domingo, 12 de agosto de 2012

Estudo do Inpe revela o óbvio: onde há fumaça, há fogo


* Ecio Rodrigues
Foram necessários 12 anos de espera para que uma resposta definitiva fosse dada à pergunta que era feita a cada estação seca: a fumaça que respiramos, e que tanto mal causa à saúde, provém das queimadas ocorridas no próprio Acre, ou é produzida em outros estados (Rondônia e Mato Grosso), ou ainda, no país vizinho da Bolívia?
A pergunta, na verdade, punha em dúvida a responsabilidade da população do Acre frente ao flagelo imposto pela fumaça - que, entre outras sequelas, fecha o aeroporto e enche os hospitais com crianças acometidas com graves infecções respiratórias.
Os governos, por seu turno, achavam cômodo e interessante estimular a dúvida. Afinal de contas, sempre que existe diluição de responsabilidades, as autoridades são as mais beneficiadas pela ausência, ou melhor, aparente ausência, de culpa.
Muitos pesquisadores e técnicos, a serviço ou não de governos, envolviam-se na discussão infrutífera acerca da origem da fumaça no Acre. Saber de onde viria a fumaça se tornou, infelizmente, uma prioridade inútil de alguns ingênuos úteis. Claro que o que importava, tanto para os pesquisadores, quanto para a população em geral, era a fumaça em si, e de que maneira ela poderia ser evitada ou minimizados os seus efeitos.
Mas, enquanto a hipótese falsa da origem da fumaça criava uma cortina de fumaça (perdoe-se o trocadilho), os governos se abstinham, os pesquisadores se entretinham, e a vida no estado se tornava um martírio por não menos que 60 dias, entre os meses de julho a setembro, ano após ano.
E esse falso dilema técnico-ambiental teria permanecido por mais um bom tempo, não fosse a atuação exemplar do Ministério Público, federal e estadual, que tomou a iniciativa de perguntar ao Instituto de Pesquisas Espaciais, o Inpe, de quem era a culpa pela fumaça jogada nos céus do Acre.
Cabe destacar aqui o acerto em se acionar o Inpe, que é a maior autoridade científica do Brasil para monitoramento e análise dos temas relacionados às queimadas, fumaça e alterações no clima. Vale dizer, a resposta do Inpe, agradando ou não, teria  caráter definitivo.
E a resposta, que colocou a responsabilidade pela fumaça do Acre nas costas de ninguém menos que os próprios acreanos, não poderia ser mais óbvia: onde há fumaça, há fogo. Não existe mais qualquer dúvida quanto ao fato de que, no Acre, a fumaça é oriunda das queimadas realizadas em território estadual.
A resposta do Inpe, que deve ter desagradado os que esperavam culpar os bolivianos por mais uma das mazelas estaduais, chama atenção para as consequências perigosas do uso público de hipóteses científicas de difícil comprovação.
Ocorre que, enquanto havia dúvida em relação à origem da fumaça, não se realizavam ações de política pública para se resolver a catástrofe. Ora, como se poderia resolver um problema criado em outros lugares?
Em sendo assim, estimular a dúvida se tornava a melhor e mais cômoda ação de política pública - a ponto de ninguém, em momento algum, questionar que o Acre teria que adotar como prioridade zerar a queimada, para somente depois perguntar de onde viria a fumaça. Mas o combate a esse maléfico procedimento é algo que os governos relutam em fazer, por entenderem que o pequeno produtor precisa queimar para comer. Um raciocínio bastante comum, aliás, embora totalmente equivocado.
Assumindo-se que a resposta do Inpe inaugura um novo momento para tratar do polêmico assunto da fumaça, é chegada a hora de o Ministério Público cobrar das autoridades públicas a igualmente polêmica medida da Queimada Zero; pois os governos, acostumados que estão, podem querer continuar a estimular a dúvida.
Quando o Acre conseguir virar a página das queimadas, a sociedade perceberá que os dividendos econômicos e sociais serão bem superiores aos trazidos pela nefasta técnica; quanto a isso, não há a menor dúvida.
   
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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