segunda-feira, 20 de abril de 2015

Reservas Extrativistas Chico Mendes e Alto Juruá completam 25 anos

* Ecio Rodrigues

A década de 1990 foi bastante agitada na Amazônia, e é possível que o Acre tenha sido o que os historiadores chamam de “epicentro” dessa agitação.
Depois da comoção causada pelo assassinato de Chico Mendes, ocorrido em 1988, nos anos seguintes o Acre acompanharia a repercussão dessa tragédia na cobertura midiática do julgamento, na quantidade de estrangeiros que aterrissaram no aeroporto de Rio Branco, no expressivo apoio técnico, moral e financeiro recebido pelos seringueiros e nas atenções mundiais, enfim, ineditamente voltadas para a floresta.
Difícil ocorrer, num intervalo de uma década, uma transformação social e econômica tão profunda como a que teve lugar no Acre dos anos noventa. Essa transformação, por seu turno, possibilitou uma mudança significativa no rumo do processo de ocupação levado a efeito no estado – que vinha sendo orientado, essencialmente, para a pecuária.
Atualmente, em 15% do território estadual a floresta foi substituída por cultivos de capim e cana-de-açúcar (citando apenas as comodities mais importantes). Essa proporção poderia chegar no mínimo a 50% sem a alteração ocorrida na estrutura fundiária do estado.
A destinação de uma enorme superfície de terras cobertas por florestas ao uso dos seringueiros – na forma de projetos de assentamentos extrativistas inseridos no Programa de Reforma Agrária e geridos pelo Incra; ou na forma de Reservas Extrativistas incluídas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação e gerenciadas pelo Ibama e depois pelo ICMBio – pode ser considerada a iniciativa mais incisiva em direção a um modelo alternativo de ocupação produtiva que fizesse frente à hegemonia da pecuária.
Mais de um milhão e meio de hectares foram, rapidamente, ainda em 1990, transformados nas Reservas Extrativistas Chico Mendes e Alto Juruá.
Na celebração dos 25 anos de surgimento desse instituto inovador, cabe uma reflexão quanto aos resultados trazidos pelas Reservas Extrativistas. A primeira questão a ser respondida diz respeito, obviamente, à relação custo/benefício: o alto investimento realizado pela sociedade brasileira ao desapropriar extensas áreas territoriais e entregar o seu usufruto aos extrativistas foi compensatório?
A resposta é inequivocamente positiva – ainda que seja difícil precificar os retornos obtidos em termos de desmatamento evitado (é muito complexa a tarefa de pressupor como seria o Acre com mais de três milhões de hectares desmatados). Se fosse possível fazer uma comparação, pode-se dizer que durante esses 25 anos os recursos aplicados na criação de Reservas Extrativistas trouxeram muito mais retorno para a sociedade do que o (vultoso) investimento realizado, por exemplo, na pecuária.
Por outro lado, quando se trata de avaliar a contribuição econômica dessa quantidade de florestas destinadas às Reservas Extrativistas, aí são outros quinhentos.
O problema é que a criação de uma Reserva Extrativista tem como objetivo primordial o emprego da tecnologia do manejo comunitário para a produção florestal – o que inclui a exploração de madeira, de animais silvestres (papagaio, paca, queixada, capivara...) e de sementes, para ficar nos exemplos mais rentáveis. Mas essa exploração não acontece hoje, e não há sequer expectativa de que poderá acontecer no futuro.
Sem a alternativa do manejo florestal comunitário, sem conseguir superar as resistências e preconceitos com a produção florestal na Amazônia, as Reservas Extrativistas não fornecem resultado econômico. Os extrativistas continuam a depender da borracha (um produto praticamente extinto no mercado) e da castanha-do-brasil (produto que, embora valioso, não garante sozinho renda florestal relevante).
Passados 25 anos, as Reservas Extrativistas se encontram no limite do retorno social decorrente do desmatamento evitado. Quanto à produção florestal, pode esquecer!


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Resistência pública e resiliência dos rios

* Ecio Rodrigues

Como tudo na vida, a alagação e a seca que atingem os rios na Amazônia têm causa e consequência. Para resolver o problema de maneira definitiva, sem paliativos, as ações de política pública devem ser direcionadas no sentido de abolir as causas e de tornar as consequências aceitáveis para a sociedade.
Para além da assistência prestada aos atingidos pelas alagações, e das medidas de racionamento adotadas em função da seca, a atuação da gestão pública deve pautar-se por dois tópicos bem demarcados: resistência pública e resiliência dos rios.
A resiliência dos rios, vale dizer, sua capacidade de reagir às flutuações extremas de vazão, está no cerne da questão: a ampliação dessa resiliência é a saída para restabelecer o equilíbrio hidrológico dos cursos d’água, atacando-se o problema pela causa.
É preciso ter em conta, por outro lado, que, quando se trata do desequilíbrio hidrológico dos rios e da alteração drástica do regime pluviométrico – fatores que explicam tanto a seca nas represas do Sudeste quanto a alagação nos rios do Acre –, é necessário um intervalo de tempo relativamente elástico para solucionarem-se as causas. Nesse período, a população terá que conviver com algum tipo de transtorno – e é aí que entram as ações de resistência pública.
O passo inicial e decisivo para a resistência pública é o reconhecimento de que eventos extremos, como as alagações e sobretudo as secas, deixaram de ser sazonais – ou seja, já não obedecem a interstícios de ocorrência de 10 anos ou mais. Esses eventos, desde pelo menos os últimos cinco anos, têm incidência anual, já não podem causar espanto; ninguém pode alegar, tampouco, que foi pego “desprevenido”.
Com o fim da estação das chuvas e a aproximação da temporada de seca, que vai de junho setembro, o planejamento das ações de resistência pública, no caso do rio Acre, deve ser realizado sob a perspectiva de que, da mesma forma que a alagação foi recorde em 2015, a seca também poderá ser extrema.
É necessário levar a cabo, portanto, medidas imediatas – no propósito, entre outros, de promover a desocupação dos terrenos alagadiços; de efetuar a urbanização dessas terras para o fim de convertê-las em áreas verdes; de fomentar a arborização urbana, melhorando os indicadores que medem o número de árvores por habitante.
O planejamento da resistência pública envolve ainda o monitoramento permanente das condições de pluviosidade, de modo a se obter um conjunto de dados cada vez mais precisos. Para tanto, é indispensável o investimento na aquisição de equipamentos e na contratação de técnicos e especialistas.
Mas o maior desafio da gestão pública está mesmo no embate para resolver as causas do desequilíbrio hidrológico dos rios, por meio da ampliação de sua resiliência.
Nesse quesito, a providência primeira diz respeito ao alargamento do calado, com a retirada e dragagem do material acumulado no leito ou no fundo do rio. O período de seca é a época ideal para esse tipo de medida – que, sabe-se lá por que cargas d’água (com o perdão do trocadilho), nunca chegou a ser efetivada.
A etapa seguinte envolve a restauração florestal da mata ciliar. Sem embargo das dificuldades políticas que resultaram nas abstrusas definições contidas no Código Florestal a respeito da largura mínima da faixa de mata ciliar, parece ser consenso no meio científico de que essa “largura legal” perdeu a validade.
Será necessário calcular uma “largura técnica”, isto é, a largura ideal que a faixa de mata ciliar deverá ter em cada município situado ao longo da bacia do rio Acre, a fim de ofertar, com maior eficiência, o serviço de equilíbrio hidrológico do rio. Uma nova negociação política, mais sóbria, se faz urgente.
Por fim, não se pode esquecer: queimadas nunca mais! É melhor aproveitar o ensejo para banir de vez essa prática nefasta.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

sábado, 11 de abril de 2015

Defesa de Monografia "METODOLOGIA DE INVENTÁRIO FLORESTAL EM MATA CILIAR DE IGARAPÉS NO ACRE"

Olá, leitores. Hoje trago mais uma monografia defendida na UFAC. Semelhante a minha monografia, o acadêmico Timóteo Paladino dissertou sobre Metodologias de Inventário Florestal em Matas Ciliares no Acre, porém com foco em igarapés no Estado do Acre. A seguir, é possível fazer a leitura da monografia do Timóteo. Boa leitura!!!
Defesa da monografia do Acadêmico Timóteo Paladino. Na foto: Timóteo e sua banca examinadora.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ampliar a resiliência dos rios é o caminho

* Ecio Rodrigues

Diante das novas características do clima (embora muitos não acreditem, é fato que o clima não é o mesmo), com conseqüências drásticas no regime de chuvas (é fato que a distribuição das chuvas não é a mesma), e, por conseguinte, na vazão dos rios (é fato que a vazão dos rios não é a mesma), parece razoável discutir as novas atribuições que se impõem às administrações públicas.
As estatísticas demonstram, com elevado grau de precisão, que, na Amazônia, o equilíbrio hidrológico dos rios atingiu outro patamar, o que significa que poderá haver, a cada ciclo completo de duas estações climáticas (verão e inverno para os amazônidas), excesso de água nas cheias e carência na seca.
Ocorre que (para usar o exemplo do Rio Acre) desde o final da década passada – ou seja, a partir de 2009, quando as cotas desse curso d’água estacionaram num mínimo em torno dos 16 metros no período das cheias –, as alagações e secas extremas têm sido recorrentes, e acontecem todos os anos. Mais grave ainda, as alagações estão batendo recordes, como ocorreu em 2015, e as secas devem seguir esse caminho.
Essa realidade precisa ser assumida pela sociedade e, acima de tudo, pela gestão estatal. Os técnicos que planejam as ações governamentais, na esfera estadual e municipal, devem contemplar uma perspectiva crucial: os canais de escoamento superficial das águas (rios, igarapés e outros) passaram, ao longo dos últimos 50 anos e com muito mais intensidade nos últimos 20, por um processo ininterrupto de degradação.
Essa degradação é evidente na beira dos rios, num tipo especial e importante de formação florestal – a mata ciliar.
O desmatamento da mata ciliar ocorre por várias razões, mas, sobretudo, para dar lugar à criação de gado ou simplesmente para liberar o trajeto que o boi faz até o rio, no intuito de beber os 36 litros de água que consome diariamente.
Sem a barreira fornecida pela mata ciliar, todos os anos o rio recebe toneladas de areia, terra preta e barro (para citar os principais sedimentos) – uma quantidade que não tem vazão para transportar e que termina no fundo do leito, reduzindo o calado e causando o que os técnicos chamam de assoreamento.
Formar barreira para impedir o assoreamento e, desse modo, melhorar a quantidade e a qualidade da água que flui no rio é uma das funções mais significativas da mata ciliar, mas não a única. Há que se considerar sua importância para a fauna, tanto da terra quanto do rio, bem como os efeitos paisagísticos que proporciona.
Não à toa as funções desse tipo especial de floresta estão previstas e amparadas numa série de dispositivos legais, inclusive no Código Florestal de 2012.
Reforçam a exposição dos rios à degradação a ampliação da densidade demográfica, a demanda por água potável e, talvez o mais grave, as insistentes taxas de desmatamento medidas ao longo da bacia hidrográfica.
Com baixa resiliência, o rio perde a capacidade de assimilar e de reagir, de modo rápido, às flutuações extremas de vazão. A perda de resiliência é, sem dúvida, o efeito mais perverso para os rios submetidos a um processo longo e ininterrupto de degradação.
A ampliação da resiliência dos rios deve ser promovida de forma prioritária pela política pública, e a boa notícia é que existe capacidade técnica para isso. A restauração florestal da mata ciliar e o manejo dessa floresta para aumentar a quantidade da água que flui no rio e diminuir o seu nível de turbidez são procedimentos dominados pela Engenharia Florestal.
A ampliação da resiliência dos rios pode evitar, no futuro, a drástica e caríssima alternativa da canalização do canal com concreto armado. Mas tem que ser já!


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.