domingo, 26 de janeiro de 2014

Eleição no Fundo Nacional de Meio Ambiente

* Ecio Rodrigues

Foi deflagrado o processo eleitoral para escolha dos representantes das organizações da sociedade civil na composição do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Meio Ambiente, durante o biênio 2014/2016.
Trata-se de uma eleição significativa, já que o Fundo Nacional de Meio Ambiente, FNMA, criado no final da década de 1980 como um dos principais instrumentos de fomento voltado para a aplicação da Política Nacional de Meio Ambiente, enfrenta, atualmente, profunda crise operacional.
Acontece que, ao longo do tempo, os objetivos do FNMA se desvirtuaram, chegando a haver, inclusive, quem defendesse que o Fundo já havia cumprido o seu papel, e por isso deveria ser extinto – um raciocínio disparatado, para dizer o mínimo.
Felizmente, a extinção não aconteceu, embora os problemas persistam. Ao que parece, a decisão tomada pelo Ministério do Meio Ambiente em 2004 no sentido da permanência da instituição foi apenas para não arcar com o ônus político do seu desaparecimento. Uma triste diretriz, que vigora há dez anos.
Com sérias dificuldades orçamentárias desde então, o FNMA depende cada vez mais da atuação dos integrantes do Conselho Deliberativo, que é o seu colegiado decisório. Esse colegiado se pronuncia sobre assuntos cruciais, como as linhas de financiamento que devem ser apoiadas pelo FNMA e o aporte dos recursos destinados às carteiras de projetos.
Para integrar o Conselho, as entidades da sociedade civil concorrem em um processo eleitoral no qual votam e podem ser votadas as organizações inscritas no Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, o CNEA. Ao final, cada região do pais elege uma entidade, que por sua vez é representada por um conselheiro titular e um suplente.
Uma das funções do conselheiro, de acordo com o regimento interno do FNMA, é a emissão de pareceres opinativos quanto à aprovação ou rejeição de projetos apresentados ao Fundo por órgãos e entidades em busca de apoio – geralmente organizações da sociedade civil e pequenas prefeituras.
Como esses projetos envolvem temas complexos – por exemplo, a destinação de lixo em áreas urbanas ou o manejo florestal comunitário de madeira na Amazônia –, a participação no Conselho Deliberativo exige da entidade eleita e de seu representante certo domínio sobre questões técnicas concernentes à Amazônia e aos outros biomas brasileiros.
Ademais, é importante que o conselheiro possua também alguma vivência política, de forma a contribuir em discussões sobre o funcionamento do próprio FNMA e a execução de projetos coerentes com a realidade dos ecossistemas em cada região.
Os problemas financeiros, evidentemente, prejudicaram sensivelmente o financiamento de projetos, em especial as propostas oriundas das organizações da sociedade civil que concorrem ao apoio do FNMA por meio da denominada “Demanda Espontânea” – procedimento que, juntamente com a “Demanda Induzida”, compõe os dois mecanismos de acesso ao Fundo.
Em vista dessas circunstâncias, o FNMA sofreu um processo paulatino de esvaziamento. Na verdade, diante da escassez de recursos e da má vontade com relação aos projetos originários da sociedade civil, era de se esperar que os atores sociais, que forneciam algum esteio político ao FNMA, se voltassem para outras possibilidades de financiamento, como é o caso do Fundo de Direitos Difusos e do Fundo Amazônia.
Considerando-se, contudo, a histórica importância do FNMA para a política ambiental no país, essa estratégia sem dúvida é equivocada, e deve ser revista. É hora de reagir.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Autorregulação da atividade florestal na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Um rol extenso de normativas opera sobre as atividades produtivas do setor primário na Amazônia. É por meio dessa regulação estatal que o produtor é submetido às regras de manutenção da Reserva Legal (80% da propriedade privada não pode ser desmatada) e de preservação da mata ciliar dos rios.
A regulação estatal também fez instituir, em alguns estados amazônicos, o Zoneamento Ecológico e Econômico. Em que pese o efeito concreto desse dispendioso processo de planejamento do uso do solo, o ZEE ampliou ainda mais o já farto aparato normativo imposto ao produtor.
Mais recentemente, o produtor se viu às voltas com um novo gênero de regras a serem assimiladas, embora sem obrigação legal para tal, concernentes à regulação de mercado. Já cabreiro e indisposto com o excesso de imposições a que é submetido, o produtor na Amazônia levou muito tempo – tempo demais – para acreditar na certificação florestal.
Não obstante, a certificação florestal, em especial a que diz respeito ao selo adjudicado pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal, conhecido pela sigla em inglês FSC, é uma tendência e se configura na mais importante regulação de mercado atualmente praticada.
Além da regulação estatal e da regulação de mercado, os produtores do setor florestal devem observar também, ainda que sob menor poder impositivo (digamos assim), as regras concernentes à autorregulação da atividade.
Ocorre que, na atividade florestal existe o risco da escassez do produto ou matéria-prima, que pode ser causada pela sobre-exploração de um recurso.
A sobre-exploração tem lugar sempre que a quantidade de matéria-prima retirada pelo produtor não respeita a capacidade de reposição do ecossistema, prejudicando a sua regeneração natural.
Assim sendo, a autorregulação estabelece preceitos a serem seguidos, a fim de evitar-se que o estoque futuro do produto florestal venha a ser comprometido.
O risco de sobre-exploração existe especialmente com relação aos recursos florestais de uso comum, e o caso da pesca é um bom exemplo: o chamado “acordo de pesca”, uma espécie de código de postura adotado por comunidades de pescadores, configura-se um instrumento de autorregulação bastante comum na Amazônia.
Na verdade, nesse tipo de produção, em face do acesso permitido a todos os produtores e da ausência de definição de áreas individuais de exploração, ou, ainda, nos contextos em que os recursos migram de uma área para outra (como os peixes), a regulação estatal não é suficiente para garantir o controle do estoque. Por outro lado, não há espaço para a regulação de mercado, uma vez que, na maior parte das vezes, trata-se de pequenos produtores, que não alcançam mercados mais volumosos, em cujo âmbito a certificação florestal funciona como incentivo para a compra.
Em tal conjuntura, portanto, em que o recurso florestal explorado é comum, e os direitos de propriedade não são reconhecidos pela regulação estatal, os sistemas de autorregulação são fundamentais para permitir a continuidade do processo produtivo e garantir a manutenção do recurso florestal manejado.
Desde os primórdios da produção florestal na região, iniciada com as chamadas “drogas do sertão”, passando pela borracha, castanha-do-brasil e chegando à madeira, a autorregulação de alguma forma foi exercida, mediante o cumprimento de regras instituídas pelos próprios produtores, independentemente de uma fiscalização instituída.
A análise das interfaces dos diversos tipos de regulação que se aplicam à atividade florestal é um imperativo para a sustentabilidade da produção florestal na Amazônia.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 12 de janeiro de 2014

Regulação de mercado na atividade florestal na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Antes mesmo de se iniciarem as discussões acerca da demanda por um duvidoso processo de Zoneamento Ecológico e Econômico na Amazônia, o produtor do setor primário da economia, em especial o que explora e processa algum tipo de matéria-prima florestal, sempre esteve submetido às regras impostas pela regulação estatal.
O processo de zoneamento é duvidoso por ser extremamente caro e apresentar retornos questionáveis para a sociedade. São raros os casos em que as áreas zoneadas são destinadas à função que lhes foi atribuída, uma vez que a dinâmica social e econômica local costuma desprezar as conclusões advindas do zoneamento.
Mas, voltando ao tema, duas normas evidenciam com clareza a viva interferência da regulação estatal sobre as atividades rurais. A primeira delas restringe a conversão da floresta, ou o desmatamento, a 20% de toda propriedade privada existente na Amazônia. A segunda, por sua vez, impede o uso do solo e da floresta presentes nas margens dos rios, nascentes, topos de morro e encostas.
Já às voltas com as imposições decorrentes da regulação estatal (note-se que não foram mencionadas aqui as normas vinculadas ao processo de licenciamento ambiental), o produtor se viu, mais recentemente, compelido a incluir no seu rol de obrigações um conjunto de regras estabelecidas não pelo Estado, mas pelo próprio mercado.
Sob a perspectiva do produtor, era algo bem peculiar, que diferia profundamente do procedimento de regulação a que estava habituado, todo especado na fiscalização estatal. Isso fez com que o produtor desconfiasse da obrigatoriedade desses novos preceitos, sob o argumento de que não estariam amparados por lei; esquecendo-se, nesse caso, que, justamente por se tratar de regras impostas pelo mercado, não deprecam o resguardo legal.
No âmbito da produção florestal, o melhor exemplo de uma exigência fixada pela regulação de mercado é a certificação do tipo selo verde, notadamente a imposta pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal, conhecido pela sigla FSC.
Diga-se que, a despeito de a certificação de produtos florestais pelo FSC ser motivada pelas forças de mercado e dispor de ampla aceitação mundo afora, há quem a rotule como uma barreira ao acesso dos produtores menos estruturados a mercados mais competitivos; ou seja, como um tipo de triagem motivada não por quesitos tarifários, mas ambientais.
Todavia, independentemente da validade acadêmica desse ponto de vista, o fato é que a certificação florestal pelo FSC pode representar, para o produtor, o ponto decisivo para a sua permanência em determinado mercado e a obtenção de determinada clientela.
No caso do produtor florestal, sobretudo o que maneja florestas nativas na Amazônia, a regulação de mercado suscitada pelo FSC nos últimos 10 anos tem se mostrado um poderoso instrumento de regulação, tirando do mercado (ou reduzindo o mercado de) um número expressivo de empresas florestais.
Por sinal, a relevância conferida pelo mercado à certificação não foi prevista pelos envolvidos com o setor. Ao contrário, a expectativa era a de que os empresários, aflitos por sanar as exigências da regulação estatal, não se arriscariam com um novo tipo de regulação. Mas o mercado foi levado a isso.
Essa incapacidade de prever o aumento e a consolidação da regulação de mercado, que prescinde da atuação costumeira e sempre negociadora do fiscal da regulação estatal, traz à tona uma característica negativa das empresas que atuam no setor florestal da Amazônia – a falta de planejamento em geral.
A certificação florestal é uma realidade, ou melhor, uma tendência. É a regulação de mercado operando a favor da sustentabilidade.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Regulação estatal e atividade florestal na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Na Amazônia, a segregação de espaços territoriais configura-se num dos mais importantes componentes da estratégia de conservação dos recursos naturais.
Quando, por exemplo, uma unidade de conservação é criada e implantada, o Poder Executivo, em esfera municipal, estadual e federal, exclui do processo produtivo baseado na expansão da fronteira agropecuária uma expressiva área coberta por florestas, cujo uso ou exploração não poderá importar na substituição do ecossistema florestal por qualquer tipo de cultivo.
A regulação estatal, nesse caso, além de coibir a expansão da atividade agropecuária sobre as áreas segregadas na forma de unidade de conservação, também impõe aos agentes privados que ocupam o interior dessas áreas regras de usos que, na maioria das vezes, restringem a ampliação da produção de grãos e de animais domesticados.
Atualmente, na Amazônia, as reservas extrativistas ocupam 12% da área destinada às unidades de conservação, área esta equivalente a 1,1 milhão de quilômetros quadrados – o que, por sua vez, representa mais de 20% de toda a extensão territorial do bioma. Trata-se de uma considerável porção de terra, onde a regulação estatal se expressa de forma bem mais significativa quando comparada a qualquer outra situação fundiária existente na região.
Mas a regulação estatal não se limita às unidades de conservação, de modo geral, ou às reservas extrativistas, de modo mais contundente e específico. As restrições de uso também ocorrem em situações fundiárias diversas, como nos projetos de assentamento para a reforma agrária, e até mesmo nas propriedades privadas, sob maior ou menor grau de ingerência junto aos agentes produtivos.
A produtor rural na Amazônia não pode, por exemplo, destinar ao uso agropecuário - leia-se desmatar - 80% de sua propriedade. Isto é, em apenas 20% da área das propriedades privadas pode ser praticado o cultivo de grãos ou a criação de gado.
O que não significa dizer, por outro lado, e como equivocadamente se costuma pensar, que nos 80% protegidos, denominados de Reserva Legal, o produtor tenha que manter a terra ociosa, sem nenhum tipo de ganho financeiro.
Na Reserva Legal, que, repita-se, corresponde a 80% da propriedade, o produtor pode explorar os recursos florestais, desde que sob o emprego da tecnologia do manejo florestal.
Assim, além de explorar madeira e extrair açaí, murmuru, patoá, copaíba, quina-quina, entre outros, o produtor poderá criar animais silvestres amazônicos, como paca, queixada, capivara e cateto, para fins de comercialização da carne; ou, ainda, papagaio, jabuti e arara, que podem ser comercializados como animais de estimação.
Finalmente, a regulação estatal também intervém na propriedade privada ao definir o que se chamou de Áreas de Preservação Permanente, APP. Trata-se das terras situadas nas margens dos rios e nascentes, nas quais deve ser mantida uma faixa de vegetação nativa, ao longo do curso d’água e proporcional à sua largura, na forma de mata ciliar. Essa vegetação não pode ser desmatada, e se o for, deve ser restaurada.
As APPs incluem ainda topos de morros e rampas de elevada declividade, onde a substituição da floresta por cultivos também não pode acontecer.
Existem ainda muitos outros preceitos, de menor estatura normativa, que impõem uma série de condições sobre a atividade rural.
A regulação estatal limita a atividade rural, dificultando que os produtores façam o que a sociedade espera que façam: produzir alguma coisa.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).