domingo, 3 de novembro de 2013

Após 37 meses, democracia e fuso horário são devolvidos ao Acre

* Ecio Rodrigues

Parece até causo do tempo dos coronéis nordestinos, que mudavam curso de rio, faziam mulher parir, cabra macho chorar, aparecer voto onde não havia gente, e até transformavam boto em gente e vice-versa: depois de 37 meses, a hora retirada do fuso horário do Acre finalmente vai voltar.
Entender essa história exige certo domínio sobre os trâmites que envolvem o processo legislativo e a aprovação de leis que transformam a vida das pessoas. Mas, nem que seja por uma questão pedagógica, vale a pena tentar.
A novela começa com o trabalho de alguns técnicos, funcionários de carreira do Congresso Nacional, muito bem remunerados pela sociedade, que prepararam um estudo demonstrando que a redução da quantidade de fusos horários existentes no Brasil, de quatro para três, traria benefícios econômicos em âmbito nacional e ajudaria a melhorar a dinâmica econômica nas regiões abrangidas pelo quarto fuso – que compreende o Acre e alguns poucos municípios do Pará e do Amazonas.
O estudo motivou a promulgação de uma lei, já que os quatro fusos haviam sido instituídos por um decreto presidencial de 1913. Assim, de uma hora para outra, com o perdão do trocadilho, o quarto fuso foi extinto em 2008.
Contudo, nem os técnicos do Congresso Nacional nem os parlamentares tiveram sensibilidade para perceber que não se tratava de mera questão econômica. Sendo o planeta Terra redondo, ou quase redondo, como afirmam os geólogos, o sol nasce e se põe em horários diversos, de acordo com a localização do indivíduo em solo terrestre.
A conclusão é que um contingente considerável de pessoas, incluindo toda a população do Acre, teve sua rotina severamente afetada, ao ter que começar a acordar de madrugada para ir trabalhar (ou estudar), e, por outro lado, a voltar para casa, no final do expediente, com o sol ainda luzindo.
Um referendo – e não plebiscito, uma vez que a hora já havia sido alterada sem consulta prévia – foi realizado no Acre, evidenciando que os habitantes desse estado eram contrários à sua inclusão no terceiro fuso horário. Todavia, a única população ouvida foi a do Acre, e isso iria fazer uma diferença enorme no final do enredo.
Acontece que o resultado do referendo não foi acolhido de forma automática, para efeito de revalidar o quarto fuso. Assim, por excesso de burocracia, decidiu-se pela necessidade de elaboração de um projeto de lei, para alterar a norma que havia, por sua vez, modificado o decreto presidencial de 1913.
Depois de tramitar por mais de um ano na Câmara dos Deputados, o projeto que acatava o que a população do Acre havia, sob o princípio democrático, reivindicado no voto, chegou para aprovação no Senado. Nesse momento, porém, entra em cena uma senadora, que, desatenta e imprudentemente, incluiu no projeto o restante da região abrangida pelo quarto fuso horário, ou seja, uma parte do Pará e do Amazonas.
Como apenas a população do Acre havia se pronunciado por meio do voto de referendo, os parlamentares paraenses protestaram. Coube à Presidência da República, novamente com excesso de legalismo e burocracia, vetar integralmente o projeto aprovado no Congresso, e encaminhar para votação uma nova proposta de lei. O processo legislativo foi então reiniciado, levando cerca de dois anos para ser concluído.
Diga-se que o Gabinete da Presidência cometeu o equívoco de excluir apenas o Pará, mantendo o Amazonas no quarto fuso. Assim, chegou-se a aventar, já no Senado, a possibilidade de retirar do projeto os municípios amazonenses, considerando-se que também ali não houvera referendo. A ser levado a efeito esse último atropelo, a aprovação final teria demorado pelo menos um ano a mais.
O importante é que, mesmo passados mais de três anos, a vontade da população foi respeitada. O Acre voltou ao quarto fuso horário, comprovando que vivemos num Estado democrático. E que a Democracia é construída por todos e a cada hora.


* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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