segunda-feira, 23 de maio de 2016

Para salvar o Fundo Nacional de Meio Ambiente



* Ecio Rodrigues
Em períodos de grave crise, como o que hoje se vivencia no Brasil, os governantes costumam tomar decisões impopulares – quer dizer, decisões que, em tempos normais, poderiam levar à perda de votos.
Geralmente, os primeiros setores afetados por esse tipo de medida vinculam-se a áreas que, provavelmente por razões de cunho cultural, não são consideradas prioritárias pela sociedade.
Dessa forma, projetos de política pública nos campos da Ciência, Tecnologia, Turismo, Cultura e Meio Ambiente, só para ficar nas pastas sempre mais prejudicadas, são postergados ou, simplesmente, retirados do orçamento estatal.
No caso específico da área ambiental, que desde meados dos anos 2000 tem seu orçamento direcionado quase que exclusivamente ao combate do desmatamento na Amazônia (com resultados preocupantes, por sinal), um eventual contingenciamento orçamentário levará ao adiamento ou ao cancelamento de projetos que dizem respeito a assuntos como gerenciamento de Unidades de Conservação; reciclagem de lixo; manejo florestal comunitário para produção de madeira na Amazônia; e assim por diante.
Ora, diante de tal realidade, exige pouco esforço imaginativo supor que o Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA, um dos principais (senão o principal) mecanismos de financiamento desses projetos postergados, perderá sua serventia, entrando para o rol dos órgãos considerados desnecessários.
Caberá à sociedade reverter esse processo. Para tanto, faz-se imperativa a demonstração de que existe demanda pública para manter o FNMA e garantir orçamento às carteiras de crédito do Fundo, diante de duas razões preponderantes: relação custo-benefício favorável e expertise acumulada.
Por relação custo-benefício pressupõe-se a prestação de um importante serviço a um baixo custo para os cofres da União. Contando com uma equipe reduzida de técnicos, o Fundo consegue gerir quantidades expressivas de operações de crédito, as quais, por sua vez, apresentam inadimplência irrisória.
Todos haverão de concordar que se trata de algo pouco comum no contexto da esfera pública brasileira, onde o habitual é a prestação de um serviço ineficaz sob um alto custo para a sociedade.
Sem embargo, a razão mais importante para a manutenção do FNMA é o investimento público já realizado na estruturação dum sistema estatal de financiamento de projetos que envolvem temas de interesse difuso e risco econômico, e que por isso mesmo não podem prescindir do apoio estatal.
Significa afirmar que, por mais que o Fundo tenha sofrido com a condição deletéria de seu orçamento, existe capacidade institucional e experiência acumulada para fazer chegar aos agentes que se encontram junto à realidade local – como organizações da sociedade civil e pequenas prefeituras – recursos do orçamento federal, de maneira ágil, segura e transparente.
Todos haverão de concordar que se trata de algo pouco comum no contexto da gestão pública nacional, onde são frequentes exemplos de desperdício, insegurança e desvirtuamento na aplicação do dinheiro público.
Salvar o FNMA é possível, mas será fundamental a atuação e a experiência das entidades que serão escolhidas, agora em 2016, para compor o Conselho Deliberativo do Fundo até 2018.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Fundo Nacional de Meio Ambiente pode fechar



* Ecio Rodrigues
É provável que a eleição das organizações que comporão o Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente, FNMA, seja uma das mais importantes da história desse mecanismo de financiamento, por uma razão simples: pode ser a última.
Existe risco real de fechamento, em vista da perigosa deterioração orçamentária observada nas carteiras de crédito do FNMA, que no decorrer dos últimos 10 anos sofreram perdas irreparáveis. Desnecessário discutir os números apresentados anualmente nos balanços do Fundo – quase sempre forçados, diga-se, no intuito de mostrar uma realidade virtual que protege o governo.
O fato concreto é que (como bem sabem as organizações da sociedade civil que tiveram relação de parceria com o FNMA na década de 1990) há muito tempo não existe disponibilidade de recursos para o financiamento de projetos ambientais – como aqueles voltados para a promoção do manejo florestal comunitário na Amazônia.
Além das organizações da sociedade civil, a falência do FNMA também atinge pequenas prefeituras (cidades com população inferior a 200 mil habitantes), que antes podiam contar com o FNMA para financiar ações relacionadas, p. ex., à coleta de lixo.
Tanto as organizações da sociedade civil quanto as administrações municipais, sobretudo no caso de regiões com economia reconhecidamente frágil, como a Amazônia, constituíam parceiros preferenciais do FNMA quando havia carteira de crédito para financiamentos.
Por sinal, o fato de priorizar as entidades que atuam na área ambiental forneceu lastro social para que o Fundo se tornasse um dos mais importantes instrumentos de execução da Política Nacional de Meio Ambiente, aprovada em 1981.
Com efeito, ao disponibilizar, a fundo perdido, recursos oriundos do orçamento federal para essas entidades, o FNMA contribuía para a mobilização da sociedade civil em torno de temas vinculados ao meio ambiente, direcionando o país para o rumo da conquista da sustentabilidade.
Melhor ainda, por meio do FNMA, as organizações se tornavam coexecutoras de uma política ambiental cuja operacionalização na esfera estatal encontra limites insuperáveis.
Por outro lado, por meio da parceria com pequenas cidades, o FNMA possibilitava que o orçamento federal influenciasse diretamente na realidade local. O contato com a realidade local, aliás, propiciou o financiamento de experiências pioneiras, que não teriam outros meios de se estabelecer.
Foi o caso da tecnologia do manejo florestal comunitário de madeira. Depois do FNMA, outros sistemas de apoio surgiram, e a tecnologia do manejo comunitário hoje se configura política pública prioritária para o combate ao desmatamento na Amazônia, fomentando iniciativas mais profícuas e eficazes que as dispendiosas e ineficientes ações de fiscalização estatal.
O FNMA também demonstrou pioneirismo ao apoiar projetos voltados para o fortalecimento da interação entre água e floresta. Por intermédio do “Edital de Nascentes”, lançado nos idos de 2005, o Fundo financiou a restauração de porções expressivas de mata ciliar, antecipando-se ao debate em relação a um dos temas mais polêmicos do Código Florestal de 2012.
O fechamento do FNMA pode ser um retrocesso perigoso, mas, em época de crise e mudanças políticas, o perigo anda à solta.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Será o fim do inverno amazônico?



* Ecio Rodrigues
Pesquisadores que atuam com climatologia e meteorologia na Amazônia vêm alertando, com mais veemência nos últimos 10 anos, para um fenômeno climático que pode alterar – de forma radical, advirta-se – o cotidiano de quem vive na região: o fim da estacionalidade.
Por estacionalidade entenda-se a divisão do ano em períodos distintos, caracterizados por condições específicas de clima, que vão provocar reações igualmente específicas por parte das plantas e dos animais.
Não é segredo para ninguém que a primavera é a estação das flores; significa que, no ano corrente de 2016, no caso do Brasil, país situado abaixo da linha do equador, a maior parte das plantas deverá florir entre 22 de setembro e 21 de dezembro.
A primavera é a estação que começa após o inverno e cujo término dá início ao verão. O outono, por outro lado, marca o interstício entre o verão e o inverno.
Nas zonas temperadas, onde as estações climáticas são bem definidas, como acontece no Sul do Brasil, o cotidiano é moldado a partir dos impactos causados pelo calor, pelo frio, pela floração das árvores, pela queda das folhas – só para fazer referência a alguma característica marcante de cada estação.
Na Amazônia, todavia, isso não acontece. Como dizem os mais experientes, na Amazônia só há duas estações, a seca e a chuva.
No tempo da completa ausência de infraestrutura, quando a pavimentação de ruas era um luxo desfrutado apenas em metrópoles como Manaus e Belém, dizia-se que essas duas estações eram a da lama e a da poeira.
Mas, a presença de lama e de atoleiros representa apenas uma das faces da “estação das chuvas” – a outra se refere ao aumento da vazão dos rios, que, por sua vez, leva à fartura das cheias, além de importar em melhoria expressiva na beleza cênica da paisagem.
As chuvas também sempre foram associadas à ocorrência de temperaturas mais amenas – por isso, o período das chuvas corresponde ao chamado inverno amazônico.
Seguindo à risca as efemérides das estações do ano, diga-se que em 21 de março último teve início o outono, assinalando-se o fim do verão. Na Amazônia, contudo, esse período costumava marcar o fim do “inverno”, ou seja, a ocasião em que começavam a rarear as chuvas e iniciava-se o “verão”, a época da seca, cujo auge acontecia ente agosto e setembro.
Mas já não é bem assim. Para os cientistas que monitoram as curvas de pluviosidade e a temperatura (para ficar nas principais variáveis), o fim da estacionalidade pode ser uma realidade. Significa afirmar que a distribuição anual das chuvas pode deixar de apresentar as variações que justificavam tanto o inverno quanto o verão amazônicos.
A se confirmar essa hipótese, o que certamente requer a continuidade das pesquisas envolvendo clima, meteorologia e interação entre água e mata ciliar, a vida na região terá que se adequar a alterações que dizem respeito a temperatura, disponibilidade de água, quantidade e intensidade de luz. Tudo agravado por ambiente e clima rigorosos, que não se compadecem dos que moram por aqui.
Será o fim do inverno amazônico? Pode ser. Mas a adaptação às novas condições do clima não será fácil.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Será o fim do verão amazônico?


* Ecio Rodrigues
Confirmando-se a hipótese que prevê a regularidade de distribuição, entre os 12 meses do ano, dos 2.000 milímetros anuais de chuva (número aproximado) que caem na Amazônia, não haverá diferença sensível que justifique a caracterização do inverno e do verão amazônicos.
Na expressão dos pesquisadores que acompanham as curvas de pluviosidade e temperatura na região, a histórica estacionalidade presente no clima tende a desaparecer, se for mantido o comportamento observado nos últimos anos.
Certamente que uma série de questionamentos surge diante da possibilidade de não haver mais as duas costumeiras estações. É importante alertar, todavia: não existe relação entre essa hipótese e a ocorrência de eventos extremos, como foi o caso da alagação recorde de 2015.
Na mesma medida, o tímido inverno que se observa agora, em 2016, e que tem apresentado precipitação reduzida, não traz necessariamente como consequência uma seca profunda a partir de julho. O raciocínio inverso também é válido, tendo em vista que a ocorrência de uma seca extrema não está, de antemão, descartada.
Como é fácil notar, é muito difícil fazer previsões sobre o comportamento do clima. Por sinal, nos últimos anos percebe-se certo frisson na mídia local quando se aproxima o tempo de perguntar: Vai alagar? Vai secar? Vai apartar?
Interrogações para as quais não existem respostas precisas, por uma razão singela: as perguntas estão erradas. Ocorre que análises sobre o comportamento de curvas de pluviosidade e outros parâmetros climáticos são realizadas com base em informações obtidas em séries históricas, que possibilitam estabelecer uma conexão estatística para reforçar determinada tendência, mas que não permitem nenhuma assertiva conclusiva sobre o futuro.
Contudo, a recorrência das perguntas sugere certa apreensão quanto ao que poderá ocorrer no futuro próximo. Sendo assim, diante da impossibilidade científica (e mística) de se prever o futuro quando o assunto é alagação e seca, 3 questões pertinentes deveriam ocupar os jornalistas.
A primeira delas diz respeito à existência de um sistema de alerta que permita se antecipar à tragédia, tal qual o modelo organizado e posto em funcionamento na Ásia no pós-tsunami. A experiência demonstra que a possibilidade de se prever o evento climático, mesmo que com pouco tempo de antecedência, reduz os efeitos nefastos das tragédias e os custos inerentes às obras de restauro.
Sistemas de alerta devem ser precisos, o que requer, além de investimentos em equipamentos sensíveis na detecção de alterações, a manutenção de equipe técnica permanente de monitoramento. Obviamente, quanto maior a antecipação mais eficiente será o sistema.
A segunda questão diz respeito ao que aqui se denomina “resistência pública”; ou seja, ao plano de contingência a ser seguido depois de acionado o alerta, o que envolve as estruturas passíveis de ser disponibilizadas para evacuação das populações, a existência de um fundo provisional para a cobertura de despesas e assim por diante.
Finalmente, a terceira questão se refere às ações a serem levadas a efeito, no médio prazo, para ampliação da resiliência do Rio Acre, isto é, para aumentar a capacidade de o rio assimilar e reagir a grandes flutuações de vazão.
O importante não é perguntar se a tragédia vai ocorrer, mas se estamos preparados para ela.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Fim do verão e do inverno amazônicos desafia resiliência dos rios



* Ecio Rodrigues
Parece que as pessoas ainda não se deram conta dos efeitos decorrentes das mudanças no clima em seu cotidiano. Aqui na Amazônia é possível que o desaparecimento da histórica estacionalidade que sempre dividiu o ano em inverno e verão faça finalmente a ficha cair, como se diz.
Primeiro, é sempre bom reforçar que, na Amazônia, o desmatamento e sua ampliação anual a taxas persistentes e superiores a 5 mil km2 está na raiz de todos os males, em especial no que diz respeito ao aquecimento global.
Significa afirmar, sucintamente, que duas prioridades deveriam ser assumidas pelos gestores públicos como emergenciais: o reflorestamento das áreas já desmatadas e a redução a zero do desmatamento a partir de 2016.
Dito isto, cabe analisar, num despretensioso exercício de presciência, quais poderiam ser as consequências se as duas estações climáticas regionais – denominadas de inverno (alta pluviosidade) e verão (baixa precipitação) – viessem a se confundir, a ponto de a distinção entre ambas não ser mais perceptível.
A palavra-chave, aqui, é “adaptação”.
Como se sabe, existe estreito vínculo entre o comportamento das florestas e as estações do ano, principalmente em função das alterações na oferta de três insumos que as plantas e animais valorizam muito: água, temperatura e luz.
Para usar o exemplo da oferta de luz, diga-se que o fotoperíodo (como preferem os agrônomos) é bem maior durante o verão (que corresponde ao inverno amazônico). Durante esta estação as plantas ficam expostas à luz do sol por um tempo mais longo; por conseguinte, observa-se ampliação da fotossíntese e da produção de flores e frutos, o que, enfim, costuma ser bastante admirado pela fauna silvestre.
Se não mais houver distinção entre o inverno e o verão amazônicos, tanto os humanos quanto a fauna e a flora terão que se adaptar às novas condições climáticas.
Muitos haverão de considerar que a ocorrência de uma única estação climática, durante todo o ano, pode representar maior estabilidade na vazão dos rios e encerrar o ciclo dos traumas relacionados às alagações, como a que aconteceu em 2015.
Enganam-se. A estabilidade na pluviosidade não significa necessariamente o fim de eventos extremos. Ainda que a vazão dos rios se mantenha durante a maior parte do ano em níveis médios, alagações e secas vão continuar acontecendo – uma vez que as causas desses eventos estão vinculadas a fatores como desmatamento, quantidade de carbono jogada na atmosfera, aquecimento do planeta e alterações no clima.  
A palavra chave, nesse caso, é “resiliência”.
Entendendo-se resiliência como a capacidade de o rio retornar ao estágio original depois de sofrer algum tipo de impacto ou pela ocorrência de eventos extremos, pode-se dizer que maior ou menor resiliência representa recuperação rápida ou lenta, respectivamente, após uma alagação ou seca.
A resiliência está diretamente relacionada à vazão do rio e, sobretudo, à quantidade de biomassa florestal presente na mata ciliar. Assim, a taxa de desmatamento evidenciada em determinada bacia hidrográfica irá interferir diretamente na resiliência dos cursos d’água que integram essa bacia.
A adaptação ao fim do inverno e do verão demandará pesquisas sobre a resiliência dos rios e a interação entre água e floresta. Mas isso, hoje, não passa de utopia.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.