segunda-feira, 22 de junho de 2015

Reservas extrativistas no Acre com desmatamento crítico

Ecio Rodrigues

Estudo intitulado “Áreas Protegidas Críticas na Amazônia no Período de 2012 a 2014”, realizado pelo Imazon, uma organização da sociedade civil sediada no Pará, e divulgado na primeira quinzena deste mês (junho de 2015), mapeou o desmatamento ocorrido, na Amazônia, num tipo especial de área protegida pela legislação: as unidades de conservação.
Assumindo como referência temporal o período compreendido entre os anos de 2012 e 2014, e como referência espacial as unidades de conservação criadas e gerenciadas pelos governos estaduais e pelo governo federal, o estudo alerta para a extrema gravidade do problema e para a urgência de se empreenderem ações para reverter esse quadro.
O Acre aparece, depois de Pará e Rondônia, ostentando índices elevados de desmatamento em unidades de conservação, sendo que – pasme-se – a Reserva Extrativista Chico Mendes foi, no período estudado, a quarta unidade de conservação gerenciada pelo governo federal mais desmatada da Amazônia.
Quando se avalia somente a categoria das reservas extrativistas sob domínio do governo federal, a situação é ainda mais crítica, e a Resex Chico Mendes ganha a infeliz competição, alcançando o lamentável título de campeã do desmatamento.
Outras sete unidades de conservação, sendo quatro gerenciadas pelo governo federal e três pelo governo estadual, ajudaram a posicionar o Acre em terceiro lugar nesse nefasto ranking das 50 UCs mais desmatadas na Amazônia, em cujo perímetro o desmatamento foi considerado crítico.
A Floresta Estadual do Antimary ficou em 12o lugar; a Florestal Estadual do Mogno, em 29o; a Reserva Extrativista do Cazumbá, em 31o; a Reserva Extrativista do Alto Juruá, em 32o; a Reserva Extrativista do Alto Tarauacá, em 43o; a Área de Relevante Interesse Ecológico Seringal Nova Esperança, em 44o; e a Área de Proteção Ambiental do Igarapé são Francisco encerra a lista na 46a posição.
Embora assustadores, esses dados, a bem da verdade, não surpreendem. Ainda em 2013, no bojo dum importante e pioneiro trabalho de auditoria técnica – no qual os auditores do Tribunal de Contas da União, TCU, ao invés de se orientarem pelo lugar comum da caça aos corruptos, apontaram suas armas para a incompetência, ou má gestão, na Administração Pública –, não faltaram alertas a respeito do baixo grau de implementação apresentado pelas unidades de conservação.
A conclusão do TCU não deixa dúvidas de que o dinheiro público investido na instituição dessas áreas não fornece o retorno esperado pela sociedade e não atende aos objetivos que justificaram sua criação.
O TCU, inclusive, concebeu metodologia inovadora, direcionada para aferir os “Indicadores de Implementação e Gestão de Unidades de Conservação”, e que pode ser aplicada pelos próprios gestores das UCs.
Não se pode alegar surpresa e não se pode dizer tampouco que não existem soluções. As universidades amazônicas, as organizações da sociedade civil, a Embrapa, entre outras instituições, desenvolvem pesquisas que alvitram um rol de possibilidades para se evitar desmatamentos em unidades de conservação.
Possibilidades que envolvem tecnologia de produção e que são, comprovadamente, bem mais eficazes que a costumeira ladainha da falta de dinheiro para fiscalizar, autuar, multar e prender os produtores. Esse caminho não resolve.
Após 25 anos de história das reservas extrativistas, completados em 2015, o manejo florestal comunitário deveria ser uma realidade, mas não é.
Sem a alternativa pela produção florestal, o desmatamento para a criação de boi se alastra. E alcança as unidades de conservação, chegando às reservas extrativistas.
Estudo intitulado “Áreas Protegidas Críticas na Amazônia no Período de 2012 a 2014”, realizado pelo Imazon, uma organização da sociedade civil sediada no Pará, e divulgado na primeira quinzena deste mês (junho de 2015), mapeou o desmatamento ocorrido, na Amazônia, num tipo especial de área protegida pela legislação: as unidades de conservação.
Assumindo como referência temporal o período compreendido entre os anos de 2012 e 2014, e como referência espacial as unidades de conservação criadas e gerenciadas pelos governos estaduais e pelo governo federal, o estudo alerta para a extrema gravidade do problema e para a urgência de se empreenderem ações para reverter esse quadro.
O Acre aparece, depois de Pará e Rondônia, ostentando índices elevados de desmatamento em unidades de conservação, sendo que – pasme-se – a Reserva Extrativista Chico Mendes foi, no período estudado, a quarta unidade de conservação gerenciada pelo governo federal mais desmatada da Amazônia.
Quando se avalia somente a categoria das reservas extrativistas sob domínio do governo federal, a situação é ainda mais crítica, e a Resex Chico Mendes ganha a infeliz competição, alcançando o lamentável título de campeã do desmatamento.
Outras sete unidades de conservação, sendo quatro gerenciadas pelo governo federal e três pelo governo estadual, ajudaram a posicionar o Acre em terceiro lugar nesse nefasto ranking das 50 UCs mais desmatadas na Amazônia, em cujo perímetro o desmatamento foi considerado crítico.
A Floresta Estadual do Antimary ficou em 12o lugar; a Florestal Estadual do Mogno, em 29o; a Reserva Extrativista do Cazumbá, em 31o; a Reserva Extrativista do Alto Juruá, em 32o; a Reserva Extrativista do Alto Tarauacá, em 43o; a Área de Relevante Interesse Ecológico Seringal Nova Esperança, em 44o; e a Área de Proteção Ambiental do Igarapé são Francisco encerra a lista na 46a posição.
Embora assustadores, esses dados, a bem da verdade, não surpreendem. Ainda em 2013, no bojo dum importante e pioneiro trabalho de auditoria técnica – no qual os auditores do Tribunal de Contas da União, TCU, ao invés de se orientarem pelo lugar comum da caça aos corruptos, apontaram suas armas para a incompetência, ou má gestão, na Administração Pública –, não faltaram alertas a respeito do baixo grau de implementação apresentado pelas unidades de conservação.
A conclusão do TCU não deixa dúvidas de que o dinheiro público investido na instituição dessas áreas não fornece o retorno esperado pela sociedade e não atende aos objetivos que justificaram sua criação.
O TCU, inclusive, concebeu metodologia inovadora, direcionada para aferir os “Indicadores de Implementação e Gestão de Unidades de Conservação”, e que pode ser aplicada pelos próprios gestores das UCs.
Não se pode alegar surpresa e não se pode dizer tampouco que não existem soluções. As universidades amazônicas, as organizações da sociedade civil, a Embrapa, entre outras instituições, desenvolvem pesquisas que alvitram um rol de possibilidades para se evitar desmatamentos em unidades de conservação.
Possibilidades que envolvem tecnologia de produção e que são, comprovadamente, bem mais eficazes que a costumeira ladainha da falta de dinheiro para fiscalizar, autuar, multar e prender os produtores. Esse caminho não resolve.
Após 25 anos de história das reservas extrativistas, completados em 2015, o manejo florestal comunitário deveria ser uma realidade, mas não é.
Sem a alternativa pela produção florestal, o desmatamento para a criação de boi se alastra. E alcança as unidades de conservação, chegando às reservas extrativistas.

*Ecio Rodrigues é autor de cerca de 15 livros que abordam assuntos relacionados ao setor florestal e à sustentabilidade na Amazônia. É engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal, com mestrado em Política Florestal e doutorado em Desenvolvimento Sustentável. Possui ampla experiência em cluster florestal para a Amazônia.

Ação pública não estatal no Acre

* Ecio Rodrigues

O trabalho desenvolvido pelas organizações da sociedade civil chega aonde os órgãos estatais encontram limites. Essa máxima tem sido assumida por todos os países desenvolvidos, e, infelizmente, por poucos países em desenvolvimento.
Ocorre que a democracia depende da ação pública realizada por organizações que não são estatais, e isso ocorre por duas razões, notadamente.
Em primeiro lugar, porque essas entidades gozam de independência e autonomia para atuar sem vinculação a partidos políticos ou aos interesses dos que estão, temporariamente, no poder.
Em segundo lugar, porque, como o mundo inteiro reconhece, o Estado é pouco eficiente. Ninguém duvida que entre os três grandes setores que organizam a vida em sociedade, o primeiro setor (representado pelos órgãos estatais) é mais burocrático, mais caro e menos eficiente que o segundo e o terceiro, representados, respectivamente, pelas empesas e pelas organizações da sociedade civil.
No Brasil, as organizações não governamentais são tratadas com desconfiança pelos órgãos de governo e (quem sabe por influência destes) também pela imprensa e pela população. Um grave equívoco.
Não à toa, no final da década de 1990, aprovou-se a Lei 9.790/99, que ficou conhecida como “marco legal do terceiro setor”, e que criou a figura da Oscip, acrônimo do designativo Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
Ao autorizar a qualificação como Oscip, a norma de certo modo possibilitou que as organizações não governamentais se desvencilhassem da sigla “ONG”, que se tornou uma expressão praticamente pejorativa no país.
O mais importante: a Oscip, a despeito de sua natureza privada, recebe do Estado o reconhecimento, na forma de um certificado, de que presta relevantes serviços para a sociedade, sendo que, para a execução desses serviços pode acessar recursos públicos, mediante a participação em editais.
A década de 1990, diga-se, foi profícua para trabalho não governamental realizado no Acre – trabalho esse que, à época, se tornou referência no país.
Em todas as áreas nas quais o serviço público é demandado, como educação, saúde e direitos humanos, mas sobretudo no âmbito da produção florestal e meio ambiente, as entidades do Acre se sobressaíram, captando recursos financeiros expressivos e concebendo políticas públicas que hoje são uma realidade. É o caso das reservas extrativistas e do manejo florestal comunitário.
No âmbito do Programa Piloto, uma doação dos países ricos voltada para a proteção das florestas tropicais (o chamado PPG7), as entidades do Acre, em termos proporcionais, aprovaram mais projetos e levantaram mais dinheiro que as entidades dos demais estados amazônicos, levando inovações na produção florestal comunitária para todo o vale do rio Acre. Algo impensável para os governos estaduais.
Sem embargo desse bem-sucedido desempenho, o fato é que, a partir da década de 2000, as forças políticas que assumiram o governo do estado passaram a arrimar-se no entendimento de que uma administração com maior capacidade de intervenção no meio social poderia prescindir do trabalho das entidades da sociedade civil. Um grande erro.
A atuação não governamental perdeu força. Ainda que vez ou outra surja uma novidade, não dá sequer para comparar a dimensão e a importância do trabalho levado a cabo no Acre de antes com o realizado no de agora.
Mas tudo indica que uma nova geração de organizações da sociedade civil está despontando no estado. É esperar para ver!


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

domingo, 7 de junho de 2015

Sustentabilidade do dia a dia e a COP 21

* Ecio Rodrigues

Parece remota a possibilidade de os países chegarem a um acordo quanto aos preceitos de sustentabilidade a serem observados em todo o planeta. Em que pese o esforço de um conjunto heterogêneo de instituições, em especial aquelas de cunho ambientalista, as divergências são muito superiores às convergências.
Um passo significativo decerto será dado por ocasião da vigésima primeira Conferência das Partes (COP 21, na sigla em inglês) das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a ser realizada em Paris, França, em dezembro próximo.
Será uma grande oportunidade de, finalmente, discutirem-se e definirem-se critérios e compromissos em relação a atividades que agravam a crise ecológica devido ao aumento de carbono na atmosfera, como a produção de energia elétrica por meio de fontes “sujas” (as termoelétricas, p. ex.), o desmatamento das florestas para plantio de soja e criação de boi, o uso de matérias-primas intensivas em petróleo, entre outras.
Seria muito interessante para o Brasil, que possui mais de 70% de sua energia elétrica gerada por meio da força das águas, se, eventualmente, as hidrelétricas fossem alçadas à condição de opção preferencial para a realidade ecológica e social das nações situadas abaixo da linha do equador.
As divergências conceituais acerca do que a sustentabilidade significa incluem também pequenas resoluções que são tomadas pelos seres humanos no dia a dia e que, embora em conjunto tenham grande importância, no plano individual costumam ser tratadas com certa indiferença.
Uma decisão aparentemente insignificante – optar pela compra dum lápis de madeira no lugar duma caneta de plástico, ou, digamos, pelo emprego de papel toalha no lugar de aquecedores elétricos em banheiros públicos – pode aproximar o mundo da sustentabilidade.
Por serem mais complexas, as questões que envolvem a exploração da biodiversidade na Amazônia exigem maior nível de informações e trazem, ao mesmo tempo, repercussões perigosas para a conservação do ecossistema florestal da região.
Desnecessário alertar que a conservação dessa floresta tropical é considerada um dos pontos principais para a superação da atual crise ecológica, que decorre do aquecimento do planeta – o que, por sua vez, acarreta as alterações no clima e provoca, entre outras tragédias, as alagações e secas dos rios.
É difícil imaginar um consenso em torno da exploração da madeira amazônica (mediante o emprego da tecnologia do manejo florestal) como melhor mecanismo para a conservação da floresta, mas isso é mais do que necessário.
Diferentemente do que reza o senso comum, o corte de uma árvore manejada, seja para a construção de uma casa de madeira, para a fabricação de um móvel de alta qualidade ou mesmo para a manufatura de um singelo objeto de decoração, além de possibilitar a conservação da floresta sob exploração, contribui para a sustentabilidade.
Por mais paradoxal que possa parecer, derrubar árvores para atender à demanda da sociedade por casas, móveis e artefatos em geral ajuda a floresta a se renovar, e essa renovação retira carbono da atmosfera. Nada melhor.
A expectativa é que, com a realização da COP 21, os mais de 190 países associados à ONU logrem fazer chegar ao cotidiano dos indivíduos e empresas as implicações de um novo modelo de desenvolvimento que supere, verdadeiramente, a economia ancorada no petróleo e que ainda persiste em todo o planeta.
A sustentabilidade do dia a dia depende, cada vez mais, do que é decidido pelo mundo em reuniões de cúpula como a COP 21. O Brasil deve estar preparado.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Cacau nativo comporá cesta de produtos florestais

* Ecio Rodrigues

Decerto que a ampliação do número de produtos florestais que podem ser manejados por comunidades que habitam o ecossistema florestal da Amazônia é uma das diretrizes para viabilizar a atividade do manejo florestal comunitário – que, por sua vez, se configura na principal, senão única, alternativa econômica à criação de boi.
O manejo florestal comunitário surgiu no Acre no início da década de 1990, em especial após a criação das reservas extrativistas. Portanto, a despeito de não ser ainda objeto de consenso, trata-se de uma tecnologia concebida e testada com sucesso há 25 anos, tendo ganhado força em toda a Amazônia.
A expectativa inicial era a de que, no curto prazo – até 2010, digamos –, pelo menos 20.000 seringueiros transformados em manejadores florestais aderissem a essa tecnologia, para ofertar uma cesta variada de produtos florestais, incluindo-se, obviamente, a madeira.
Frustrou-se a expectativa, e passos lerdos têm sido dados desde então. Vez ou outra aparece um produto que ganha alguma importância comercial e faz com que as atenções se voltem para o manejo florestal comunitário. Uma atenção fugidia, que logo recua ao lugar comum da nefasta criação de boi realizada no interior da floresta.
É provável que a principal novidade, nas idas e vindas entre o manejo florestal e a pecuária praticada nas reservas extrativistas (ou em áreas de floresta ainda sem regularização fundiária definida), seja a produção de cacau nativo.
O componente que diferencia o cacau nativo em relação à pupunha, à seringueira, à pimenta longa, entre outros produtos florestais que ganharam importância comercial, reside no fato de que o cacau não pode ser (novamente) domesticado: a domesticação desse produto ocorreu lá atrás, ainda no século XVII.
Quer dizer, é como se fosse, o cacau nativo, um novo produto introduzido no mercado, que não concorre com o cacau domesticado, melhorado geneticamente e caracterizado pela alta produtividade. Em face do sabor original que marca o seu chocolate, o cacau nativo apresenta o que os economistas chamam de “nicho de mercado”, ou seja, um público com necessidades ou exigências específicas, cuja exploração pode representar grande oportunidade de negócio.
Atualmente praticado pelos ribeirinhos do Purus, o manejo comunitário do cacau nativo tem potencial para ser aplicado em outras partes da Amazônia. A boa notícia é que os expedientes técnicos para a elaboração do respectivo Plano de Manejo Florestal já foram desenvolvidos.
O Plano de Manejo serve a dois fins. Primeiro, orienta os manejadores quanto aos procedimentos executados durante todo o processo produtivo, empregando inovações tecnológicas no intuito de alcançar a produtividade demandada pelo mercado.
Segundo, possibilita o licenciamento ambiental da atividade perante os órgãos de controle, e o monitoramento da produção florestal, o que fornece segurança para o manejador.
Mas, para elaborar um documento com esse nível de exigências é necessário um cabedal de informações subsidiárias.
Mediante projeto de pesquisa empreendido no Acre em 2007, sob o apoio do CNPq, logrou-se conceber metodologia para o levantamento de algumas dessas informações, a saber: mapeamento da dispersão dos povoamentos de cacau por meio de imagens de satélite de média resolução (para o levantamento da ocorrência de cacau); inventário do cacau nativo (para o levantamento da quantidade de pés de cacau existentes no local de ocorrência); aferição da importância do cacau para a geração de emprego e renda junto aos manejadores; e otimização do sistema produtivo.
O desafio principal foi superado e a tecnologia, desenvolvida; falta convencer os políticos que manejar cacau é melhor que criar boi. Mas isso leva tempo. Muito tempo.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Rotular transgênicos não resolve nada

* Ecio Rodrigues

O governo não consegue expor para a sociedade, de forma clara, a posição do Estado brasileiro em relação aos organismos geneticamente modificados, os chamados transgênicos. Entre a ojeriza da sociedade pouco informada e a completa omissão da classe política, as discussões sobre a matéria sempre ocorrem como se fosse a primeira vez, como se a produção de transgênicos no Brasil não fosse uma realidade.
Mal comparando, é mais ou menos o que acontece com o tema das hidrelétricas. Existem mais de 120 usinas hidrelétricas em funcionamento no Brasil e não há a menor possibilidade de que não venham a ser construídas, no mínimo, outras 50. Mas a sociedade gosta de se posicionar contrariamente à construção de cada nova usina.
A explicação para esse paradoxo está justamente na omissão dos políticos, que, temendo perder votos, não esclarecem que a opção pela geração de energia elétrica por meio do aproveitamento da força das águas foi feita pelo país há pelo menos 50 anos. No final das contas, não se discute o que tem que ser discutido, ou seja, o porquê dessa opção e as suas decorrências.
No caso dos transgênicos, aliás, discursar contra e decidir a favor tem sido a máxima empregada pelos políticos, sobretudo nos últimos 10 anos.
A primeira legalização de um plantio de sementes geneticamente modificadas em território brasileiro ocorreu em 2003. O Brasil, atualmente, é um dos líderes mundiais na produção de soja transgênica.
Por outro lado, grande parte dos produtos do agronegócio – soja, algodão e milho, para ficar nos mais comuns – já se encontra no que os especialistas chamam de terceira geração do melhoramento genético.
Para exemplificar, vamos dizer que certa espécie importante para alimentar, vestir ou transportar a humanidade foi alterada em sua genética, a fim de resistir ao ataque de uma vespa. Antes da primeira geração modificada dessa espécie, a vespa era controlada por meio do uso de agrotóxicos, o que passou a não ser mais necessário.
Continuando, digamos que a espécie do exemplo se deteriorasse rapidamente. Da colheita ao supermercado ou à sua industrialização, suportasse não mais que 24 horas. Um prazo que foi alargado para cinco dias com a segunda geração modificada da espécie.
Porém, o cultivo totalmente mecanizado da espécie rendia duas toneladas por hectare de matéria-prima, o que era pouco para atender à demanda da humanidade. A ampliação do plantio iria requerer o desmatamento de 100 mil hectares de florestas todos os anos, a um custo elevadíssimo. Com a terceira geração, a produtividade foi multiplicada por quatro.
Dispensar a identificação explícita no rótulo dos produtos cuja industrialização emprega até 1% de espécies transgênicas, como aprovado pela Câmara em abril último, contribui para reduzir a omissão dos políticos. Esse, sim, o maior problema. Se o país não sabe se libera ou não o cultivo dos transgênicos, não pode se aferrar à discussão do rótulo.
O ponto não está no rótulo, mas na opção que o país fez, de basear sua economia no agronegócio. O agronegócio brasileiro, para não perder competitividade, está aderindo à produção de transgênicos, como fizeram os americanos e os chineses.
No frigir dos ovos, a produção de transgênicos exige regulamentação internacional, o que, por sinal, tem sido tema de debate no âmbito da ONU. Mas desprezar o emprego de espécies geneticamente modificadas no agronegócio é um tiro no pé. Nenhum produtor, ou região produtora, ou, ainda, nenhuma nação para a qual o agronegócio representa quase a metade de seu Produto Interno Bruto, como é caso do Brasil, irá deixar de usar espécies transgênicas, se os demais países usam.
Discursar sobre a afixação duma caveira no rótulo dos produtos agrada e não resolve nada. Mas parece que a ideia é essa.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.