante para quem tem um pouco de bom senso. O mercado de animais silvestres para PET não vai fomentar a caça no interior da floresta por uma simples razão: para o produtor, se esse mercado fosse regulamentado, seria muito mais barato criar esses animais do que caçá-los.
A caça para venda clandestina na cidade – que pode levar, no médio prazo, ao risco de extinção – acontece hoje justamente porque existe um mercado negro.
Evidentemente, não será esse o meio de abastecimento de um mercado regularmente estabelecido e que movimentaria cifras milionárias no mundo.
Uma coisa é certa: o sábio jabuti, que vive muito bem em ambiente doméstico, prefere a nossa companhia à dos predadores que habitam a floresta. É só perguntar. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 6 de janeiro de 2013

Eleições de entidades da região Norte para o Conama

* Ecio Rodrigue
 
O Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, deflagrou, desde o dia 14 de dezembro último, o processo eleitoral para escolha das entidades que vão atuar como membro conselheiro, para um mandato que vai de 2013 a 2015. Podem votar todas as organizações da sociedade civil que fazem parte do Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, CNEA.
Serão eleitas duas entidades representantes de cada uma das regiões geográficas do país. Cada organização eleitora pode votar, por cédula ou via internet, em duas entidades para representação regional e em uma entidade para representação nacional.
Trata-se de uma eleição importante, uma vez que os eleitos formarão o grupo de conselheiros que compõem o plenário do Conama. São eles que deliberam sobre normas que põem em prática a Política Nacional de Meio Ambiente, instituída em 1981.
O plenário do Conama é composto por um total de 94 conselheiros, entre os quais se incluem representantes dos governos, em esfera municipal, estadual e federal; dos empresários, por meio de suas entidades, como Fiesp e CNI; do agronegócio, indicados pela CNA; dos ambientalistas, eleitos pelas entidades do CNEA.
É esse plenário que discute e decide pela aprovação ou rejeição de uma série de medidas que, notadamente em regiões como a Amazônia, têm influência direta sobre o cotidiano dos indivíduos e empresas. São poucas as atividades empresariais, na Amazônia, cuja atuação diária não é afetada por alguma resolução aprovada no plenário do Conama.
Para se ter uma ideia da importância desse colegiado, diga-se que foi uma resolução do Conama que instituiu a obrigatoriedade de apresentação dos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (o controvertido EIA/Rima), para licenciamento de obras de hidrelétricas.
Da mesma forma que existe resolução do Conama regulando a construção de hidrelétricas, também há normas para o licenciamento ambiental de cemitérios, de postos de gasolina, de asfaltamento de rodovias, de construção de prédios, de funcionamento de igrejas e assim por diante.
Foi dali que saíram as regras atuais para licenciar queimadas e desmatamentos na Amazônia. Como também foi o Conama que obrigou o uso de espécies nativas como única opção para restauração florestal da mata ciliar degradada dos rios amazônicos. Veja bem: nos termos da resolução do Conama, a restauração florestal só pode ser efetuada com o emprego exclusivo de espécies florestais nativas da própria mata ciliar que será restaurada.
Essa resolução, por sinal, originou grande polêmica por ocasião das discussões do Código Florestal, recentemente aprovado no Congresso Nacional – uma vez que os defensores do agronegócio queriam plantar (pasme-se!) laranjas nas margens dos rios, uma coisa simplesmente impensável.
Enfim, participar do plenário do Conama é uma atividade que se reveste de elevada responsabilidade para as organizações da sociedade civil. A defesa de interesses da sociedade exige dos conselheiros apurada formação técnica e política. No caso da Amazônia, além disso, o conselheiro deve ter amplo domínio da complexa e extensa realidade regional.
O conselheiro do Conama não pode buscar a formação de grupos, que costumam votar em conjunto para atender às demandas dos governos. Tampouco pode se pautar por ideologias partidárias, ou ainda, satisfazer as reivindicações de alguma tendência do diversificado movimento ambientalista.
O conselheiro do Conama deve estar atento às implicações de suas decisões para o futuro da região, do país e do planeta. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).