terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sustentabilidade do dia a dia: palito de fósforos



* Ecio Rodrigues 
No cotidiano doindivíduos, inúmeras decisões de consumo são tomadas sem levar em conta certorequisitos relacionados à sustentabilidade. Ainda que, de maneira geral, as pessoas sejam sensíveis aos impactos ambientais decorrentes do modelo de desenvolvimento assumido pela humanidade, essa sensibilidade dificilmente se reflete nas pequenas decisões tomadas diuturnamente. 
O que acontece é que, diante da generalidade do conceito de Desenvolvimento Sustentável – cunhado e negociado durante a conferência da Organização das Nações Unidas que ficou conhecida como Rio 92” –, fica difícil para as pessoas interpretá-lo, ou melhor, traduzi-lo para a sua realidade diária. 
Preocupados, certamente todos estão, mas são poucos os que possuem informações suficientes para converter essa preocupação em critérios, a ponto de influenciar uma decisão comezinha, como a compra de determinado utensílio domésticoA bem da verdade, o movimento ambientalista deveria se voltar mais para incorporar a sustentabilidade no dia a dia das pessoas. 
A sustentabilidade está relacionada à matéria-prima e ao processo produtivo aproveitados na fabricação dos bens de consumo. Dessa forma, pode se dizer que os critérios que informam a condição de sustentabilidade dizem respeito à origem da matéria-prima e ao tipo de tecnologia que é empregada na manufatura ou cultivo de um produto. 
Evidentemente, não basta se imputar a rotulagem de “verdeecológico ou sustentável” para resolver-se o problema do impacto ambiental embutido em determinado processo produtivo.   
Não é porque se confere, por exemplo, a designação de “boi verde” a um rebanho bovino (em função de alguma condição aleatória), que a respectiva criação de gado, uma atividade que se caracteriza pela conversão da floresta em pastagem, pode ser considerada sustentável. Para a realidade amazônica, aliás, é impossível arrogar-se à pecuária qualquer atributo de sustentabilidade. 
Sendo assim, sob o ponto de vista da sustentabilidade, a decisão, em tese singela, entre comprar palitos de fósforos ou isqueiros embute a análise de uma série de elementos relacionados à matéria-prima e ao processo produtivo desses artigos, de forma que a escolha recaia sobre o apetrecho mais adequado aos ideais do desenvolvimento sustentável. 
No caso, a decisão acertada para a sustentabilidade é o palito de fósforos, porque para a fabricação desse produto utiliza-se a madeira, uma matéria-prima que é renovável, ou seja, que pode ser cultivada. A Populus nigra (ou álamo”, como é comumente conhecida), espécie empregada na produção de palitos de fósforospode ser plantada aos milhares para atender toda a demanda por acendedores que há no mundo. 
Já o isqueiro pode ser considerado o típico exemplo de um produto que deveria ser (certamente será) banido do sistema econômico. Quase toda a matéria-prima empregada na fabricação do isqueiro não é renovável e, o mais grave, é intensiva no elemento químico carbono, principal causador do efeito estufa e do conseqüente aquecimento global. 
Desde a cápsula que armazena o gás, que é fabricada em plástico ou outro derivado de petróleo, passando pelo próprio gás, e chegando até a pedra que faz a faísca e a válvula que regula a chama – esses artefatos são derivados de jazidas, matérias-      -primas não renováveisque um dia irão se extinguir. Ademais, ao ser descartado, o palito de fósforo se degrada no meio ambiente, o que não acontece com o isqueiro.  
Usar palitos de fósforos como acendedor: essa singela decisão de consumo ajuda o mundo a ser mais sustentável.   
      
 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). 

domingo, 21 de outubro de 2012

A Funtac e a sustentabilidade no Acre



* Ecio Rodrigues
Que está na tecnologia a resposta para chegar-se a um processo de ocupação produtiva, na Amazônia, que seja adequado aos ideais de sustentabilidade preconizados pelo mundo, não há a menor dúvida.
No entanto, converter-se a demanda por tecnologia em algo concreto é o que difere os países, as regiões, os estados federativos. E nesse ponto, Brasil, Amazônia e Acre deixam muito a desejar.
Por algo concreto, pode-se entender o investimento público e privado (muito estatal e quase nada empresarial para o caso amazônico) em quatro itens fundamentais, sem os quais não haverá tecnologia para ajudar a sociedade a resolver os percalços que surgem na busca pela sustentabilidade.
O primeiro item se refere à existência de pelo menos uma instituição para amparar as pesquisas, instalar laboratórios, fornecer estrutura física, enfim, dar suporte ao desenvolvimento de inovações tecnológicas. Uma instituição que proporcione o que os sociólogos chamam de “meio de cultura” para a tecnologia.
O segundo item diz respeito ao investimento em formação e salário dos pesquisadores. O meio de cultura será mais ou menos propício à concepção de tecnologia, dependendo, obviamente, do nível de formação dos indivíduos que atuam na área e da sua remuneração.
Mas, para além do salário dos pesquisadores, tecnologia também requer recursos anuais para investimento e custeio que não podem, em hipótese alguma, estar sujeitos a qualquer solução de continuidade. Recursos que devem ser planejados, por períodos previamente definidos, sob todas as garantias de que serão providos quando forem demandados pelos experimentos tecnológicos. A garantia de capital anual e permanente é o terceiro item crucial para a inovação tecnológica.
Finalmente, para a concepção de soluções tecnológicas que conduzam a Amazônia na direção da sustentabilidade é necessário haver consenso sobre o tipo de tecnologia buscada. Não adianta, por exemplo, resolverem-se os problemas tecnológicos concernentes à viabilidade da pecuária bovina, uma atividade intrinsecamente insustentável. A elaboração de preceitos que orientem a pesquisa tecnológica é, portanto, o quarto elemento para a tecnologia da sustentabilidade.
Sob ligeira análise, poderia ser dito que tudo isso ocorre no Acre. A Fundação de Tecnologia do estado, Funtac, está completando 25 anos de criação. A instituição abrigou e ainda abriga muitos profissionais com formação superior e elevado nível técnico. Por outro lado, existe, no estado, um fundo de apoio às pesquisas e uma política estadual de ciência e tecnologia.
Mas não é bem assim. A Funtac não tem o apoio que deveria ter, carece de laboratórios, de estrutura e, o mais grave, o órgão conta com menos de 10% da quantidade de pesquisadores que necessita. Igualmente, o fundo estadual não garante nem 10% dos recursos financeiros anuais exigidos pela demanda por tecnologia. Enquanto que não se sabe por onde anda, ou que fim levou, a política estadual de ciência e tecnologia.
Em meio a um ambiente desfavorável, em que à produção de tecnologia não é conferida qualquer prioridade, a Funtac, como instituição, e as pessoas que todos os dias ajudam a mantê-la merecem mais que parabéns pelos 25 anos, merecem medalhas.
Seria difícil computar-se a grande contribuição prestada pelas instituições envolvidas com o tema da pesquisa tecnológica na Amazônia para a conquista da sustentabilidade na região.
Mas uma coisa é certa: numa lista das três instituições amazônicas com maior currículo para a sustentabilidade, a Funtac constaria lá.

* Ex-presidente e admirador assumido da Funtac. Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Sobre a alagação de 2012 na várzea do Rio Amazonas


* Ecio Rodrigues
Em 2012, a cheia do inverno amazônico foi alçada à condição de alagação em diversas cidades da região. Os rios Acre e Purus castigaram as cidades de Rio Branco e Boca do Acre, respectivamente. Da mesma forma, o rio Negro inundou Manaus, e o Amazonas chegou às praças de municípios ribeirinhos, como Itacoatiara e Urucurituba.
Conforme asseguraram os estatísticos que monitoram os rios na Amazônia, chegou-se aos mais altos níveis de vazão, ultrapassando-se em muito a cota de transbordamento. Um novo índice começou a ser medido: o tempo de duração da alagação.
Acontece que quem ficou alagado, permaneceu assim por mais tempo que o habitual, porque a alagação durou mais de um mês. Os produtores ribeirinhos que ficaram alagados viram seus cultivos serem sacrificados, pela submersão e pela força da correnteza, durante muito tempo.
Ainda agora, no mês de setembro – quando o problema em alguns rios dessa exuberante bacia hidrográfica passou a ser a falta d’água, sob riscos elevados de ocorrência de secas extremas e de colapso no abastecimento urbano –, perdas irreparáveis são facilmente observadas. Essas perdas dizem respeito ao estrago que a água fez ao deixar submersa a produção praticada na beira do rio.
Em geral, as unidades produtivas existentes às margens do Amazonas praticam o cultivo familiar de alguns produtos agrícolas (milho, arroz, feijão e macaxeira), bem como a extração de alguns produtos florestais (como os frutos e o palmito do açaí e de outras palmeiras).
No entanto, a perda mais expressiva sofrida pelos ribeirinhos, na ausência de uma ocupação mais expressiva pela atividade pecuária, ficou por conta dos prejuízos nos cultivos de cacau.
Tanto os povoamentos mais antigos, cujas árvores foram plantadas ainda no início do século passado, quanto os mais recentes, foram reduzidos à metade. Não será exagero se falar em perda de 50% nesses cultivos.
A despeito de se caracterizarem por elevada rusticidade, os pés de cacaueiro não resistem à submersão por longo período, como ocorreu nessa última alagação. Todos os frutos que estavam em altura mais baixa e que permaneceram debaixo d’água por alguns dias apodreceram.
Além da submersão, a ampliação da vazão trouxe outras consequências danosas para os cultivos de cacau.
Ocorre que é difícil para as árvores aguentarem a força da correnteza. Ante a ampliação da vazão, há maior quantidade de água, que, por sua vez, corre sob maior velocidade. O que estiver no rumo da correnteza é levado, formando o que os ribeirinhos chamam de tranqueiras, que derrubam e arrastam as árvores que estão no caminho, que, por sua vez vão se acumular na própria tranqueira ampliando seu potencial destruidor, como o efeito bola de neve.
Agora, na seca, os estragos nos cultivos de cacau estão bem visíveis. Uma vez que os ribeirinhos estão ocupados com a pesca (que é boa enquanto o rio baixa), somente daqui a alguns meses, com a proximidade do inverno e uma nova estação de chuvas, é que as árvores deverão ser podadas, e aquelas que arriaram deverão ser abatidas.
Os povoamentos, reformados à força das águas, ou das alagações, começarão a frutificar novamente a partir de janeiro, fornecendo uma safra que, espera-se, compense a safra que acabou de se perder.
O ciclo será renovado; a várzea do Amazonas, com cada vez menos mata ciliar, continuará sendo exuberante; e as pessoas continuarão a achar tudo muito natural.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Parlamentares insanos aprovam fim da mata ciliar


* Ecio Rodrigues
De cada 5 parlamentares brasileiros, 3 votam a favor do agronegócio, 4 são contrários a toda e qualquer proposta que represente preocupação com a sustentabilidade ecológica, e 5 aprovam o fim da mata ciliar.
Três em cada cinco dos nossos parlamentares – senadores e deputados federais que representam o povo e ocupam uma vaga no Congresso – votam a favor do agronegócio, não por possuírem um vínculo estreito com a atividade rural, ou seja, com a produção de soja ou de carne de gado. Fosse dessa maneira, seria compreensível o seu posicionamento.
Eles apoiam o agronegócio porque acreditam que o Brasil deve se consolidar, perante a especialização internacional das economias, como um grande fornecedor de matéria-prima agropecuária, as chamadas commodities. Um raciocínio insano, diante de tantas evidências contrárias e do pífio crescimento da econômica nacional.
Por outro lado, a maioria dos países associados à ONU (vale dizer, o que se pode chamar de “mundo”) exige do agronegócio, bem como de outras atividades industriais consideradas nocivas ao meio ambiente, as denominadas salvaguardas ambientais. São mecanismos destinados a restringir as atividades produtivas, de forma a adequar a economia do futuro aos ideais do Desenvolvimento Sustentável – a saber: o atendimento das necessidades das gerações atuais, sem pôr em risco o atendimento das demandas das futuras gerações. Trata-se, em última análise, de resguardar o planeta de um estrago ainda maior do que o já causado pela humanidade.
Contudo, quatro em cada cinco dos nossos parlamentares se posicionam contrariamente a qualquer tipo de medida que limite as atividades produtivas, não por considerar que os problemas relacionados à sustentabilidade poderiam ser resolvidos por meio da tecnologia. Se assim fosse, seria compreensível.
Na verdade, eles acreditam que se trata de uma conspiração internacional, promovida por organizações não governamentais estrangeiras, que contam com apoio de ambientalistas brasileiros, e que tudo seria capitaneado pelos Estados Unidos, que têm obsessão por manter os brasileiros em situação de extrema pobreza.
Novamente, um raciocínio insano, diante da indiferença com que os americanos tratam a América do Sul, e da fragilidade do movimento ambiental tupiniquim.
Por fim, existe uma preocupação generalizada, por parte da sociedade, em relação à quantidade e qualidade da água. Todo cidadão brasileiro já teve acesso a algum tipo de informação quanto à importância desse recurso natural, tanto para o consumo humano quanto para a geração de energia. Previsões indicam que a água, num futuro próximo, será o recurso natural mais valioso no mundo; a água valerá mais que a terra, por exemplo.
Mas, cinco entre cinco dos nossos parlamentares aprovaram o fim da mata ciliar, não porque rejeitam a tese que relaciona a quantidade e qualidade da mata ciliar à quantidade e qualidade da água que corre no rio. Isso até seria compreensível.
Eles aprovaram o fim da mata ciliar em face de uma espécie de acordo espúrio, que evidencia a leviandade com que a Câmara trata os assuntos de interesse da nação brasileira e a incompetência do Legislativo nacional para decidir sobre qualquer tema que exija profundidade de informação e um nível mínimo de formação.
Mas o que é insano mesmo é o nosso sistema eleitoral, que comporta senadores que não são eleitos e deputados que são eleitos sem votos (ou melhor, com os votos dos outros).
Resta esperar que a Presidente da República, que já demonstrou ter bom senso, conserte o estrago feito pelo frágil parlamento nacional.
Agora, mais que nunca: Veta Dilma!  

 * Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).