*Ecio Rodrigues, 02/07/2017
Nos
últimos dias foi noticiado que a Noruega cortou pela metade os recursos
doados ao Brasil em 2017 (equivalentes a R$ 200 milhões), sob a
justificativa de que o desmatamento na Amazônia aumentou 29% em 2016, em
relação ao período anterior.
Como sempre apressada e simplista, a
imprensa reportou o desmatamento da Amazônia, uma das maiores e mais
importantes formações florestais do planeta, como apenas um graveto a
mais na fogueira de queimação do governo, sem a menor preocupação em
esclarecer minimamente o assunto.
Parece, inclusive, existir um senso
comum, segundo o qual tudo se resume à política, entendendo-se por
política a arte de corromper: uma vez que todos são corruptos, o que
importa é derrubar quem quer que se encontre na Presidência da
República, e o país que se afogue no poço da instabilidade.
Sim, o desmatamento aumentou na Amazônia,
pondo em risco o reconhecimento internacional do Brasil. Mas, entre as
causas desse aumento, despontam a crise econômica e a instabilidade
política promovida pelos que são contrários às reformas e a tudo que
possa nos tirar do atoleiro.
Deixando de lado a discussão infrutífera que move a imprensa, cabe uma pitada de informação, então vamos lá.
O Fundo Amazônia, que é gerido pelo
BNDES, é abastecido todos os anos por doações de países desenvolvidos,
sendo Noruega e Alemanha os principais doadores. Trata-se de doação, já
que os recursos financeiros são transferidos a fundo perdido, e não a
título de empréstimo ou financiamento. A contrapartida assumida pelo
Brasil pode ser sintetizada na obrigação de reduzir o desmatamento na
Amazônia.
Abram-se aqui parênteses. Acontece que no
Brasil existe o desmatamento legalizado, que é realizado sob os
auspícios da legislação. É um grande contrassenso, pois enquanto for
permitido por lei, o desmatamento nunca – nunca! – será zerado. Mas como
o país não discute nem assume esse desmatamento legalizado, faz uma
espécie de “pegadinha” com a cooperação internacional.
Tanto é verdade que no âmbito do Acordo de Paris, o Brasil, ladinamente, se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na
Amazônia até 2030. Ou seja, mesmo que esse compromisso seja honrado, a
sociedade terá que conviver com uma taxa anual (e bastante
significativa, diga-se) de desmatamento da floresta.
Talvez esteja aí a razão pela qual não se
discute o desmatamento legalizado – tal discussão remeteria à
constatação de que, a bem da verdade, nós aceitamos e justificamos o
desaparecimento da floresta. Se a questão fosse enfrentada, fatalmente
teríamos que responder uma pergunta bastante inconveniente, a saber: que
extensão de destruição florestal a sociedade brasileira está disposta a
tolerar todos os anos?
Desde 1988 o Brasil mede a área desmatada
na Amazônia. A última taxa, essa que apontou o aumento de 29%, abrange o
período entre agosto/2015 e julho/2016. A divulgação da taxa de 2017
(cuja medição se encerra em 31 de julho próximo) está prevista para
novembro e certamente influenciará futuras decisões dos doadores.
Mas, e o Acre com isso? Bem, os dois
estados amazônicos que mais colaboraram para a ampliação do desmatamento
em 2016 foram Acre e Amazonas (que ostentaram, respectivamente, 47% e
54% de aumento na destruição florestal).
A responsabilidade pelo desmatamento
anual deve ser partilhada entre os governadores dos 9 estados amazônicos
– esta é uma condição precípua para mobilizar a sociedade local e
pressionar os gestores públicos.
Afinal, não há dúvida científica de que o
desmatamento é induzido por políticas públicas que valorizam a criação
de boi em detrimento da vocação florestal da região e que são adotadas,
em primeiro lugar, por governadores e prefeitos.
Perder o dinheiro da cooperação
internacional é um dos efeitos do quadro perverso do desmatamento
florestal da Amazônia, há piores.
*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro
florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela
Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável
pela Universidade de Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário