terça-feira, 27 de agosto de 2013

Características exclusivas garantem demanda para o cacau nativo

* Ecio Rodrigues 

Nem sempre a domesticação de uma espécie florestal que adquire valor comercial expressivo é a única ou a melhor saída. Domesticar significa retirar a espécie do interior do ecossistema florestal para cultivá-la em espaço aberto, sob alta produtividade e em larga escala. Significa também intensificar os estudos em melhoramento genético, a fim de clonar a espécie florestal, tornando-a mais produtiva.
A domesticação teve o grande mérito, é verdade, de praticamente suprimir a fome no mundo. O procedimento vem sendo levado a efeito, diuturnamente e com relativo sucesso, para todas as espécies que compõem a cesta de alimentação básica da humanidade.
Todavia, no caso das espécies florestais, a experiência demonstra que existe uma demanda permanente para o produto obtido mediante o manejo da espécie no interior do ecossistema florestal. Esse produto encontra público garantido, um nicho de mercado que resiste ao consumo massificado do produto derivado da domesticação.
Na falta de uma explicação melhor, tudo indica que algumas características exclusivas, presentes na espécie em ocorrência natural no ecossistema florestal, fornecem certos atributos ao produto final, que, por sua vez, fazem com que um seleto grupo de consumidores mantenha sua demanda.
É provável que o melhor exemplo seja o do cacau nativo amazônico. Com uma produção expressiva desde o período posterior ao descobrimento do país, e que perdurou por mais de 300 anos, o cacau nativo passou pelo processo de inelasticidade da oferta até que a domesticação foi viabilizada.
Assim, sob elevados investimentos estatais, o cacau amazônico foi cultivado em outras regiões do país. Esperava-se que as pragas existentes na Amazônia, como o fungo causador da doença conhecida por “vassoura-de-bruxa”, não chegassem às regiões consideradas de escape – o caso de Ilhéus, na Bahia –, em que as condições climáticas, entre outros fatores, não seriam favoráveis à proliferação do micro-organismo.
Para encurtar a história: em que pese todo o investimento feito no cultivo do cacau, e não obstante o fato de o mercado para o chocolate produzido com o cacau de cultivo ser vultoso e preponderante, o cacau nativo amazônico continua sendo demandado e permanece no mercado, contrariando todas as evidências. Essa circunstância só pode ser explicada por razões que remetem a características exclusivas presentes nas espécies nativas.
Essas características exclusivas podem proporcionar melhorias relacionadas à percepção sensitiva do chocolate oriundo do cacau nativo, que o diferenciam do chocolate proveniente do cacau domesticado.
Como os europeus afirmam, o cacau nativo amazônico possui “flavour” (misto de sabor e aroma) superior ao do cacau cultivado e que, ao longo do tempo, passou por melhoramentos para se tornar mais produtivo. Como se sabe, a produtividade é o principal atributo para o mercado massificado.
A conclusão é que o mercado massificado, que requer uma grande escala de produção, pode ser atendido pela domesticação da espécie em cultivos, e até mesmo, como no caso da borracha, pela sua substituição por sintéticos (leia-se indústria do petróleo).
Todavia, quando a demanda busca certas especificidades num determinado produto oriundo de uma espécie florestal – concernentes ao sabor, à aparência, ao aroma ou aos coeficientes técnicos desse produto –, surgem nichos de mercado que mantêm o consumo da espécie florestal manejada em seu ambiente nativo, ou melhor, do produto extraído das árvores dispersas no interior da floresta.
O cacau amazônico, extraído da floresta nativa, apresenta menor escala de produção e alcança maior preço de mercado. O que é melhor para a Amazônia?

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 18 de agosto de 2013

A domesticação nem sempre é a melhor saída

* Ecio Rodrigues 

No âmbito da produção florestal, a opção pela domesticação de espécies de valor comercial é uma tendência de mercado. Essa tendência se concretiza quando existe uma demanda crescente pelo produto florestal, e a ocorrência da espécie em ambiente natural, dentro do ecossistema, proporciona oferta limitada, em vista da pequena quantidade de árvores dispersas por hectare.
Ante a inelasticidade da oferta, a ampliação da demanda pelo produto florestal força a inclusão de novas áreas no sistema produtivo até um determinado limite. Mantida a demanda crescente, mesmo após o novo limite de produção ter sido alcançado com a inclusão das novas áreas, o mercado começa a investir na domesticação da espécie, a fim de continuar o atendimento da demanda e ampliar os ganhos com a produção.
Trata-se de raciocínio relativamente simples e de fácil comprovação na história da ocupação produtiva da Amazônia e dos ciclos econômicos de alguns produtos florestais, como borracha, óleo de pau-rosa, pupunha, cupuaçu e, claro, cacau.
Essa relação de causa e efeito entre a inelasticidade da oferta e a domesticação decorrente do aumento da demanda, no caso das espécies florestais com importância comercial, foi muitas vezes abordada em documentos acadêmicos.
Todavia, nenhum desses estudos atentou para o fato de que a demanda pode assumir algumas especificidades, criando nichos de mercado para os produtos provenientes das árvores nativas, ou seja, das árvores que permanecem no ecossistema.
Acontece que, por razões variadas e de difícil aferição, as espécies florestais que se encontram no interior do ecossistema podem, ao longo de um permanente e ininterrupto ciclo de reprodução, manter e aprimorar características exclusivas, atraindo, para o produto florestal, um público específico, que busca justamente esse diferencial.
Ao que parece, há algum tipo de relação de interdependência com o ambiente, que faz com que essas características exclusivas sejam, como a própria expressão indica, exclusivas das árvores encontradas no ecossistema florestal.
O caso do látex usado como matéria-prima na produção de preservativos é um bom exemplo. Segundo estudos realizados pela fábrica de preservativos masculinos instalada no Município de Xapuri-AC, que produz a marca Natex, o látex oriundo do seringal nativo, isto é, o látex extraído das árvores de seringueira existentes na floresta nativa apresenta melhores coeficientes técnicos para a produção de preservativos, fornecendo maior resistência ao produto.
Como a resistência é uma característica importante para o preservativo, o produto confeccionado com o látex procedente dos seringais nativos tem sua demanda mantida pelo mercado – ou melhor, por um nicho do mercado de preservativos – pois, quando a mesma espécie é cultivada em seringais plantados essa característica exclusiva desaparece.
Significa que, embora o mercado dos preservativos oriundos das seringueiras cultivadas responda por mais de 95% do consumo desse produto, uma pequena parte dos consumidores irá permanecer no universo dos 5% que preferem os preservativos confeccionados a partir da borracha nativa.
Pode-se dizer então que, mesmo havendo uma demanda permanente pelas características exclusivas, o que impede a total e definitiva domesticação da espécie florestal, a quantidade de consumidores que valorizam essas características, a ponto de aceitar pagar a mais por elas, será sempre expressivamente inferior à quantidade de consumidores que continuam movimentando o mercado do cultivo. As características exclusivas, dessa forma, atendem não aos grandes mercados dos produtos florestais, mas a pequenos quinhões, a pequenos nichos desses mercados.
A domesticação não é a única resposta para os impasses econômicos da produção florestal. É possível gerar renda manejando a espécie no interior da floresta. Para a Amazônia, essa a melhor saída. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 11 de agosto de 2013

Banco da Amazônia não entende de sustentabilidade

* Ecio Rodrigues

O que levou o Banco da Amazônia, ou simplesmente Basa, como é mais conhecido, a supor que, apoiando a expansão da atividade pecuária mediante sua mais importante carteira de financiamentos estaria contribuindo para a sustentabilidade da região? Considerando-se a incongruência da suposição, certamente que responder a essa pergunta requer um estudo mais demorado sobre a questão.
O Basa compõe, juntamente com a Suframa, o Banco do Brasil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES, o conjunto dos quatro mais importantes agentes financeiros para a oferta de recursos destinados ao subsídio do desenvolvimento regional na Amazônia.
Embora nenhum desses agentes financeiros domine – da forma como deveriam dominar para atuar como promotores do desenvolvimento regional – o conceito de sustentabilidade adequado à Amazônia, de longe o Basa é o pior e o menos preparado, sob o ponto de vista técnico. Diante do histórico do banco, trata-se de uma contradição frustrante.
Acontece que o Basa foi criado para estear, mediante financiamento direto e instalação de infraestrutura, a produção de borracha, o mais importante produto florestal da Amazônia. Nem a madeira, nem nenhum dos itens da cesta de produtos a que se denominou “drogas do sertão” (como é o caso do cacau) se comparam à importância econômica que a borracha possui para a história da ocupação da região.
Tanto assim, que a borracha é o único produto que pôde dispor de um banco específico – o Banco de Crédito da Borracha, criado na esteira do esforço brasileiro para apoiar os aliados durante a Segunda Guerra Mundial.
A experiência acumulada por essa instituição no suporte à atividade produtiva do extrativismo – algo de valor inestimável, vez que o extrativismo se configura numa das mais (senão a mais) complexas atividades do setor primário – deveria ter sido assimilada pelo Basa, que assumiu as atividades do Banco da Borracha em 1966, no período da ditadura militar; mas, ao que parece, isso não aconteceu.
A atuação e, consequentemente, a especialização no âmbito desse segmento produtivo, o do extrativismo, teria induzido o Basa para o caminho da sustentabilidade. Todavia, e infelizmente, o banco não só perdeu toda a expertise do antigo Banco de Crédito da Borracha como ajudou a conceber a equivocada ideia de que o extrativismo estaria fadado ao fracasso e que deveria ser suprimido para dar lugar à “sustentável” atividade pecuária.
Essa completa falta de visão estratégica – que até poderia ser admissível durante o afã desenvolvimentista da década de 1970, quando os militares investiam na construção da rodovia Transamazônica (até hoje não foi inaugurada) e na ocupação da região por produtores – não se justifica na atualidade, quando o extrativismo foi alçado à condição de opção produtiva mais adequada aos ideais de sustentabilidade preconizados para a Amazônia.
A reiterada insistência nessa equivocada noção de desenvolvimento regional leva o Basa, por um lado, a continuar financiando a pecuária e, por outro, a dificultar o apoio ao extrativismo.
Enquanto o extrativismo tradicional evolui, em termos tecnológicos, para o manejo florestal comunitário, o Basa continua cego e perdido no apoio à criação de gado, ao plantio de soja e à construção de lojas nos centros urbanos.
E o pior, apregoando que esse tipo de financiamento promove a sustentabilidade da Amazônia – premissa que provavelmente representa a compreensão do Basa sobre sustentabilidade. Triste, mas verdade.
A conclusão, singela mas estratégica, é que um agente financeiro a menos não faz diferença: se o critério é a sustentabilidade da Amazônia, podem fechar o Basa. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 4 de agosto de 2013

Fantasma da biopirataria esconde incompetência tupiniquim

* Ecio Rodrigues 

Se um produtor resolver se aventurar no arriscado mercado de produção de sementes florestais irá se deparar com dois grandes obstáculos: um deles relacionado à excessiva, complexa e muitas vezes insana normatização aplicada a essa atividade; o outro, ao fantasma da biopirataria.
Não se sabe exatamente se o primeiro é consequência do segundo ou vice-versa, mas o fato é que ambos não deixam que a produção de sementes florestais nativas avance. Isso numa região como a Amazônia, historicamente carente de opções econômicas lucrativas no âmbito do setor primário.
Esse impasse não se limita, infelizmente, ao potencial de mercado das sementes florestais. Inclui também o lucrativo e promissor mercado dos cosméticos e dos fitoterápicos, cuja produção deriva das espécies florestais.
O fantasma da biopirataria faz vítimas. Vez ou outra, algum desavisado se vê obrigado a defender-se de acusações sempre subjetivas, que como plumas ao vento vão se alastrando e do nada convertem um pesquisador, um produtor ou um empresário num terrível e, claro, famoso biopirata.
Há duas circunstâncias que, somadas, ampliam exponencialmente o risco de alguém se transformar num famoso biopirata.
Primeiro, quando a espécie florestal que supostamente é objeto da cobiça perdulária do mundo tem origem na Amazônia. Obviamente, um biopirata da Caatinga não conta com o mesmo espaço de mídia conferido ao biopirata da floresta considerada a mais rica do mundo.
Segundo, quando a suposta biopirataria é perpetrada por estrangeiros. Essa circunstância é relevante, pois, ao que parece, o fato de São Paulo plantar todas as espécies florestais amazônicas que fazem sucesso comercial não conta como biopirataria, ou conta?
Voltando aos gringos. O sujeito pode até ter cidadania brasileira, mas se estampar algum sotaque, se falar enrolado, ninguém duvidará de que se trata do mais importante biopirata, internacionalmente conhecido.
A superação de entraves impostos por um conjunto de normas abstrusas, com poucos lampejos de bom senso, exige do empreendedor uma enorme força de vontade; alguns se dispõem a fazê-lo e até conseguem.
A biopirataria, contudo, configura-se num verdadeiro muro intransponível. É impossível superar o conceito equivocado que predomina na cabeça de uma grande parcela de indivíduos, incluídos aí os que têm poder de decisão para pôr o empreendedor atrás das grades.
Todavia, entendendo-se a biopirataria, esse neologismo inventado por nós, como a transferência entre países de material genético, vegetal ou animal, sem a celebração de acordos internacionais que legalizem essa transferência, a biopirataria não passa de uma especulação, um factoide que se beneficia da desinformação generalizada.
Vale dizer, biopirataria não existe, nunca existiu. Não há indícios de sua ocorrência, muito menos de condenações baseadas em tal fundamento.
Nem mesmo o exemplo da borracha, sempre aventado quando o tema vem à baila, resiste a uma análise histórica. As sementes de seringueira chegaram à Malásia legalizadas por acordos internacionais que o Brasil assinou, tendo se transformado em plantios produtivos graças à competência dos engenheiros florestais ingleses, que conseguiram rapidamente domesticá-las.
Competência, essa é a chave para transformar biodiversidade em renda na Amazônia, sem a assombração de fantasmas. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).