segunda-feira, 26 de maio de 2014

Para TCU, a gestão das unidades de conservação na Amazônia é um fracasso

* Ecio Rodrigues

Em auditoria realizada em 2013, cujo relatório final foi aprovado em dezembro último, o Tribunal de Constas da União, TCU, órgão superior de fiscalização, concluiu que a gestão das unidades de conservação na Amazônia é precária e que – pasme-se! – a ampla maioria das áreas não se presta para os fins que justificaram o investimento público na sua criação.
Um resultado chocante, embora poucos considerem relevante. As conclusões do TCU assustam principalmente por duas razões. Primeiro, porque decorrem de uma auditoria técnica – uma iniciativa muito louvável, por sinal –, que visa não a velha e rotineira caça aos corruptos, mas, sim, identificar fragilidades na administração estatal. A caça, nesse caso, tem como foco a incompetência na gestão pública.
A segunda razão é que a criação de unidades de conservação, sobretudo na Amazônia, se configura na mais importante ação voltada para a manutenção do ecossistema florestal. Por conta disso, aliás, o Brasil recebe vultosos recursos do apoio internacional; trata-se de dinheiro dado, ou melhor, doado, destinado à instalação e consolidação dessas áreas.
Existe, inclusive, no âmbito federal, um projeto chamado Arpa (sigla sofrível para Áreas Protegidas da Amazônia), voltado justamente para canalizar parte desses recursos oriundos da cooperação internacional, a fim de aplicá-los nas unidades de conservação.
Ora, se dinheiro não é, e nunca foi, um problema, onde está o gargalo que impede que as unidades de conservação da Amazônia suscitem benefícios econômicos, sociais e ecológicos para a sociedade? A resposta do TCU é clara: o gargalo – insuperável, diga-se – está na gestão, no gerenciamento, ou, simplesmente, na administração dessas áreas.
O quadro não poderia ser mais desanimador. De acordo com uma ferramenta de avaliação de gestão, o denominado Índice de Implementação e de Gestão das Áreas Protegidas (ou Indimapa), das 247 unidades de conservação presentes na Amazônia, apenas 4% possuem uma gestão eficiente e estão efetivamente implantadas.
Significa que uma expressiva área de um milhão e cem mil quilômetros quadrados, equivalente a mais de 20% do território amazônico, se encontra ociosa ou subutilizada, sem apresentar nenhum tipo de retorno econômico ou ecológico.
Mas, por deficiências de gestão, como apontado pelo TCU, entende-se o que, exatamente? É simples. Para os que não estão habituados com a temática ambiental, esclareça-se que a responsabilidade pela implantação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc, é do Ministério do Meio Ambiente, MMA – que, provavelmente, é o órgão do primeiro escalão do governo federal com os piores indicadores operacionais.
Já a gestão das unidades de conservação instituídas no âmbito do governo federal compete ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ICMBio, criado em 2007, e que provavelmente, se inclui entre os órgãos federais de segundo escalão que apresentam os piores indicadores operacionais.
Se nenhum dos órgãos superiores aos quais a unidade se vincula consegue desenvolver e valorizar sistemas de gestão eficientes, certamente que não será uma reserva extrativista isolada no Acre, por exemplo, que terá condições de seguir um modelo administrativo eficiente. Os entraves operacionais, ou deficiências graves de gestão (como afirmado pelo TCU) chegam às unidades de conservação até por osmose.
Faltam técnicos ao ICMBio, mas esse não é o problema. O anacronismo começa pelos concursos para ingresso na equipe técnica, dirigidos a qualquer profissional com nível superior, e termina com a missão do órgão, que se pauta não por um fim específico e determinado como a gestão e funcionamento das unidades de conservação, mas, sim, por algo genérico e indefinido como a conservação da biodiversidade.
A alteração desse quadro terminal, concernente ao gerenciamento das unidades de conservação, deveria ser uma prioridade para todos os governos. Mas a verdade é que ninguém se importa.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Enfim, o Cadastro Ambiental Rural

* Ecio Rodrigues

O que levou o governo federal a esperar dois anos para publicar o decreto que regulamenta o Código Florestal é algo difícil de saber. As defensivas oficiais dão conta da existência de um complexo processo de negociação entre os representantes do agronegócio e das organizações ambientalistas. Mas o que, precisamente, foi objeto de negociação não é esclarecido por ninguém.
Para entender melhor. Em 25 de maio de 2012, a Presidência da República sancionou a Lei 12.651, que instituiu o que se chamou de novo Código Florestal, alterando de maneira significativa o segundo Código Florestal brasileiro, que vigorava desde sua aprovação em 1965 (o primeiro Código Florestal data de 1934).
O processo de discussão e aprovação do Código Florestal, além de ter levado mais de seis anos, foi marcado por grande dificuldade de compreensão (por parte dos parlamentares) quanto às condicionantes técnicas que dizem respeito aos temas mais controversos – por exemplo, as formações florestais e sua relação com a água.
Essas dificuldades, associadas à vontade de agradar aos atores vinculados ao agronegócio, acarretaram inúmeros descompassos entre o Senado, a Câmara dos Deputados e o Executivo.
Simplificando: os deputados aprovaram uma proposta que agradava ao agronegócio e punha em risco porção significativa de florestas, localizadas sobretudo na mata ciliar dos rios. Os senadores, tentando por sua vez atender os ambientalistas, minoraram o risco de supressão de florestas; por fim, a Presidência decidiu pela aprovação de uma terceira proposta, mais próxima à dos senadores e atribuindo tratamento diferenciado à agricultura familiar.
As questões polêmicas se referiam à manutenção da porção de reserva legal nas propriedades e à definição da largura da faixa de mata ciliar que deveria ser mantida ao longo dos cursos d’água.
Todavia, quanto a essas questões, mesmo após a aprovação do Código, seria necessário a edição de um decreto, a fim de regulamentar a matéria. Essa norma regulamentadora só agora foi promulgada. Trata-se do Decreto 8.235, publicado em 5 de maio de 2014 – e que, para esmiuçar tópicos como a recomposição da vegetação retirada da margem dos rios, instituiu o Cadastro Ambiental Rural, o Programa de Regularização Ambiental e o Programa Mais Ambiente Brasil.
Com a criação do Cadastro Ambiental, os proprietários rurais poderão, a partir de agora, mediante o cumprimento de um rol de condições, inserir dados de georeferenciamento de suas terras (como a localização da reserva legal e da faixa de mata ciliar) num sistema informatizado – o Sicar. Esse cadastramento regulariza a propriedade perante a legislação ambiental e, dessa forma, o produtor se habilita a acessar o sistema oficial de crédito.
Por sua vez, o Programa de Regularização se volta para os estados. Por meio desse programa, os estados podem assessorar o cadastramento das propriedades no Sicar, depois que as regras para recuperação, recomposição, regeneração ou compensação da mata ciliar são definidas e negociadas.
Finalmente, o Programa Mais Ambiente Brasil se destina a apoiar todo o processo de regularização das propriedades rurais, mediante a promoção de uma série de ações – tais como assistência técnica, extensão rural, produção de sementes e mudas de espécies nativas da mata ciliar, e capacitação de gestores na área ambiental.
O advento do Decreto 8.235/2014 é motivo de comemoração, já que, finalmente, se conferiu efetividade a uma parte importante do Código Florestal. Mas não se justificam dois anos de atraso.
Além de tardia, a publicação do decreto neste momento reforça a tese de que a gestão pública caminha seguindo o rastro do calendário eleitoral. Lamentável.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Florestas na Amazônia e mudanças no clima

* Ecio Rodrigues

Embora muitos discordem, duas constatações podem ser retiradas dos recentes episódios envolvendo a alagação no rio Madeira, as cheias no rio Acre e a seca no rio Negro: a primeira é que os eventos climáticos extremos ocorrem com frequência cada vez mais maior; a segunda, que a responsabilidade é nossa.
Esta segunda constatação, por sinal, causou polêmica em 2007, quando foi publicado o relatório elaborado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), dando conta que o aquecimento do planeta é uma verdade científica, sendo causado por um conjunto de gases presentes na atmosfera, principalmente o dióxido de carbono (CO2).
A relevância do carbono está associada ao tempo de permanência, já que esse gás pode ficar imobilizado na atmosfera por um período de até cem anos, antes de ser devolvido à natureza.
A determinação da procedência do carbono lançado na atmosfera exigiu o esforço de muitos cientistas nos últimos 20 anos. Chegou-se à conclusão (e isso também é uma verdade científica) de que a maior parte provém de apenas duas fontes: da fumaça dos motores movidos a combustão e do desmatamento das florestas.
Significa afirmar que a fumaça expelida pelos automóveis, pelas indústrias e pelos motores que movem os geradores das usinas termoelétricas a diesel, bem como os gases desprendidos das árvores quando cada hectare de floresta é transformado em pastagem na Amazônia são as principais fontes do carbono que causa o efeito estufa, o aquecimento do planeta e as mudanças no clima.
A adoção de medidas no intuito de se restringirem a produção de carbono tornou-se uma prioridade. Os países associados ao sistema das Nações Unidas se reuniram num esforço planetário para encontrar fontes alternativas de energia elétrica e reduzir a zero o desmatamento das florestas em todo o mundo, sobretudo na Amazônia.
Existe relativo consenso no sentido de que a humanidade levará ainda muito tempo para chegar a uma transformação radical nas formas de geração de energia elétrica. Um tempo precioso e talvez longo demais.
Para os países que têm a possibilidade de dispor da força das águas e que tomaram a acertada decisão de investir na construção de hidrelétricas, essa transformação será mais fácil. E embora esses países sejam minoria, o Brasil, felizmente, é um deles.
Por outro lado, a meta de zerar o desmatamento nas florestas nativas é menos ambiciosa e mais factível. Obviamente que, em última análise, a decisão é sempre política, e depende dos países que ainda possuem porções de florestas em seus territórios.
No entanto, a decisão (também política) pela criação de um fundo internacional, com o fito de custear a manutenção das florestas, já foi tomada pela maioria das nações. Algumas, como é o caso da Noruega, têm realizado doações consideráveis para o Fundo Amazônia brasileiro, com o propósito único de se frear o processo de desmatamento na maior floresta tropical do mundo.
Esse movimento internacional contrário ao desmatamento sugere, no mínimo, a seguinte questão: não havendo dúvida científica quanto ao processo de aquecimento do planeta e quanto ao fato de que a elevação da temperatura causará mudanças sensíveis no clima, trazendo como consequência a ocorrência cada vez mais frequente de alagações e secas extremas, resta a nós, amazônidas, discutir a melhor maneira de minimizar os efeitos do aquecimento global sobre o ecossistema florestal.
A relação entre a existência ou não de florestas e o risco de mudança ou não no clima é uma verdade científica. Melhor decidir pela floresta.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Desmatamento nos Andes: principal causa da alagação no Madeira

* Ecio Rodrigues

Passados os aperreios decorrentes da histórica alagação do rio Madeira, em Rondônia, é chegado o momento de uma discussão aberta, sobretudo para que duas perguntas cruciais sejam respondidas: há risco de a alagação se repetir no próximo inverno amazônico? E qual ou quais foram as causas do evento?
Com relação à primeira pergunta, os prognósticos elaborados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) apontam a recorrência cada vez maior de eventos climáticos extremos.
Se, como afirmam os responsáveis pelas medições no Madeira, foi a maior alagação ocorrida em cem anos, a tendência é de recorrência – ou seja, a alagação pode acontecer novamente e em intervalos menores. O exemplo do rio Acre talvez seja bem ilustrativo, já que, pelo menos nos últimos quatro anos, a vazão desse rio ultrapassou a cota de transbordamento.
Sem embargo, a se levar pelos que preferem não acreditar nos mais de 3.000 cientistas que trabalham para o IPCC, não há o que prevenir – mas apenas, como sempre se fez, esperar a próxima estação das cheias.
Quanto à segunda questão, diga-se que, ainda que se trate de uma resposta bem mais complexa, no momento em que a calamidade acontecia, o exercício de apontar a causa se transformou em prato cheio para os insatisfeitos de toda hora.
Todos os que, por alguma razão obscura e pouco defensável, são contra o uso da força das águas para gerar energia elétrica, ou simplesmente odeiam as hidrelétricas, aproveitaram o ensejo para engrossar o coro das acusações contra as usinas de Jirau e Santo Antônio. Encontraram espaço na mídia e puderam contar com a inusitada coincidência de a alagação ocorrer no ano inicial da geração de energia. A conclusão óbvia e fácil de argumentar é que “antes das barragens, o Madeira não inundava”.
Não atentando para o ingrediente de politicagem inferior – uma vez que a condenação das hidrelétricas do rio Madeira e de Belo Monte passou a ter como propósito, em certa medida, afetar a credibilidade do Governo Federal –, os detratores das usinas esquecem algo importantíssimo: a água que inunda o rio Madeira vem da Bolívia e do Peru.
Como afirmou, em artigo recente, o professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Marc Dourojeanni, a lei da gravidade impede que as barragens das hidrelétricas sejam responsabilizadas pela alagação. Não há como reverter o curso da água que antes havia inundado algumas cidades da Bolívia.
O professor Dourojeanni põe o dedo na ferida ao afirmar que a causa principal da alagação, além daquelas relacionadas à crise ecológica originada pelo aquecimento do planeta, está no desmatamento dos Andes ocorrido em território boliviano e peruano.
Numa visita a Cusco, é possível visualizar o dano ambiental que a mineração (de ouro e outros minérios) e o desmatamento (para pecuária e plantio de grãos) estão acarretando nas montanhas cortadas pela estrada que liga o Peru ao Brasil.
Na Bolívia é a mesma coisa. As montanhas ao redor do lago Titicaca e que ligam Copacabana a La Paz foram desmatadas para abrigar uma produção agrícola sofrível e bem diferente daquela praticada pelos antepassados incas.
Além de relativamente simples, a análise que leva à conclusão de que o desmatamento dos Andes é uma das principais causas da alagação é velha conhecida dos técnicos (em especial dos engenheiros florestais) que atuam na região. Sem a cobertura das florestas, o solo exposto não permite a infiltração das águas, que escorrem com facilidade morro abaixo. Como a altitude é elevada, o estrago é grande.
O reflorestamento dos Andes exigirá muito dinheiro, mas é prioridade. Às três nações – Brasil, Bolívia e Peru – resta tomar uma atitude. Antes da próxima alagação.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

VIII Semana Florestal do Acre

Florestas sob um novo clima





Embora alguns discordem, duas constatações podem ser facilmente observadas sobre os eventos extremos e recentes da alagação no rio Madeira e das cheias no rio Acre: o clima está mudando e a culpa é nossa.
Por sinal, essa constatação causou polêmica em 2007 quando foi publicado o relatório da ONU elaborado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC da sigla em inglês, no qual a principal conclusão era de que o aquecimento do planeta era uma verdade científica.
Mais que isso, que esse aquecimento era causado pelo acúmulo na atmosfera de monóxido de carbono, oriundo, por exemplo, da fumaça que sai da descarga dos automóveis e do desmatamento das florestas na Amazônia.
Não havendo dúvida científica quanto ao processo de aquecimento e de que a elevação da temperatura do planeta causará mudanças sensíveis no clima, o que, por sua vez, trará como uma das consequências a ocorrência cada vez maior de alagações e secas extremas na Amazônia, restaria aos amazônidas, em especial os cientistas e técnicos, uma saída: discutir a melhor maneira de minimizar os efeitos do aquecimento global sobre o ecossistema florestal da Amazônia.
É exatamente isso que pretendem os envolvidos com o setor florestal no Acre, durante a realização da VIII Semana Florestal.
Em sua oitava edição as semanas florestais, que acontecem na Universidade Federal do Acre e são organizadas pelos acadêmicos da Engenharia Florestal, se consolidou como evento anual prioritário para os que se preocupam com o futuro da maior floresta tropical do planeta.
Com o sugestivo slogan: Floresta sob um novo clima; os participantes poderão discutir o papel do ecossistema florestal na Amazônia como provedor do serviço ambiental de equilibrar o clima.
Um serviço que será cada vez mais cobiçado em um futuro próximo.
De 13 a 16 de maio de 2014 na Ufac.
Todos lá.


Equipe do Centro Acadêmico de Engenharia Florestal