segunda-feira, 13 de julho de 2015

Experiência amazônida em produção comunitária de madeira

* Ecio Rodrigues
A atuação das organizações da sociedade civil, sobretudo a partir da década de 1990, certamente foi decisiva tanto para a demonstração de que a alternativa florestal era possível no âmbito comunitário quanto para a transformação dessa alternativa produtiva em assunto de políticas públicas.
Ainda que não seja possível determinar com exatidão as razões que levaram essas entidades a se envolver em experiências produtivas inovadoras e, na maioria dos casos, de grande risco econômico, alguns fatores podem ser elencados.
Em primeiro lugar, a dimensão do impacto social causado pela expansão da agropecuária e suportado diretamente pelas populações extrativistas; em segundo lugar, a redemocratização do país e, por conseguinte, a reorganização da sociedade civil na Amazônia; em terceiro lugar, a oferta de recursos públicos a fundo perdido para as comunidades extrativistas; finalmente, em quarto lugar, a disposição dessas comunidades para correr riscos no campo econômico.
Diga-se que, a despeito da influência do ambientalismo ortodoxo e contrário à produção comunitária de madeira – que durante a década de 1990 teve grande entrada no movimento dos seringueiros –, as comunidades extrativistas, sempre que tiveram oportunidade de decidir, optaram, sem pestanejar, pelo manejo florestal comunitário.
Um rol extenso de atores sociais se envolveu no esforço de demonstrar a viabilidade do manejo de produtos florestais. Uma variedade de instituições – de pesquisa, de representação, de apoio técnico – experimentou e comprovou o potencial do manejo florestal para ofertar madeira, óleos, fauna silvestre, entre outros produtos.
Claro que algumas experiências chegaram mais longe que outras. No entanto, são inegáveis as implicações políticas, sociais, ambientais e econômicas que todas elas produziram durante a década de 1990. Como também é inegável que essas implicações, por sua vez, contribuíram em pelo menos três aspectos fundamentais para a consolidação da atividade florestal na Amazônia.
O primeiro deles diz respeito à desmitificação da produção madeireira realizada na região. A imagem de destruição causada pela exploração predatória de madeira até hoje cria resistências à aceitação social dessa opção econômica, difundindo a crença de que não seria possível uma produção madeireira sob níveis aceitáveis de impacto ambiental.
Dissociar o manejo florestal daquela exploração predatória, vinculada à instalação da pecuária, contribuiu para diminuir o tabu que cerca a atividade, demonstrando sua adequação aos ideais de sustentabilidade.
Mais importante ainda, com o envolvimento, nas atividades de manejo florestal, de instituições de pesquisas, de organizações da sociedade civil e de comunidades extrativistas, a produção de madeira angariou lastro social.
Ao passar da condição de atividade marginalizada – praticada sem respeito à legislação e à conservação da floresta – à condição de atividade regulamentada e ancorada em procedimentos de certificação, o manejo florestal para produção de madeira adquiriu status de alternativa econômica.
Finalmente (e não menos importante), o terceiro aspecto refere-se à demonstração, em especial para o produtor extrativista, da viabilidade do uso múltiplo.
Ao ser levada para o contexto do produtor que vive no interior da floresta, a atividade florestal superaria grandes obstáculos impostos ao seu incremento. Argumentações acerca da inviabilidade do manejo perderam a validade, diante da superioridade da renda gerada pela produção de madeira em relação à renda gerada por sua principal concorrente, a pecuária.
Sem as experiências de manejo florestal comunitário para produção de madeira levadas a efeito nos anos 1990, o desmatamento hoje seria bem maior. Mas é preciso avançar, é preciso seguir adiante.


* Professor associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Vocação florestal da Amazônia deveria ser prioridade política

* Ecio Rodrigues
Com a aproximação da Conferência de Paris, que acontecerá em dezembro de 2015, o momento é mais que oportuno para se instituírem, na Amazônia, mecanismos de política pública que promovam o manejo florestal de uso múltiplo (incluindo-se a produção de madeira), de modo que essa tecnologia se multiplique pela região.
Considerada um verdadeiro tabu pelo movimento ambientalista, a exploração de madeira sempre encontrou resistências de toda ordem. Claro que nos dias atuais, passados 25 anos desde a criação da primeira reserva extrativista e da consumação das primeiras experiências bem sucedidas de produção comunitária de madeira, essa resistência se torna inconcebível.
Mas o problema é que o tempo para, quando o assunto é a produção de madeira na Amazônia.
Passados tantos anos, e sem embargo de todos os avanços que alcançaram a atividade, permanece o juízo de que a exploração de toras na Amazônia continua a ser realizada sob uma condição marginal e perdulária – e isso realmente assusta.
Parece ser insuportável à sociedade a mera visão de um skidder ou de uma motosserra. Sempre exibidos em imagens de grande impacto, esses equipamentos levam a população a vincular a derrubada e o arraste das toras à devastação da floresta.  
Associadamente ao imaginário de destruição, a fragilidade institucional dos órgãos florestais e ambientais (Serviço Florestal Brasileiro, Ibama, ICMBio etc.) só reforça a equivocada premissa de que todo caminhão toreiro que circula pelas rodovias na Amazônia é ilegal e carrega a destruição.
Ignora-se o fato de que as árvores envelhecem e morrem numa proporção que pode ser até maior que a da extração efetuada sob a tecnologia do manejo florestal.
Esses equívocos são perigosos, e na medida em que não são corrigidos, jogam o manejo florestal madeireiro no mesmo patamar da nefasta atividade da criação de boi, essa, sim, a maior responsável pela degradação florestal na Amazônia.
Embora persistam o preconceito e a resistência, as experiências levadas a cabo na região, sobretudo no Acre, não deixam dúvida quanto à sustentabilidade técnica, econômica, social, ecológica e política da produção de madeira manejada, inclusive a efetuada por comunidades. Indo além, a história comprova o que algumas instituições envolvidas com o tema vêm afirmando reiteradamente pelo menos nos últimos 15 anos.
Primeiro, que, para realidades como a do Acre, onde um contingente considerável de produtores vive no interior da floresta, o manejo florestal comunitário, além de ser adequado sob o ponto de vista ambiental, interage com a atividade empresarial das indústrias de serraria, reforçando uma inexorável divisão do trabalho e especialização produtiva.
E segundo, que, num ambiente com valiosa diversidade biológica, seria insensato que a exploração comunitária madeireira fosse realizada de forma isolada e que o manejo não priorizasse o uso múltiplo da heterogênea floresta. Adaptando a antiga máxima de origem inglesa, é racional “ver a floresta que existe além da madeira”.
A produção de fauna silvestre, com ênfase em animais cujas técnicas de manejo já se encontram dominadas (cateto, queixada, paca, capivara); a produção de princípios ativos para fitoterápicos, com ênfase em espécies cuja domesticação encontra limites; a produção de cipós e sementes, com ênfase em espécies madeireiras inseridas na tecnologia de manejo florestal de uso múltiplo – todas essas opções produtivas podem ser consumadas numa mesma unidade produtiva, mediante a esquematização de cronologias de produção bem planejadas.
A pluralidade e o pragmatismo das experiências realizadas na Amazônia não deixam brechas para incertezas: manejar a floresta é a saída.


* Professor associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

15 anos e 300 engenheiros florestais depois

* Ecio Rodrigues
De maneira indireta, todos os profissionais graduados no Acre nos últimos 20 anos possuem algum grau de responsabilidade sobre os indicadores de sustentabilidade gerados no estado e na região. De forma direta, os engenheiros florestais formados no Acre possuem grande responsabilidade frente às duas principais mazelas que afetam esses indicadores de sustentabilidade: desmatamento e queimada.
Afinal, cada floresta manejada é um empecilho para a ampliação do desmatamento e das queimadas. E cada treminhão que circula carregado com madeira pelas rodovias foi legalizado por meio da atuação de um engenheiro florestal.
Com a aproximação do 15o aniversário de criação do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre (a ser celebrado em setembro próximo), e a graduação de 300 profissionais até o final de 2015, o momento parece ser propício para uma breve avaliação acerca da importância desse tipo peculiar de engenheiro para a realidade estadual.
Na verdade, a concentração de esforços levada a efeito para o surgimento do curso, motivada por sua vez por uma demanda oriunda da própria sociedade, por si já demonstra a relevância e o reconhecimento da Engenharia Florestal no Estado do Acre.
Ocorre que desde a segunda metade da década de 1980 a discussão sobre preservar, desmatar ou conservar a floresta já envolvia um grupo consistente de técnicos e de organizações; essa discussão passou pela política e chegou às instituições de ensino e de pesquisa.
Enquanto, de um lado, ambientalistas ortodoxos defendiam que a floresta deveria ser mantida intocada e que o esforço estatal deveria ser direcionado para impedir o desmatamento por meio da fiscalização, de outro lado, os pecuaristas brigavam para aumentar as superfícies desmatadas para a criação de boi.
Conservar a floresta seria a saída, dita salomônica, que atenderia à ortodoxia ambientalista pela manutenção da floresta em pé (mediante, obviamente, a exploração sustentável de áreas florestais) e, ao mesmo tempo, acalentaria a reivindicação progressista por geração de riqueza e melhoria dos preocupantes índices de IDH ostentados no estado.
Para conservar a floresta e promover a consolidação dum setor florestal forte e com participação expressiva na economia local, um primeiro passo tinha que ser dado. Não havia como satisfazer a demanda técnica para manejar a floresta por intermédio, unicamente, da importação de engenheiros florestais do Sudeste do país.
Embora de inegável importância, a comitiva de cariocas, mineiros, paulistas, que chegou ao Acre nessa época não dava conta da grande empreitada a ser enfrentada. A graduação de engenheiros florestais no estado tornou-se uma exigência da sociedade, rapidamente incorporada pela política pública.
Com um legado que abrange a concepção das reservas extrativistas, além da execução das primeiras experiências de manejo florestal comunitário para a produção de madeira, e de manejo florestal de uso múltiplo para a oferta de uma cesta de produtos (incluindo resinas, sementes florestais, animais silvestres), a realidade atual no Acre não é a mesma de outrora.
A atuação dos engenheiros florestais certamente contribui para a manutenção de 85% do território estadual com cobertura florestal, sendo que 70% dessa área (aproximadamente) é protegida por lei, na forma de unidades de conservação (como as reservas extrativistas), terras indígenas, reservas legais e áreas de proteção permanente (como as matas ciliares).
Ninguém há de negar, contudo, que, como as florestas são consideradas a principal solução para a superação da atual crise ecológica, trezentos é pouco!

* Professor associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.