domingo, 23 de fevereiro de 2014

Falta planejamento na Amazônia? Óbvio que não.

* Ecio Rodrigues

Aqui no Brasil, nunca se falou tanto em planejamento de políticas públicas, tampouco se discutiram e elaboraram tantos planos, como nos últimos 25 anos. Parece que, com o fim da ditadura militar, o desejo de tomar parte nas decisões sobre os assuntos que antes não podiam ser discutidos foi traduzido, pela sociedade, na necessidade de se planejar a qualquer custo.
Assim, sem necessariamente entenderem do assunto, representantes de organizações da sociedade civil se viram participando do planejamento de ações de política pública direcionadas para um conjunto diversificado de temas e setores.
Para dar uma ideia ligeira do quão grande era a vontade de planejar, diga-se que, apenas com relação à Amazônia e restringindo-se tão somente à área ambiental, pelo menos 12 procedimentos de planejamento foram concluídos só nos últimos dez anos.
Dos planejamentos mais sofisticados, como o Zoneamento Ecológico Econômico, aos mais simples – como talvez seja o caso do Plano de Resíduos Sólidos –, outros 10 planos foram elaborados para a região: Plano de Saneamento Básico; Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável; Plano de Recursos Hídricos; Agenda 21; Plano de Gestão de Risco e Respostas a Desastres; Plano de Conservação e Recuperação de Nascentes e Matas Ciliares; Plano de Gestão Integrada da Orla; Plano de Habitação; Plano de Mobilidade Urbana e Plano Diretor Participativo.
São tantas as implicações oriundas das diretrizes previstas nesses 12 planos, que poucos gestores conseguem distinguir até onde vai um plano e onde começa o outro. Dessa forma, chegou-se ao cúmulo de se contratarem consultores para unificá-los.
Mas, diante da nossa dificuldade em executar o que foi planejado, o que acontece é que, independentemente do tempo e do dinheiro gastos em todo o procedimento, o resultado não é levado a efeito, e as metas e objetivos são simplesmente esquecidos. No final das contas, é como se o processo de planejamento tivesse um fim em si mesmo, e os documentos ali originados, que deveriam ser sucintos e objetivos, são em geral extensos e pedantes, impossíveis de ser postos em prática; acabam servindo apenas para cobrir as estantes dos órgãos públicos.
Duas constatações podem surgir dessa vontade de planejar e da dificuldade de consumar o que se planeja. A primeira é que não existe cultura de planejamento no país. Já a segunda constatação, mais complexa, diz respeito à competência para planejar. Parece existir uma carência generalizada de profissionais com formação e experiência para conduzir processos de planejamento. Por isso, em regra os planejamentos não levam a lugar nenhum.
No âmbito ambiental, o caso das reservas extrativistas é sintomático. Nos termos dispostos na legislação ambiental, para que a reserva extrativista, após sua criação, venha a ser gerenciada pelo órgão responsável, o ICMBio, é mandatória a elaboração de um Plano de Manejo da Unidade, um documento de planejamento que prescreve, entre outros elementos, o zoneamento produtivo da reserva.
Depois, para que o produtor possa explorar qualquer produto florestal (a madeira, por exemplo), é necessário um Plano de Manejo específico para aquela atividade produtiva – que deve ser licenciada pelo órgão ambiental competente. Além disso, ambos os planos devem estar de acordo com o Plano de Utilização da Reserva Extrativista. Parece até brincadeira!
A despeito de todos esses planos, contudo, o fato é que, até hoje, passados mais de vinte anos da criação da primeira reserva extrativista, nenhuma – nenhuma! – funciona como deveria. Conforme demonstrado na auditoria realizada pelo TCU em 2013, nenhuma das reservas extrativistas criadas no país atinge os objetivos que justificaram o investimento público na sua instalação.
O excesso de planos e o seu pífio resultado não deixam dúvidas de que a Era de Planejar passou. Temos que, urgentemente, chegar à Era de Executar.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cheias no Acre, tragédia ou fartura?

* Ecio Rodrigues

Embora a imprensa, sempre despreparada e acreditando na máxima de que notícias ruins vendem mais, insista em tratar as cheias do rio Acre e de outros rios na Amazônia como grandes calamidades locais, na verdade, o aumento de vazão das águas faz parte do ciclo hidrológico, sendo importante para o equilíbrio dos rios. Ou seja: a notícia é boa.
Não se olvida que algumas centenas e até milhares de pessoas possam ficar desabrigadas no período das cheias, nem tampouco que possa haver perda de patrimônio. Todavia, se não nos deixarmos levar pelo clamor das emoções, veremos que se existe calamidade, a causa não está no rio, mas nas ações humanas.
Estudiosos sobre o comportamento hidrológico dos rios na Amazônia têm alertado para o aumento do nível médio de vazão desses cursos d’água. Significa afirmar que a estabilidade da vazão dos rios ocorrerá num nível mais elevado, levando as cheias anuais para cotas de transbordamento mais altas.
Por conseguinte, as águas dos rios ocuparão áreas maiores, atingindo cada vez mais as edificações localizadas nas regiões que podem ser consideradas “de várzea”, onde o planejamento urbano deveria evitar a ocupação.
Note-se que a palavra alagação, aqui, é propositadamente evitada, e não por questões de estilo. Existe uma importante diferença conceitual entre alagação e cheia que precisa ser esclarecida e assimilada, de modo que os rios amazônicos, mananciais de vida e imprescindíveis às cidades, não se tornem verdadeiros “vilões” urbanos.
As cheias são eventos anuais e permanentes; não podem ser consideradas catástrofes, pois integram o ciclo hidrológico dos rios. Assim, devem ter suas consequências previstas no planejamento urbano.
Não significa dizer, porém, que não ocorrerão alagações. Eventos extremos, daqueles que aconteciam a cada 10 anos, devem continuar a sobrevir em intervalos menores e com maior intensidade, em face da crise ecológica oriunda das mudanças no clima em todo o planeta.
Para concluir: a alagação se configura um evento extremo, que deve ser tratado no âmbito da defesa civil. As cheias, por sua vez, são assunto de planejamento urbano, pois vão acontecer todos os anos; e, diante do aumento do nível médio de vazão dos rios, a tendência é que alcancem perímetros cada vez maiores.
Sendo assim, é certo que não pode haver ocupação humana nas áreas de escape do rio – ou seja, nos limites inevitavelmente atingidos pelas cheias; as habitações situadas em locais impróprios devem ser removidas, de forma a evitar-se que as cheias anuais atinjam pessoas.
Sem embargo, parece existir uma espécie de pacto entre as famílias que vivem nas áreas afetadas pelas águas nas cheias anuais e as autoridades públicas - pacto esse, diga-se, que é endossado pela mídia e pela sociedade em geral -, e que transforma o atendimento aos atingidos em ações de assistencialismo, voltadas para angariar votos.
Um caminho perigoso; tal qual ocorre com o caso da seca no Nordeste, o problema passa a ser tratado como trunfo político. Esse caminho, como a experiência nordestina demonstra, nada resolve, e a associação promíscua entre o atingido e a providencial assistência pública é mantida indefinidamente.
A solução, óbvia, é a implementação de políticas públicas, a fim de que as áreas anualmente cobertas pelas cheias sejam reservadas para esse fim, promovendo-se a sua total desocupação.
As cheias prenunciam fartura e fertilidade, por isso sempre foram festejadas pela humanidade. Tragédia mesmo é a seca.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Universidades federais não entendem o Sisu

* Ecio Rodrigues

Envolvidas na esquematização de regras para a diferenciação dos cotistas, que somados alcançam a expressiva e preocupante cifra de 50% das vagas oferecidas, as universidades federais que aderiram ao Sisu não conseguem entender o funcionamento do sistema e perdem de vista seu principal objetivo: evitar a sobra de vagas.
Um dilema antigo esse. Por um lado, a quantidade de vagas ofertadas pelas universidades federais é inexpressiva diante da gigantesca procura, não chegando, possivelmente, a 10% da demanda (faltam as estatísticas do Inep para um número mais confiável); por outro, essa quantidade de vagas não é totalmente preenchida, o que onera sensivelmente o ensino superior público e gratuito.
As razões para a sobra de vagas ou para a existência de vagas ociosas – quando há uma demanda assustadora pelo ensino gratuito e de boa qualidade ofertado pelas universidades federais – são diversas, mas podem ser agrupadas em um único item: dificuldade crônica de gerenciamento.
A superação desse obstáculo recorrente da ausência de capacidade administrativa, no que se refere à eliminação das vagas ociosas, foi o que levou o Ministério da Educação a transformar o Exame Nacional de Ensino Médio, o Enem, no principal instrumento para a obtenção de uma vaga nas universidades federais e a investir na criação de um sistema informatizado, a fim de possibilitar ao aluno a escolha do curso e da universidade, de acordo com a sua nota no Enem.
Por meio desse sistema, o chamado Sisu, a demanda e a oferta seriam unificadas, de forma a evitar-se a ocorrência de vagas ociosas nas universidades federais. Essa era a ideia.
O Sisu se mostrou eficiente, e o Enem vem se consolidando como instrumento efetivo de seleção dos alunos, encerrando o longo ciclo dos vestibulares (que não deixou saudades), quando praticamente cada uma das 56 universidades federais realizava seu próprio concurso anual, sob um custo inadmissível para o país.
A despeito disso, contudo, as mesmas vagas ociosas continuam ociosas, ou aumentaram de quantidade, ou, o que é bem pior, são preenchidas por processos de seleção questionáveis, que ocorrem por fora do sistema Enem/Sisu.
Para esclarecer melhor: o Sisu funciona com duas chamadas, nas quais os candidatos escolhem o curso e a universidade, com a obrigação de comparecer para efetivar a matrícula. Se o candidato não comparece à matricula, uma nova chamada é publicada, para preenchimento das vagas dos faltosos. Se continuarem sobrando vagas, cada universidade segue convocando os inscritos em sua respectiva lista de espera. A lista de espera é composta pelos candidatos que não alcançaram as notas de corte na primeira e na segunda chamada.
As universidades possuem a obrigação de realizar quantas chamadas forem necessárias para completar a oferta de vagas. Todavia, como o procedimento entre a publicação da lista dos convocados para matrícula e o encerramento do prazo de matrícula leva em média 15 dias, geralmente as universidades só conseguem chegar a umas 10 chamadas, antes do início do semestre. A partir daí, a vaga continuará ociosa.
Há ainda um outro problema. Ocorre de o candidato garantir sua vaga com a matrícula, mas não comparecer para fazer o curso. É Provável que ele fique esperando o resultado de outra universidade ou que pretenda tentar novamente o Sisu.
Esse conjunto de vagas que sobram mesmo depois que o aluno faz a matrícula (já que ele não faz o curso), e que as universidades chamam de “vagas residuais”, costumam ser preenchidas da pior forma: sem processo de seleção, ou sob seleção precária. Com o Sisu, a quantidade de vagas residuais cresceu de forma assustadora.
Encontrar soluções para o aprimoramento do sistema Enem/Sisu: essa meta deveria mobilizar o MEC e as universidades, mas, infelizmente não é o que acontece.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Em defesa da Resolução 457 do Conama

* Ecio Rodrigues

No final de 2013, ano em que os ideais de sustentabilidade ficaram mais difíceis de ser alcançados na Amazônia (sobretudo em face da ampliação da taxa de desmatamento), entrou em vigor, depois de cumprido o prazo preparatório, a Resolução 457, do Conama, que regulamenta a Lei 9.605/98 no que se refere ao espinhoso tema da destinação e guarda dos animais silvestres apreendidos pela fiscalização estatal.
A aprovação dessa resolução e sua efetiva vigência deveria ser algo a ser comemorado, mas não foi o que aconteceu. As dez organizações da sociedade civil que representam, perante o Conama, o movimento ambientalista das cinco regiões geográficas do país se viram encurraladas diante das equivocadas críticas que lhes foram disparadas. E aí, duas constatações podem ser feitas.
A primeira diz respeito à costumeira ausência de disciplina democrática tupiniquim, já que parece normal pôr em dúvida deliberações aprovadas por colegiados eleitos para tal fim. Vale dizer, é preferível optar pelo simplório caminho do questionamento da legitimidade dos representantes eleitos, do que se envolver nas discussões que culminam na aprovação ou rejeição das propostas.
Já a segunda constatação diz respeito à dificuldade que temos, que deve ser mesmo cultural, em avaliar um quesito crucial às normas – sua exequibilidade. É que a Resolução 457 tenta fornecer alguma condição operacional à Lei 9.605/98, norma que se mostrou, ao ser confrontada com apontadores e estatísticas, mais um daqueles casos de mandamento inexequível e ineficiente.
Para entender melhor: em fevereiro de 1998, os ambientalistas festejaram o advento de uma legislação rigorosa (considerada uma das mais severas do mundo), dispondo sobre a punição de infrações ambientais. A expectativa era a de que a Lei 9.605/98 seria uma verdadeira panaceia, o remédio para a cura de todos os males na área ambiental
Em seu artigo 25, a legislação que criminalizou quase tudo estabeleceu que os animais silvestres apreendidos em ações de fiscalização deveriam ser “libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados”.
Como são raros os casos em que zoológicos se dispõem a aceitar tal incumbência, e como as ditas “entidades assemelhadas” simplesmente não existem (ainda mais contando com os serviços do aludido profissional habilitado), a única saída passou a ser a devolução do animal ao meio ambiente – algo igualmente complexo, que deixava os policiais e bombeiros sem saber como proceder. Assim, uma longa fila de espera acabou se formando, e os bichos confiscados se transformaram num grande transtorno.
Passaram-se quase 15 anos sem que se atentasse para o óbvio: esse tipo de destinação não estava dando certo. O resultado, outra vez óbvio, é que os objetivos da norma, ou seja, a salvaguarda dos animais, estavam longe de ser cumpridos.
Foi nesse mato sem cachorro (com o perdão do trocadilho) que o Conama teve a ousadia de intervir, reconhecendo que, num país onde faltam hospitais, a edificação de centros de tratamento para animais silvestres apreendidos, como reivindicam os ambientalistas ortodoxos, não poderia ser uma prioridade. Assim, após um longo período de estudos e debates em torno da questão, foi aprovada a Resolução 457, que permite que particulares interessados se habilitem para a adoção dos animais apreendidos.
A normativa, é certo, não irá resolver o problema, mas possibilitara que novos procedimentos sejam testados e avaliados no futuro. Ainda está contaminada por precauções inúteis e exageros burocráticos que deverão vir a ser eliminados, como a exigência de Anotação de Responsabilidade Técnica, a questionável ART, que não serve para muita coisa, mas atrapalha bastante.
A fauna silvestre, em especial a amazônica, é tratada pelas normas sob alto grau de insensatez. Bom senso, esse o principal mérito da Resolução 457.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).