quarta-feira, 4 de março de 2015

Será que o mercado legal de animais amazônicos aquece o mercado ilegal?

* Ecio Rodrigues

Muitos produtos florestais poderiam ganhar importância econômica expressiva na Amazônia. Contudo, em absolutamente nenhum estado amazônico a produção florestal é considerada prioridade pela política pública. E o que é pior: esse desdém da ação pública se funda em argumentos que não resistem a uma análise minimamente criteriosa.
No caso, por exemplo, da fauna silvestre, o manejo florestal de animais nativos para a produção de carne e mesmo para a comercialização dos chamados bichos de estimação (reconhecidos pela sigla em inglês PET) não é prioridade nem sequer é levado em consideração pela política pública, por razões que chegam a ser risíveis diante de sua improbabilidade, mas que atrapalham a capacidade de análise de uma sociedade como a nossa, carente de informações de qualidade.
O raciocínio simplório – e equivocado, sob o ponto de vista econômico e ambiental – funciona mais ou menos assim: deve-se criar dificuldades para o licenciamento do manejo de fauna, uma vez que a organização de uma cadeia produtiva para a oferta de animais silvestres irá acobertar a captura ilegal desses animais no interior da floresta.
Por mais absurdo que pareça, esse raciocínio tortuoso prevalece no âmbito dos órgãos de controle ambiental e sempre contamina qualquer discussão envolvendo o estabelecimento de um mercado legalizado para a fauna. Pois os resultados obtidos em décadas de contradição e falta de rumo são mais que evidentes nas estatísticas concernentes ao comércio de animais silvestres oriundos da Amazônia.
Estatística fornecida pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites, na sigla em inglês) dá conta que no período entre 2000 e 2006 o Brasil, oficialmente, exportou 52 araras, 100 papagaios, 61 saguis, 6 jibóias e nenhum iguana. No mesmo período, a Holanda exportou 2.213 papagaios; a Inglatera, 520 saguis; a República Checa, 12.531 jiboias; os Estados Unidos, 683 araras e 13.486 iguanas.
Nem o mais otimista dos ambientalistas defensores da hipocrisia de se evitar um mercado legal para animais silvestres amazônicos poderá endossar que a ausência de um mercado forte e legalizado tem ajudado a evitar a comercialização desses animais, vivos ou mortos, por baixo dos panos e das bancas de feiras livres.
Tratados como se fossem drogas, os animais amazônicos continuam sendo negociados – ou traficados – na região e fora dela, a despeito das penas cominadas para o infrator – ou traficante –, uma vez que o comércio ilegal de animais silvestres é tipificado como crime ambiental, e durante certo tempo foi considerado até inafiançável.
Para contornar o fato e a evidência de que comprometer o mercado legal não ajuda a combater o ilegal, eles, os ambientalistas, distantes da realidade, depositam suas expectativas e direcionam sua frustração para o óbvio: a falta de capacidade de fiscalização do aparato estatal de controle.
Não conseguem entender que um aparato de fiscalização “ideal” é simplesmente inviável, por seu custo e amplitude imensuráveis. Não conseguem entender, de outra banda, que os custos da fiscalização levada a cabo pelo Estado, extremamente elevados, são pagos pela sociedade, que, por sua vez, não vê nenhum retorno, embora conviva com o eterno paradoxo de concordar em financiar algo que não resolve nada, na singela esperança de que um dia venha a resolver.
Todavia, a pergunta permanece. Será que o mercado legal de animais silvestres aquece o mercado ilegal na Amazônia? A resposta é um sonoro NÃO.
A probabilidade de um produto comercializado no mercado legalizado acobertar ou aquecer o produto do mercado ilegal contraria todas as premissas da teoria econômica, sendo, desse modo, ínfima, inferior a 0,1% para alguns produtos.
Mas, como a ínfima probabilidade existe, parece ser suficiente para que o mercado legal não vingue e o ilegal prolifere. Que fazer?


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

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