sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

2015, o ano mais quente de nossas vidas

* Ecio Rodrigues
 Está cada vez mais difícil de encontrar, mas ainda existem os que acreditam que o planeta não está esquentando – pelo contrário, está congelando –, embora as temperaturas tenham batido recordes seguidos de elevação, mês a mês, durante todo o ano de 2015.
Como não poderia ser diferente e como assenta a aritmética, o somatório de recordes mensais fez com que o ano de 2015 fosse o mais quente de nossas vidas, desde que se iniciaram as medições planetárias em 1880.
Os dados, acompanhados de um alerta de urgência para tomada de atitude, foram divulgados na última quarta-feira, dia 20 de janeiro de 2016, pelos órgãos americanos considerados excelência mundial no assunto: Nasa e Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos, NOAA.
Para se ter uma ideia da gravidade que esses dados representam, a temperatura anual de 2015 aumentou em 0,90ºC, considerando a média do século XX. Ou seja, quase 1 grau acima da temperatura anual média observada no decorrer dos últimos 100 anos.
Os poucos que não acreditam na culpa da humanidade em relação ao aumento da temperatura, numa tentativa de desviar a atenção sobre o modelo de desenvolvimento atual, intensivo no uso de combustíveis fósseis (leia-se petróleo), haverão de jogar a responsabilidade sobre o fenômeno climático El Niño.
Sem embargo, os cientistas responsáveis pelas medições de temperatura são enfáticos quanto ao fato de que é simplesmente emergencial que a humanidade tome atitudes mais incisivas para reverter esse quadro – advertindo, inclusive, que o prazo estabelecido no histórico “Acordo de Paris”, assinado em 2015, pode ser intempestivo.
Conforme as metas assumidas pelos 192 países que assinaram o acordo (ou seja, praticamente o mundo todo), só a partir de 2030 seria levada a efeito uma série de intervenções, em especial as relacionadas à geração de energia sem petróleo, com vistas a impedir que o aquecimento do planeta chegue a 2 graus.
Os brasileiros, por exemplo, comprometemo-nos a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia e a ampliar a participação de fontes renováveis de geração de energia elétrica na matriz energética nacional, com foco na construção de hidrelétricas e no plantio de florestas para biomassa.
Essas metas afetam, evidentemente, o cotidiano da Amazônia e situam os amazônidas no centro das discussões. Mas não se veem iniciativas dos governos estaduais para cumprimento do compromisso brasileiro. Por outro lado, a despeito de terem sido recebidas como ousadas em 2015, as metas de zerar o desmatamento ilegal e de construir hidrelétricas podem vir a ser consideradas irrelevantes em 2030. É aí que reside o principal alerta dos responsáveis pela medição de temperatura.
2015 foi o ano mais quente de nossas vidas. Diante de tão grave constatação, espera-se que as decisões reconheçam a dimensão do problema. Significa afirmar que o desmatamento ilegal deve ser zerado em tempo mais curto e, mais importante, o desmatamento legal urge ser igualmente reduzido a zero antes de 2030.
O consenso do “Acordo de Paris” não deixa espaço para dúvidas e discussões desnecessárias. O planeta está aquecendo, esse aquecimento causa tragédias como secas, alagações e tsunamis, o que põe em risco a vida das pessoas. Simples assim.
A superação da era do petróleo é um imperativo mundial; a Amazônia e nós, amazônidas, devemos dar a nossa contribuição, já!


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Em 2015, Amazônia se distancia da sustentabilidade

* Ecio Rodrigues
Não devido à crise econômica e à irresponsabilidade com o orçamento estatal, mas é bom reconhecer, em 2015 a sustentabilidade na Amazônia ficou ainda mais distante.
Pontos negativos para reforço dessa tese não faltam. Alguns podem ser facilmente elencados, começando pela calamitosa alagação que castigou sem perdão o Acre e o sul do Amazonas (com destaque para a cidade de Boca do Acre), e que consumiu os quatro primeiros meses do ano, chegando até meados de maio em algumas localidades.
Além de chamar a atenção diante dos extremos de vazão alcançados pelos rios Acre e Purus, que apresentaram quantidade de água e concentração espacial assustadoras, a alagação atípica de 2015 alertou os pesquisadores para uma nova variável: o tempo de duração.
No caso do Estado do Acre, pela primeira vez, as áreas situadas sob a influência da bacia hidrográfica do Rio Acre foram submetidas a mais de 60 dias de níveis elevados de vazão – já que o rio, como se diz, teimava em não baixar.
E a despeito desse fato não ser levado em conta, a duração da alagação tem implicações diretas sobre os custos suportados pela sociedade. Quer dizer, o custo financeiro da alagação de 2015 foi bem superior, por exemplo, aos investimentos necessários para aumentar a resiliência dos rios. O que não foi feito até agora.
Sem embargo, a taxa de desmatamento está na raiz dos males que assolam a região. E embora exista farta comprovação científica quanto a essa constatação, a verdade é que, em toda a Amazônia, incluindo o Acre obviamente, a taxa de desmatamento em 2015 demonstrou uma dinâmica preocupante – para dizer o mínimo.
Por sinal, a ladainha da falta de alternativa econômica para o desmatamento não procede, carecendo de base científica. Trabalhos publicados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre outras instituições que gozam de credibilidade insuspeita, comprovam a superioridade, sob a ótica da sustentabilidade, de uma economia florestal para a região amazônica.
Apresentando, na atualidade, a madeira como produto prioritário, a organização dum Cluster Florestal com condições de colocar no mercado um leque com mais de 40 produtos e serviços pode ser a alternativa para futura geração de emprego e renda na região, embora dependa de ações urgentes no curto prazo. O que não foi feito até agora.
Para se ter uma ideia, o número de áreas de florestas entregues à iniciativa privada e à sociedade, para exploração sob o regime de concessão, é irrisório em face da quantidade existente e da demanda igualmente elevada.
Os gestores públicos responsáveis pelo Serviço Florestal Brasileiro provavelmente vão culpar a crise que se abate sobre o governo federal – o que não é de todo verdade. A legislação que regula as concessões de florestas públicas, que está completando 10 anos em 2016, prevê mecanismos que reservam certa autonomia diante das amarras comuns a um Estado ineficiente.
Para piorar, a inserção das Unidades de Conservação na dinâmica econômica da região, ponto também crucial para a consolidação do Cluster Florestal, retrocedeu em função da ampliação do desmatamento e da criação de boi no âmbito dessas áreas. Auditoria do Tribunal de Contas da União já comprovou a incompetência do órgão estatal que gerencia as Unidades de Conservação, conhecido pelo sofrível acrônimo ICMBio.
Sem a participação das concessões florestais e das Unidades de Conservação na dinâmica econômica não haverá floresta a ser manejada. Não haverá aproveitamento do potencial econômico da biodiversidade e nem gente ganhando dinheiro com isso.
Enquanto o desmatamento aumentar e o Cluster Florestal não vingar, a sustentabilidade na Amazônia estará cada vez mais distante.
  

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Água nunca será commodity na Amazônia

* Ecio Rodrigues
É provável que um aluno de ensino médio afirme sem titubear que a riqueza da Amazônia se encontra na floresta e na quantidade de água que interage com essa floresta. Estará enganado, e poderá ser facilmente desmentido pelas cifras de produção da região, que apresentam o agronegócio (carne de boi e soja) e a mineração como principais referências econômicas.
Com efeito, na Amazônia a terra, ou solo, é o fator de produção que gera riqueza atualmente, e não a floresta e a água que existem acima dela. A fartura de terra barata associada ao dinheiro do crédito estatal subsidiado atrai produtores para fazer o de sempre – desmatar a floresta, aterrar a hidrografia e criar boi.
Por sinal, depois de consolidada a ocupação no denominado Arco do Desmatamento, já não há dúvida: o crédito público oferecido na região amazônica atrai mais os produtores que o preço da terra. Significa afirmar que, para cumprir o compromisso estabelecido no “Acordo de Paris”, de zerar o desmatamento na Amazônia, um bom começo seria zerar o dinheiro do crédito rural que financia a pecuária na região.
Embora desmentido pela triste realidade, aquele aluno do ensino médio na verdade está correto. Pois, se hoje é a base do PIB regional, a participação do agronegócio tende a uma redução paulatina, por uma razão simples: o mundo não vai tolerar ampliar desmatamento, mesmo sob o argumento mentiroso da fome.
Todavia, a conversão de água em commodity exige bem mais esforço do que o empreendido até o presente. Em 08 de janeiro de 2016, a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, completou 19 anos sem que a gestão das águas tenha apresentado resultados significativos.
Existe uma máxima sobre recurso hídrico que a maioria costuma tratar com indiferença: a quantidade de água existente no planeta é sempre a mesma. Água não se forma nem se desintegra, e a disponibilidade desigual desse recurso no mundo configura uma geopolítica que poderá, no médio prazo, justificar graves disputas entre países. Em tal contexto, a Amazônia é uma região privilegiada, pois dispõe de uma abundante quantidade de água potável, o que lhe reserva uma posição especial naquela geopolítica.
Mas, como se diz por aí, grandes privilégios trazem grandes responsabilidades, e nesse quesito parece que a negligência estatal na gestão dos recursos hídricos na Amazônia não encontra limites.
Nos últimos 20 anos o país conseguiu aprovar um cabedal de legislação relacionada ao uso de recursos hídricos. Uma legislação um tanto exagerada, diga-se, mas que possibilitou estabelecer as regras de funcionamento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.
Ocorre que os órgãos estatais têm imensa dificuldade para gerir esse tipo especial de sistema, que, por sua vez, não consegue operar de forma integrada e funcional. Por outro lado, ao prever a precificação e a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos para empresas (estatais ou privadas), o sistema jogou sobre a Agência Nacional de Água, ANA, um encargo para o qual essa agência, na condição de órgão regulador, não está preparada.
Desde sua criação, em 2000, a ANA não consegue consolidar o sistema de recursos hídricos em âmbito nacional, e tampouco consegue levar a cabo as ações para efetivar a precificação, outorga e cobrança de direitos de uso da água.
É bem provável que a previsão de criação de Comitês de Bacia (muito participativos, como sempre) tenha ocasionado mais problemas que soluções. Como os comitês não funcionam, a ANA usa a incapacidade do comitê como justificativa para o emperramento do sistema de maneira geral.
Enquanto isso, a Amazônia vai se mantendo por meio da inglória destinação do dinheiro da sociedade para o financiamento da pecuária. E de água ninguém fala.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Animais selvagens amazônicos para PET

* Ecio Rodrigues
É mais fácil possuir um avestruz como bicho de estimação (PET, da sigla em inglês) do que um papagaio nascido e criado na Amazônia.
Essa afirmação, embora verdadeira, evidencia uma grande anomalia. Resta perguntar que tipo de diretriz técnica pode sustentá-la. Quer dizer, o que leva o Estado brasileiro a dificultar de forma tão drástica o licenciamento ambiental para a criação de animais silvestres, a ponto de criar esse tipo de contrassenso.
Na completa ausência de subsídios técnicos para sustentar o pressuposto de que a criação de animais amazônicos como PET pode acarretar danos ao ambiente florestal da Amazônia ou à economia da região, a resposta a essas perguntas mais assusta que conforta.
Os ambientalistas mais ortodoxos, aqueles que acreditam piamente que é possível impedir a exploração da floresta amazônica pelo homem, costumam considerar que os três maiores problemas ambientais que afligem a região são: lixo; queimada em quintais; e caça e captura clandestina de bichos na floresta para fins de alimentação e domesticação.
Trata-se de um grande equívoco. Por sinal, a quantidade de equívocos presentes nesses três “pecados capitais” é tamanha, que qualquer argumentação contrária exigiria muito mais que um breve artigo de jornal.
Mas, só a título de explicação, é importante deixar claro quais são os reais problemas ambientais amazônicos, cujo combate deveria concentrar os esforços de todos: desmatamento de florestas e queimada.
De qualquer forma, o ponto é que esse tipo de raciocínio tortuoso, que prescinde de justificativa técnica, frequentemente vigora nos órgãos de licenciamento, levando por sua vez ao entendimento de que a transformação de um papagaio em PET ajudaria a engrossar as estatísticas relacionadas à caça clandestina. Nada mais enganoso.
Durante toda a história da humanidade, muitas espécies foram tiradas do ambiente selvagem para servir aos seres humanos como fonte de proteína, como matéria-prima para indumentárias e calefação, e até como meio de transporte. No âmbito desses propósitos (alimentação, aquecimento, transporte), as espécies mais dóceis, aquelas que conquistaram a amizade das pessoas, se transformaram em bichos de estimação.
Em nenhum momento da história da relação do homem com os bichos de estimação houve interferência na população de animais existente em ambiente selvagem. Ou seja, caça clandestina e oferta legalizada de bichos de estimação são, como dizem os estatísticos, variáveis com comportamento indiferente entre si. Não há comprovação de influência de uma sobre outra.
Por outro lado, animais vendidos em criatórios legalizados jamais correram risco de extinção. Tome-se o exemplo dos bichos exóticos vendidos aqui no Brasil – como o avestruz acima citado.
A conclusão é que a criação doméstica de animais amazônicos vai, no médio prazo, ajudar a resolver pelo menos duas questões prementes e cruciais: reduzir o risco de extinção de espécies e, o mais importante, ampliar o valor do habitat desses animais, ou seja, da floresta.
Afinal, depois de mais de 50 anos de vigência das legislações de proteção à fauna – quer dizer, depois de 50 anos de fiscalização e aplicação de multas –, os animais silvestres amazônicos continuam ameaçados.
Óbvio, portanto, que esse não é o caminho. E o mercado de PET pode ajudar a transformá-lo.


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Saneamento não avança na Amazônia

* Ecio Rodrigues
Diante dos incontáveis estudos que já atestaram a importância do tripé de serviços públicos representado por coleta de lixo, oferta de água tratada para consumo humano e tratamento de esgoto, pode-se afirmar, sem medo de errar, que esses serviços, inseridos no que genericamente se classifica como saneamento básico, quando prestados de maneira precária, causam danos irreparáveis à saúde e ao bem-estar da população.
Não há dúvida científica, por outro lado, quanto ao fato de que os custos referentes à implantação desses serviços são bem inferiores aos custos resultantes da falta de saneamento. Todos concordam que os males decorrentes de um esgoto que corre a céu aberto são inadmissíveis para a realidade brasileira no século 21.
A despeito de tais constatações, contudo, observa-se uma inexplicável ausência de prioridade para o saneamento no âmbito da política pública, a ponto de a gestão desses serviços passar da esfera estatal para a empresarial e vice-versa, num jogo sem fim que não resolve o problema.
Embora a ampliação do conceito de saneamento tenha sido uma demanda da sociedade brasileira ainda na década de 2000, nenhuma meta foi alcançada, e o problema central da alternância entre gestão estatal e gestão privada se mantém sem solução.
Sob um espectro bem mais amplo, o conceito de saneamento ambiental abrange, além dos serviços de coleta de lixo e tratamento de água e esgoto, aspectos relacionados à qualidade de vida, com vistas à solução de problemas como degradação da paisagem urbana, impermeabilização do solo, desbarrancamento de encostas, desmatamento da mata ciliar dos rios, e assim por diante.
Todavia, uma avaliação breve e rápida do Atlas do Saneamento no país, publicado pelo IBGE em 2011, mostra que a precariedade na prestação de serviços relacionados ao tripé (lixo, água e esgoto) não somente continua como obedece a uma desigualdade regional preocupante.
Do Sul para Norte, a precariedade se amplia e, sobretudo com relação ao esgoto que corre a céu aberto na maioria das cidades, as consequências são assustadoras.
Ou seja, no final das contas, além de não se resolver o básico – lixo, água e esgoto –, ainda se ampliou o conceito de saneamento, enfocando questões mais abrangentes e, obviamente, mais difíceis de serem resolvidas.
É a típica situação que caracteriza a chamada “teoria do bode”: quando não se consegue resolver um problema existente, cria-se um problema novo – quer dizer, joga-se um bode no contexto.
Só para ficar no exemplo dos resíduos sólidos, ou melhor, da gestão do lixo produzido pela sociedade, a legislação de 2010, que introduziu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, embora tenha sido considerada um avanço, exigiu demais dos municípios.
Sem conseguir se adequar às estipulações da nova lei, as administrações municipais forçaram, excessiva e recorrentemente, a prorrogação do prazo para o fim dos lixões. Esse, por sinal, é um fato que merece toda a atenção e demonstra o quão estrambólico é o bode do saneamento ambiental.
Na Amazônia, a discussão sobre o fim dos lixões parece até piada. No Acre, um estado com economia persistentemente fragilizada, a imensa maioria das cidades convive com seus lixões e, o pior, boa parte se encontra na beira dos rios.
Isto é, quando chega o inverno amazônico, com as chuvas, o lixo vai rio abaixo.
Pelo menos nos próximos 10 anos, dos 22 municípios acreanos, mais da metade ainda terá um lixão para chamar de seu e, claro, para mandar rio abaixo.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.