segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

À espera de um novo acordo climático global

* Ecio Rodrigues

Representantes de mais de 190 países (ou seja, todo o mundo) estiveram reunidos, de 1º a 16 de dezembro de 2014, em Lima, no Peru, durante a vigésima Conferência das Partes (COP 20) da Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas, discutindo as bases de um novo acordo para a redução da produção mundial de carbono.
O número 20 indica que, depois da assinatura da Convenção sobre o Clima, formalizada na Rio 92, já houvera (obviamente) 19 reuniões, na tentativa – até então frustrada – de se estabelecerem metas que fossem efetivamente aceitas e cumpridas pelos países associados à Organização das Nações Unidas, ONU.
É inevitável, dessa forma, que se indague o que levava a crer que na reunião de Lima sobreviria algo novo e diferente do que vinha ocorrendo nos últimos 22 anos.
A resposta é simples: o fim da dúvida científica acerca do aquecimento do planeta e dos efeitos econômicos, sociais e ambientais dele decorrentes.
Acontece que, depois de concluídos um número absurdo de estudos, e após a ocorrência de furacões, tsunamis, alagações e secas – para ficar apenas nos sinistros mais comuns – a comunidade internacional já não pode apelar para a dúvida científica, tampouco para o princípio da precaução.
Superada a fase da incerteza e reconhecidos os riscos aos quais os países estão sujeitos, as negociações, em Lima, alcançaram um novo patamar, possibilitando que se obtivesse um resultado mais contundente do que as cláusulas de natureza voluntária estipuladas pelo antigo e prescrito Protocolo de Kyoto.
Espera-se que, ao consentir na pactuação de metas obrigatórias para a redução dos níveis de carbono lançados na atmosfera, as nações assumam sua responsabilidade, diferentemente do que aconteceu no âmbito do Protocolo de Kyoto, que perdeu a validade sem jamais chegar a ser concretizado.
As metas obrigatórias passarão a vigorar a partir de 2015 (com prazo de cumprimento previsto para 2020), uma vez que o acordo final deve ser assinado na COP 21, a ser realizada em Paris, em dezembro de 2015.
Na verdade, algumas iniciativas já demonstravam disposição para se encamparem compromissos mais substanciais. O caso da Alemanha é exemplar. O país assumiu, de maneira ousada, a meta individual de diminuir, até 2020, 40% de suas emissões de carbono (em comparação com os índices de 1990), sobretudo nos setores de energia elétrica e de transportes. Os países da União Européia se comprometeram com taxas semelhantes.
Até mesmo Estados Unidos e China, que sempre foram mais relutantes, firmaram, um mês antes da COP 20, acordo bilateral de investimentos mútuos em fontes energéticas consideradas limpas, a fim de superar o uso intensivo de carvão mineral e de petróleo.
Ao que parece, portanto, o momento foi mais que oportuno para avançar em dois pontos tidos como cruciais e que atravancaram as negociações nos últimos anos: responsabilidade diferenciada e financiamento de ações voltadas para o estabelecimento de uma economia de baixo carbono.
No primeiro caso, os países desenvolvidos devem assumir um ônus maior pelo aquecimento global, já que são os maiores emissores de CO². No segundo caso, essas nações devem compor um fundo que auxiliará os países em desenvolvimento na busca de alternativas ao uso do petróleo.
Esse é o caminho, não há dúvida.
Um caminho que começa com a valorização dos estoques de florestas nativas ainda existentes no planeta. O ecossistema florestal da Amazônia, por exemplo.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Pecuária é atividade que mais desmata na Amazônia

* Ecio Rodrigues

Estudo recente publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, em associação com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ainda com o Ministério da Agricultura, mapeou, por meio de imagens de satélite, o que está acontecendo com as áreas de floresta desmatadas na Amazônia.
A ideia é obter informações sobre as atividades produtivas responsáveis pela pressão pelo desmatamento na região – problema que persiste a taxas preocupantes, a despeito da redução de 18% apurada na última medição, que abrangeu o período de agosto de 2013 a julho de 2014.
Se o resultado do levantamento, por um lado, pode ser considerado óbvio e esperado, por outro, surpreende. O óbvio diz respeito à constatação, visível para quem transita pelas rodovias pavimentadas na Amazônia, de que a absoluta maior parte da área de floresta destruída se destina à criação de boi.
Até 2012, ano final do mapeamento por satélite, 60% do total de 751.340 km² de florestas desmatadas, equivalente a 18,5% de toda a área florestal da Amazônia, teve como propósito a implantação da pecuária de gado; apenas 5,6% da área desmatada é ocupada pela produção agrícola, com destaque para a cultura da soja.
Sem querer entrar na discussão sobre os eventuais benefícios econômicos e sociais que a pecuária possa trazer para a região, o que se observa é que nessa exorbitante área de 450,8 mil km² tomada pela atividade os indicadores de desenvolvimento humano não são nada animadores.
Por outro lado, surpreende a revelação de que 23% da área de floresta destruída apresenta vegetação sob algum estágio de regeneração florestal. Antes de qualquer coisa – e antes de concluir-se, romântica e simploriamente, como fizeram as autoridades que divulgaram o estudo, que a floresta está “voltando” –, cabe atentar para o fato de que 23% de toda a área desmatada não tem nenhum uso.
Para entender, sob algum racionalismo (e sem romantismo), o que acontece nesses 23% de área desmatada em que se detecta algum tipo de regeneração florestal é preciso, na ausência de qualquer outra hipótese, reconhecer que uma porção gigantesca de floresta foi desmatada inutilmente.
Não há razão plausível para imaginar que os proprietários rurais, de uma hora para outra, inspirados por uma espécie de altruísmo ecológico, tenham resolvido deixar a floresta regenerar-se em suas terras. Ou, de outra banda, que exista algum instrumento econômico de política florestal que torne a reconversão florestal de área desmatada uma atividade atrativa para o produtor.
Isto é, trata-se de áreas florestais que foram desmatadas e, depois, abandonadas. Só isso. Significa que o desmatamento foi supérfluo, desnecessário. E que o Estado brasileiro, de forma vergonhosa, tolera que florestas sejam em vão destruídas na Amazônia.
Por fim, há que se detalhar o estágio de sucessão vegetal no qual se encontram os 23% de área de floresta desmatada e abandonada.
Para encurtar a explanação técnica sobre Fitossociologia, disciplina que tanto agrada aos biólogos e engenheiros florestais, basta dizer que é enorme a distância – seja em termos conceituais, seja em termos de espaço de tempo – entre um pasto abandonado (“sujo”, na linguagem dos pecuaristas) e uma formação florestal secundária (“capoeirão”, na linguagem dos produtores).
Ou seja, a transição de um estágio pro outro pode levar 50 anos, e inclui uma série de etapas. Sendo que o surgimento do capoeirão nem de longe significa a volta da floresta.
Conclusão: a floresta não vai voltar por mera força do destino. É hora de acordar, porque isso, simplesmente, não existe!


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Monografia "QUALIDADE DA ÁGUA DO RIO ACRE NO TRECHO URBANO DO MUNICÍPIO DE RIO BRANCO: FATORES FÍSICOS E QUÍMICOS".

Olá, leitores do Blog. Hoje trago mais uma dissertação recentemente defendida pelo futuro engenheiro florestal Victor Carlos. Sua monografia faz uma análise físico-química da atual qualidade da água no Rio Acre. Para enfatizar a necessidade de melhorar a qualidade da água de uma das fontes de água mais importantes no abastecimento urbano de Rio Branco, o autor faz recomendações valiosas e lembra a necessidade de restauração das matas ciliares. Boa leitura!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Desmatamento no Acre em 2014 assusta

* Ecio Rodrigues

Diante da divulgação da nova taxa de desmatamento, alusiva ao período de agosto/2013 a julho/2014, fosse o Acre governado por outro grupo político, estaria sujeito à fúria do Governo Federal. Ocorre que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, o desmatamento recuou na Amazônia, e esse recuo só não foi maior por causa da perigosa elevação ocorrida no Acre.
Para explicar melhor. Os dados do Prodes (projeto oficial de monitoramento do desmatamento na Amazônia e que envolve as pastas de Ciência e Tecnologia e de Meio Ambiente), anunciados dia 26 de novembro último, demonstram, para a felicidade geral, que houve uma diminuição de 18% no desmatamento ocorrido na região, em relação ao período anterior.
Além de se tratar de uma excelente notícia, essa redução contraria todos os prognósticos suscitados em levantamentos parciais, evidenciando, por parte do Ministério do Meio Ambiente, uma forte disposição no sentido de reverter o que os especialistas chamaram de “repiquete do desmatamento” – em referência ao aumento detectado no intervalo entre 2012 e 2013, equivalente a 28%.
Ou seja, a comemoração é dupla. Reverteu-se o que poderia ser uma tendência de elevação e, pela segunda vez desde que se iniciaram as medições, o desmatamento na Amazônia foi inferior a 5.000 quilômetros quadrados (ficou em 4.848 km²). A primeira vez que isso ocorreu foi no período 2011/2012.
Essas são as boas novas. A notícia ruim, muito ruim, é que, no Acre, o desmatamento, longe de diminuir, aumentou em 41%.
A ampliação do desmatamento no Acre provoca, nos envolvidos com o tema, um misto de consternação e insegurança.
Consternação porque, diferentemente do que vem ocorrendo nos últimos cinco anos, o Acre sempre apareceu nas estatísticas anuais de desmatamento como um território exemplar, onde supostamente a preocupação com o meio ambiente seria superior à evidenciada pelos demais estados amazônicos. Ao que parece, todavia, não é bem assim.
Insegurança, porque a elevação do desmatamento no Acre envolve uma nova e perigosa dinâmica, já que as áreas desmatadas tomam as margens dos rios e, na maioria das vezes, são inferiores a seis hectares – vale dizer, remetem às pequenas propriedades. O controle do desmatamento em pequenas superfícies e na mata ciliar dos rios exige dos órgãos de monitoramento um esforço para o qual não estão preparados.
Insegurança, ainda, em relação ao futuro de uma imensa região coberta por florestas que abrigam, ou protegem, as cabeceiras de rios importantes, como Juruá, Purus, Acre, Envira e Tarauacá, somente para ficar nos mais conhecidos.
E por falar em Tarauacá, esse município contribuiu significativamente para o aumento do desmatamento no Acre. Diga-se, aliás, que ao longo de 2014, Tarauacá, Feijó e Manoel Urbano ficaram se revezando na lista dos 10 municípios que mais desmataram na Amazônia.
Pode ser que o aumento assustador do desmatamento no Acre não tenha nada a ver com a aprovação do novo Código Florestal em 2012 – lei que, de forma indireta, beneficiou o agronegócio. Pode ser também que não tenha nada a ver com a conclusão da pavimentação da rodovia BR 364 em 2011. E pode ser, ainda, que não tenha nada a ver com as políticas públicas levadas a efeito pelo governo estadual, focadas primordialmente na promoção da agropecuária.
Mas pode ser que tenha.
A extemporânea alagação ocorrida em Tarauacá foi uma advertência que não pode ser ignorada. Alguma atitude deve ser tomada, já.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

E nem tem hidrelétrica em Tarauacá

* Ecio Rodrigues

Muitos vão apelar para os resultados apontados pelos índices pluviométricos, chegando à constatação de sempre “que nunca choveu tanto num mesmo dia”. Outros, invocando a vontade divina, haverão de acusar São Pedro por ter exagerado na quantidade de água que fez jorrar do céu. E há ainda os que considerarão o evento uma mera casualidade, uma espécie de fenômeno inexplicável que pode ocorrer, digamos, a cada cem anos.
Em todas essas hipóteses, a conclusão é uma só: a responsabilidade pela alagação ocorrida nos rios Muru e Tarauacá, no município de Tarauacá, Acre, em 17 de outubro último, é unicamente da própria chuva.
Pôr a responsabilidade na chuva, afinal de contas, torna tudo mais fácil. Ora, se a culpa é da chuva, não existem culpados. Além da costumeira comoção social, das ações de assistência aos desabrigados, dos pedidos de suplementação de verba, não há o que fazer, não há soluções a dar nem causas a investigar.
A busca pelas verdadeiras causas, de outra banda, exige certo nível de formação e de informação. Exige ainda determinação política - primeiro, para admitir o problema; depois, para resolvê-lo. Mas, o fato é que, se não se chegar a essas causas, o evento tende a se repetir, da mesma forma como vem acontecendo com o rio Acre e com o rio Madeira.
Em Rondônia, por sinal, não só os céus são responsabilizados. A culpa também tem sido debitada (equivocadamente, diga-se) na conta das duas hidrelétricas construídas ao longo do rio, cuja instalação trouxe melhora significativa na dinâmica econômica local. Mas, como em Tarauacá não tem hidrelétrica, essa “justificativa” não vale nesse caso.
Enfim, ironias à parte, é necessário fazer um profundo trabalho de análise – com a ajuda de especialistas, evidentemente – para explicar o que ocorreu. E aí algumas premissas devem ser examinadas com atenção.
Nos últimos cinco anos, a pressão pela expansão da agropecuária na direção do Vale do Juruá, decorrente em especial da conclusão do asfaltamento da BR 364, ampliou-se de forma surpreendente, sem que os órgãos de controle ambiental se dessem conta do perigo.
Na verdade, os órgãos de controle ambiental ainda estão tentando entender a nova dinâmica do desmatamento. É que, se antes o desmatamento se localizava ao longo das rodovias e se caracterizava por grandes áreas, agora ocorre em pequenas propriedades (inferiores a seis hectares) e ao longo dos eixos dos rios.
Não dá para negar que as taxas de desmatamento e queimadas nos municípios de Manoel Urbano, Feijó e Tarauacá assumiram cifras arriscadas. Não à toa esses três municípios, juntamente com Cruzeiro do Sul, têm se revezado na lista dos 10 municípios que mais desmataram no período entre agosto de 2013 e julho de 2014.
Ademais, para promover a expansão da agropecuária no Juruá, políticas públicas foram desencadeadas no sentido de apoiar o produtor rural e melhorar o desempenho da economia com a instalação de indústrias baseadas no setor primário.
É óbvio que pluviosidades elevadas e concentradas vão trazer problemas de escoamento da água. Da mesma maneira, é evidente que o déficit de escoamento é multiplicado por mil quando a chuva cai num solo sem florestas.
Finalmente, é muito estreita a relação entre desmatamento e mudança climática. Essa constatação foi reiteradamente comprovada pelos cientistas em todo o mundo.
Parafraseando-se Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York: Alagação em Tarauacá em novembro – isso é mudança climática, estúpido!


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Novo marco legal das organizações da sociedade civil não inova

* Ecio Rodrigues

Recebida com expectativa pelas organizações do terceiro setor, ou organizações da sociedade civil, ou ainda organizações não governamentais, a Lei 13.019/14, aprovada em julho último e considerada o novo Marco Legal do Terceiro Setor, inova muito pouco na regulação da parceria que a Administração Pública mantém com essas entidades.
Na verdade, o pano de fundo da questão, que originou a demanda por um novo Marco Legal em substituição ao aprovado em 1999 (Lei 9.790/99), que instituiu a figura da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), refere-se ao financiamento público dessas organizações – ou, dizendo de modo mais direto, ao dinheiro recebido por elas para a execução de políticas públicas.
Considerou-se, um tanto apressadamente, que o sistema de cooperação estabelecido pela lei anterior, no qual foi previsto o instrumento do Termo de Parceria como meio de efetuar o repasse de recursos públicos às entidades, precisava ser revisto.
O Termo de Parceria, deve-se esclarecer, foi muito pouco empregado nesses últimos 15 anos. Mesmo depois do advento do Marco Legal, os órgãos públicos continuaram a se valer do duvidoso instrumento do convênio, previsto na problemática Lei de Licitações (Lei 8.666/93), sempre que precisavam atuar em cooperação com as organizações da sociedade civil.
Para ser exato, tanto o Termo de Parceria como todas as demais inovações trazidas pela Lei 9.790/99 não resistiram à mudança de governo ocorrida a partir de 2003. Assim sendo, embora a promulgação dessa norma tenha representado um divisor de águas, um verdadeiro “marco” no contexto de um Estado que emergia de um hediondo histórico autoritário, não houve o menor esforço político – por parte de nenhum segmento ou partido político, diga-se – em prol de sua efetividade.
Todavia, a despeito da cobrança por um novo Marco Legal, a Lei 13.019/14 não avançou como era de se esperar. Provavelmente, a única inovação digna de nota e muito bem vinda diz respeito à desvinculação da Lei 8.666/93: a partir de agora, as entidades estão sujeitas a um procedimento específico para a contratação de serviços e de aquisições de bens, desobrigando-se do cumprimento das condutas impostas por essa legislação impraticável.
Ocorre que foram introduzidos dois novos instrumentos para a efetivação dos repasses financeiros às organizações da sociedade civil, o Termo de Cooperação e o Termo de Fomento. Ao que parece (não ficou muito clara a diferença entre ambos), o primeiro se aplica aos casos em que a demanda pela parceria provém do órgão público e o segundo, aos casos em que advém das próprias entidades.
Embora esses instrumentos não se diferenciem muito do antigo Termo de Parceria – que, por sinal, não foi revogado e ainda pode ser firmado –, eles substituem, de uma vez por todas, o mecanismo do convênio.
Mas, o fato é que, passados 15 anos, esperava-se mais do novo marco regulatório. A participação da sociedade na elaboração e execução de políticas públicas é apontada, em todo o mundo, como a forma mais aprimorada de democracia, não havendo dúvida que deve ser incentivada.
Sem embargo, as amarras que atravancam o exercício do serviço público não estatal se mantiveram. Ou seja, da mesma forma como ocorreu com o primeiro Marco Legal, o novo não conseguiu superar o fantasma da corrupção que contamina a relação entre os órgãos públicos e as entidades que prestam esse tipo de serviço.
O serviço público não estatal provido pelas organizações do terceiro setor consegue chegar aonde os governos encontram limites.
Essa tese, acolhida no mundo inteiro, deve ser aceita sem hesitação. Infelizmente, ainda não foi dessa vez que isso aconteceu.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Restauração do Igarapé Santa Rosa em Xapuri mobiliza instituições

* Ecio Rodrigues

Com o aporte financeiro da Fundação Banco do Brasil, a Associação Andiroba, em conjunto com a Prefeitura de Xapuri, e, ainda, com a Associação de Moradores do Bairro Baía e com o Fundo Mundial para a Vida Selvagem, WWF, irá construir 270 fossas sépticas, para atendimento das unidades habitacionais existentes ao longo da porção urbana do trajeto do igarapé Santa Rosa, no município de Xapuri.
Trata-se de uma iniciativa precursora e arrojada. Em primeiro lugar, diz respeito à aplicação de uma tecnologia social (ou seja, a fossa séptica), chancelada pela Rede de Tecnologias Sociais – que, por sua vez, é responsável pela certificação de recursos tecnológicos direcionados para a solução de problemas sociais.
A fossa séptica é considerada uma tecnologia social por suas características de baixo custo e instalação simplificada, e também porque contribui para reverter os graves problemas de saneamento e de despejo de dejetos domiciliares em afluentes urbanos. No caso em questão, a fossa séptica irá melhorar a qualidade de vida dos beneficiários, ao reduzir os riscos de doenças decorrentes da falta de saneamento, e, obviamente, ao despoluir o igarapé Santa Rosa.
O pioneirismo e a inovação do projeto podem ser constatados, em segundo lugar, diante da escala de atendimento que será alcançada: no perímetro da cidade de Xapuri, em todas as unidades domiciliares situadas ao longo das margens do Santa Rosa, serão construídas fossas sépticas.
Significa que mais de 90% dos dejetos atualmente lançados no curso d’água serão tratados pelas fossas. Como os resultados desse tipo de medida são bastante rápidos, a expectativa é que no curto prazo – vale dizer, já a partir de 2015 – ocorra uma melhoria expressiva na qualidade da água que flui no igarapé Santa Rosa.
Não se pode deixar de considerar, em terceiro lugar, o aspecto institucional do empreendimento, que será levado a efeito com a participação de um leque bem diversificado de organizações.
Além de dispor da expertise da Associação Andiroba, uma organização da sociedade civil qualificada como Oscip, e de recursos financeiros providos pela Fundação Banco do Brasil – na ordem de 500 mil reais –, a experiência conta com o envolvimento direto da Prefeitura de Xapuri e da Associação de Moradores do Bairro Baía, e com o apoio técnico do WWF e da Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre.
Na verdade, essas entidades e instituições vêm atuando no Santa Rosa desde o final da década passada. Para se ter uma ideia, foram concluídos seis estudos sobre a mata ciliar do igarapé e a população que vive na respectiva área de influência. Esses estudos, por seu turno, geraram informações que possibilitaram a elaboração do projeto aprovado pela Fundação Banco do Brasil.
No trecho rural do Santa Rosa, que corresponde a mais de 70% do traçado do igarapé, e onde se situam menos de 5% do total de habitações presentes em suas margens, estão sendo executados projetos de restauração florestal da mata ciliar.
A ideia é associar a restauração florestal (da mata ciliar) efetuada na parte rural do igarapé à despoluição promovida pelas fossas sépticas construídas na zona urbana – no intuito, por um lado, de melhorar a qualidade e a quantidade da água que corre no afluente, e por outro, de evidenciar que, mediante o emprego de tecnologias de baixo custo e adequadas à realidade local, é possível recuperar os milhares de igarapés que cortam as áreas urbanas da Amazônia e que se encontram em situação de completa degradação, em função do recebimento de dejetos.
Encontrar soluções locais que valorizem a vocação florestal da Amazônia é a saída mais rápida e mais barata para a maioria dos nossos problemas.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Economia florestal na Amazônia adiada para 2073

* Ecio Rodrigues

Na verdade, a manchete que ganhou os noticiários, como se fosse o fato mais normal e corriqueiro, que dispensasse qualquer tipo de questionamento, foi: “Zona Franca de Manaus prorrogada até 2073”. É provável que até lá a maior parte dos parlamentares que aprovaram a dilatação desse prazo (senão todos) já tenha morrido. Vão deixar as graves consequências de sua decisão para as próximas gerações.
Deve ser difícil encontrar na história recente dos países capitalistas um paralelo – ou seja, um caso de subvenção estatal concedida por mais de cem anos (1967/2073), em benefício de alguns setores produtivos. Por meio de simples bom senso é fácil concluir que, se uma atividade econômica requer, para viabilizar-se numa determinada região, um prazo tão longo de subvenção (leia–se isenção de tributos), é porque alguma coisa está errada. Muito errada.
Mas os parlamentares, por cegueira ou interesse pessoal, entenderam de forma diferente e, o pior, a imprensa também. Talvez por isso nenhum partido político ou autoridade pública, com ou sem mandato, tenha ousado se posicionar contrariamente à Emenda Constitucional 83/2014, aprovada por unanimidade no dia 05 de agosto último.
O que mais impressiona nesse episódio é que a justificativa concernente a uma pretensa importância econômica da Zona Franca de Manaus foi sendo, aos poucos, substituída por uma frágil – e insana – alegação relacionada à suposta importância ecológica das empresas ali atuantes. As montadoras de motocicleta, por exemplo.
Procurou-se, a todo custo e por um caminho que fere o intelecto, defender que sem os benefícios fiscais, concedidos sob um alto custo para a sociedade, as montadoras de quinquilharias partiriam para outras regiões e, pasme-se!, o desmatamento aumentaria, causando a destruição da Amazônia.
Ora, em primeiro lugar, onde o desmatamento entra nessa história?
A importância da Amazônia, em especial no que se refere ao estoque de florestas e água, é uma verdade comprovada pela Ciência. Da mesma forma, não há dúvida que o desmatamento da floresta resulta no comprometimento da quantidade e da qualidade da água produzida. Mas qualquer relação entre essas constatações e a permanência das montadoras na região foge ao raciocínio lógico.
Ainda assim, muitos dos defensores da Zona Franca alardearam o papel crucial da floresta amazônica na produção de água, no combate à estiagem, e assim por diante.
Em segundo lugar, esse argumento só poderia ter alguma validade se – e somente se – a intenção fosse a de ganhar tempo até a consolidação de alguma alternativa econômica baseada na biodiversidade. Pois é evidente que as montadoras vão partir para outra região quando não houver mais subsídios, ou quando os subsídios já não forem suficientes para tornar sua produção competitiva.
E, por uma série de razões que não cabem nesse artigo, é um completo absurdo supor que em 2073, quando as montadoras se forem, as indústrias, as de verdade, irão correr para Manaus, preferindo essa cidade a São Paulo ou a qualquer outra do Sudeste.
Na verdade, está no aproveitamento econômico da biodiversidade a chave para a manutenção do ecossistema florestal na Amazônia – o que poderá zerar, de forma definitiva, as persistentes taxas de desmatamento. Ademais, em termos de geração de emprego e renda, a exploração da diversidade biológica apresenta potencial bastante superior à produção de parafernálias.
A saída econômica e ecológica para a região se assenta num setor florestal forte e diversificado, como o que se propõe por meio do Centro de Biotecnologia da Amazônia, o CBA.
Porém, infelizmente, a urgência em se concretizar uma economia florestal na Amazônia vai ter que esperar bastante. Conversa para 2073.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Participação social em governos no pós-eleições

* Ecio Rodrigues
Os parlamentares, considerando-se a maioria dos senadores e dos deputados federais, repudiaram o Decreto Presidencial 8.246, publicado em maio de 2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social.
Segundo alegam (os parlamentares), o papel de monitorar a execução de políticas públicas seria do parlamento, e a participação social, na forma como estabelece o decreto, fere o princípio da independência dos poderes e retira atribuições constitucionais do parlamento nacional.
Na pior das hipóteses, na opinião dos congressistas, o Executivo estaria preparando um golpe contra os representantes eleitos, pelo povo, para discutir e votar as políticas públicas criadas em benefício, claro, do próprio povo.
E como, na política tupiniquim, as discussões que deveriam ser resolvidas no universo da política costumam ser atravancadas pelos interesses de cada um, as decisões acabam escorrendo para a esfera do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, certamente é lá que a participação social vai parar.
A rejeição dos parlamentares ao decreto da participação social tem fundamento.  Não obstante, não pode ser desconsiderado que, desde a redemocratização do país, iniciada no final da década de 1980 com o fim dos governos militares, vem ocorrendo um processo paulatino de envolvimento da população nas discussões sobre a elaboração – e, em alguns poucos casos, até mesmo na execução – dos programas sociais e políticas públicas.
Acontece que, se por um lado, cresce a expectativa por participação da sociedade na definição das políticas, constata-se, por outro, uma crise de representação sem precedentes.
Existe, como evidenciaram as manifestações de junho de 2013, uma indisposição da sociedade com a política em geral. E a principal causa dessa indisposição sem dúvida está no parlamento. Estatutos como o da suplência e do coeficiente eleitoral, que permitem que senadores e deputados sejam eleitos sem votos, são excrescências que custam caro à democracia e levam o parlamento ao descrédito e os eleitores à frustração.
Com a pressão popular por participação em alta, e com o parlamento desacreditado, o governo lança mão do sempre autoritário instrumento do decreto. Há de se convir, contudo, que, no contexto atual, seria difícil a aprovação de uma legislação que outorgasse à sociedade mais espaço de decisão política.
A nova política de participação social desponta 15 anos depois do surgimento do antigo Programa Comunidade Solidária, em cujo âmbito foi aprovada a Lei 9.790/99, norma que, juntamente com o Decreto 3.100/99, que a regulamentou, ficou conhecida como Marco Legal da Sociedade Civil.
Naquela época, a crise de representação política, em especial via parlamento, já era um fato. Por meio da definição de regras claras, o Executivo, sem apelar para o instituto do decreto, tentou regular a relação da sociedade civil com os governos eleitos. Infelizmente, nada disso vingou.
Agora, pretende-se ampliar a participação para além das organizações da sociedade civil, no intuito de chegar ao próprio cidadão. Não entrando no mérito de sua legitimidade e pertinência, trata-se, não há dúvida, de um projeto ambicioso, dispendioso e de difícil execução.
Com alguns exageros, o decreto presidencial procura organizar a participação do povo nos governos; se terá êxito, o tempo dirá.          


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

O Decreto da Participação Social

* Ecio Rodrigues
A publicação do Decreto 8.243/2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS, ocorreu em meio a muitas polêmicas. Algumas, necessárias; outras, nem tanto.
As necessárias se referem, por exemplo, ao uso do instrumento autoritário do decreto para o estabelecimento de uma série de mecanismos que permitem o envolvimento ativo da sociedade na elaboração e execução de políticas.
Sendo o artifício do decreto uma prerrogativa da Presidência da República, o Congresso, que seria o espaço para a proposição e discussão desse envolvimento social, ficou de fora. O argumento principal para impor a participação social por decreto diz respeito ao desgaste da política e, em especial, dos parlamentares.
Polêmicas menores foram levantadas, insinuando que o decreto confere excessivo arbítrio à população, retirando poderes constitucionais do parlamento. A bem da verdade, todavia, a atuação do parlamento se dá na aprovação ou não das políticas a serem executadas pelos governos, e a participação popular, numa fase posterior à instituição das mesmas.
É provável que o mais importante ponto do decreto seja a vontade explicitada pelo Executivo de converter a participação popular num Sistema. O que se espera, portanto, é que essa participação ocorra de maneira sistemática e sistematizada, isto é, de forma organizada, abrangente, permanente e, em certa medida, independente da vontade do governo no exercício do poder.
Diga-se, porém, que se trata de tarefa árdua, dispendiosa e demorada. As experiências esquecidas dos orçamentos participativos, que tanto empolgaram os partidos ditos de esquerda na década de 1980, são o melhor exemplo da dificuldade de concretizar-se a participação social no âmbito do Executivo.
O Decreto 8.243/2014 dispõe sobre nove possibilidades de participação social. O Conselho de Políticas Públicas, composto por ministros e representantes da sociedade, tem o objetivo de discutir a execução das políticas públicas. Para assuntos mais concretos e específicos – por exemplo, a construção de uma ponte sobre o rio Madeira – a participação da sociedade ocorrerá mediante o que se denominou de Comissão de Políticas Públicas.
Foram estabelecidas também uma Conferência Nacional, com o envolvimento de delegados escolhidos nos estados, e uma Ouvidoria Pública Federal, para acolher participações de indivíduos em casos pontuais. O decreto instituiu ainda o Fórum Interconselhos, uma instância em que o cidadão tem acesso a conselhos já instituídos por outras legislações, como o Conselho Tutelar e o Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama.
A norma prevê mais três expedientes de consulta e colaboração: Mesa de Diálogo, para esclarecimentos sobre eventuais reivindicações; Audiência Pública, perante a qual o cidadão expõe sua proposta para votação por uma plenária; Consulta Pública, na qual se obtêm informações sobre algum tema peculiar. Por fim, cria um ambiente virtual de participação social, que ficará permanentemente on line, em contato com a sociedade.
Difícil saber se o cidadão que foi para as ruas em junho de 2013 irá se sentir atendido pelo Decreto da Participação Social e se irá efetivamente engajar-se no Sistema ali instituído.
É certo, por outro lado, que os decretos podem ser alterados sem dificuldade. A cada eleição, governadores, prefeitos e presidentes assinam muitos decretos, prescrevendo todo tipo de coisa e cassando, sem cerimônia, normativas impostas por seus antecessores.
Num país em que – como se diz – existem leis que não “pegam”, só o tempo dirá se o Decreto da Participação Social vingará. É esperar para ver.
                                                       

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Os desafios do Conama no biênio 2015-17

* Ecio Rodrigues
Está deflagrado o processo eleitoral para escolha das 11 organizações da sociedade civil que representarão o movimento ambientalista no plenário do Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, no período de 2015 a 2017. Podem votar e ser votadas todas as entidades que se encontram em situação regular perante o Cadastro Nacional de Entidades Ambientalistas, CNEA.
Em meio às notícias sobre a retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia, sobre a crise da água na região Sudeste e, ainda, a respeito da “Paris 2015” (a 21ª Conferência da ONU sobre mudanças no clima, denominada de COP 21), as eleições para o próximo mandato no Conama adquirem grande significado.
Acontece que o Conama se configura, hoje, um dos mais importantes espaços de discussão de políticas públicas na área de meio ambiente. Dispondo de alta representatividade, decorrente de uma composição que conta com mais de 100 conselheiros, o plenário do Conama pode aprovar ou rejeitar regras que interferem no cotidiano de indivíduos, famílias e empresas.
Poucos se dão conta, mas a incansável batalha contra o desmatamento na Amazônia tem participação decisiva do Conama. Foi do colegiado que surgiram as mais contundentes exigências para coibir-se a ampliação da área destinada à pecuária na região. Afinal, já não existem mais dúvidas técnico-científicas quanto ao fato de que essa atividade é a maior responsável pela destruição das florestas amazônicas.
Também tiveram origem no Conama as normas relativas ao licenciamento ambiental de obras – a pavimentação de rodovias, por exemplo. A regulamentação de preceitos como a obrigatoriedade de elaboração de EIA/Rima permitiu mitigar os efeitos nefastos daquele tipo de empreendimento sobre a manutenção da floresta.
A relação existente entre o asfaltamento de uma rodovia na Amazônia, a promoção da pecuária e, finalmente, a ampliação do desmatamento é uma tese atualmente aceita em todos os círculos científicos. Pois o esmiuçamento dessa relação foi possível graças aos regramentos estabelecidos pelo Conama. Por sinal, a nova – e preocupante – dinâmica do desmatamento na Amazônia seguramente irá ocupar a pauta de discussão dos futuros conselheiros eleitos pelas entidades ambientalistas.
Diversos estudos e análises estatísticas sobre o comportamento da taxa de desmatamento nos últimos 10 anos apontam a retomada da destruição das florestas, com maior participação da pequena e média propriedade, em áreas inferiores a seis hectares e, o mais grave, afastadas das rodovias, dispersas ao longo do eixo dos rios. Vale dizer, essa nova dinâmica apresenta um componente assustador, uma vez que o desmatamento deixa de se restringir às propriedades próximas às rodovias para alcançar a área de influência das matas ciliares.
Esse movimento em direção à mata ciliar tem impacto direto na quantidade e na qualidade da água que corre no leito dos rios. O efeito mais drástico desse impacto pode ser observado na seca implacável que assola a região Sudeste.
A seca dos rios paulistas deixa evidente, por outro lado, que a controvérsia a respeito da largura mínima da faixa de mata ciliar, que acirrou os ânimos durante as discussões sobre o novo Código Florestal em 2012, está completamente superada. A crise demonstrou que já não se trata de determinar uma largura mínima de mata ciliar em função de critérios como a largura do rio. A questão agora é chegar à maior faixa possível de mata ciliar, a fim de evitar-se a falta d’água num futuro próximo.
Finalmente, como a realização da “Paris 2015” exigirá do Brasil uma posição categórica com relação às implicações das mudanças no clima, os ambientalistas terão que assumir postura ativa frente ao governo brasileiro.
E o que o Conama pode fazer para ajudar a resolver todas essas demandas? Tudo.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Certificação florestal é a garantia de sustentabilidade

* Ecio Rodrigues
A demanda pela certificação de produtos florestais ganhou força ainda na década de 1990. Certificar significa afixar, em cada artigo comercializado (uma tora de madeira, uma tábua de cortar carne etc.), um selo que diferencie o produto de seus concorrentes.
Ao estampar um selo num determinado produto, a indústria passa ao consumidor uma informação que é esperada, ou melhor, exigida por ele. No caso da certificação florestal da madeira explorada na Amazônia, essa informação expressa uma garantia: aquela madeira foi explorada de acordo com as técnicas de manejo florestal, ou seja, a exploração não causou danos à floresta ou às populações que nela habitam.
Essa garantia, obviamente, traduz uma grande responsabilidade. Por isso, antes, depois e, especialmente, no ato da exploração da árvore, numerosos procedimentos técnicos (princípios, critérios e verificadores da certificação) são executados tanto pelos organismos que fornecem o selo (os certificadores) como pelos empreendimentos que o recebe (os certificados).
Mas os produtores relutaram e ainda relutam em aderir aos princípios da certificação florestal. Primeiro, porque consideram o custo da certificação proibitivo, o que, em parte, é verdade; segundo, porque não entendem exatamente como podem se beneficiar com o selo verde.
A superação dessa relutância configura, seguramente, o maior desafio enfrentado pela certificação florestal. Acontece que a certificação não é imposta, como se fosse uma exigência para a extração de madeira na Amazônia. Não é uma regra, como ocorre com as questionáveis certidões negativas exigidas pelos órgãos oficiais para o licenciamento ambiental.
Diga-se, aliás, que a certificação é, por natureza, voluntária. Ao optar pela certificação, o produtor é levado unicamente por razões de mercado. Pode-se dizer que são duas as principais razões que movem o produtor: agregação de valor e permanência no mercado. Embora preço e permanência no mercado nem sempre andem juntos (uma vez que há mercados que exigem a certificação mas não aceitam pagar a mais pelo produto certificado), geralmente o produtor é convencido por ambas as razões – ou por uma delas.  
Para entender melhor. Se a madeira certificada for comercializada com adicional de 20% sobre o preço, os custos da certificação são compensados. Por outro lado, como alguns mercados exigem a certificação, para se manter nesses mercados o produtor tem que obter o selo. Esse é o caso, por exemplo do mercado europeu; vale dizer, só os produtos de madeira que obtêm o selo de certificação podem ser exportados para a Europa.
É condição elementar, ademais, que a certificação não envolva qualquer tipo de órgão público. Parece difícil entender a ausência do poder público, entretanto, o objetivo principal da certificação é a garantia. Acontece que órgãos estatais costumam ter problemas sérios de credibilidade, e sem credibilidade não há como garantir as garantias.
Em âmbito mundial, o FSC (Forest Stewardship Council) é considerado o principal selo para produtos de origem florestal e o de maior credibilidade para a produção florestal na Amazônia. Atualmente, 183 milhões de hectares de florestas no mundo são certificados pela organização. O FSC é estruturado em três câmaras de discussão (social, empresarial e ambiental), cujos membros aprovam em assembleia geral os princípios adotados para a certificação em todo o mundo.
No Brasil, a certificação florestal é uma realidade desde 1993, quando o Conselho de Manejo Florestal, o chamado FSC Brasil, iniciou suas atividades.
A certificação florestal é a garantia de que a produção de madeira na Amazônia é sustentável. Não é o Ibama, mas o comprador, quem exige essa garantia. 
  

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Monografia "Meta-análise da fenologia de espécies florestais com maior ocorrência na mata ciliar dos municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano, Acre"


Olá pessoal. Peço desculpas pela falta de atualização, mas tirei uns dias de férias e estava me preparando para um processo seletivo de mestrado na UFPB (isso mesmo!). Mudando de assunto, estou postando a dissertação da Engenheira Florestal Vanusa Nascimento, formada na minha turma da UFAC. Sua tese explora a tecnologia do IVI-Mata Ciliar nos municípios de Santa Rosa do Purus e Manoel Urbano. Vale a pena conferir!!! A seguir será postado sua monografia na íntegra. Boa leitura!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Rumos da Amazônia não é prioridade para presidenciáveis

* Ecio Rodrigues

Não é preciso se dar ao trabalho de avaliar os planos de governo elaborados pelos partidos políticos que mantêm candidaturas à presidência da república para constatar uma evidência: nenhum deles apresenta uma proposta que possa ser considerada contemporânea para a Amazônia.
Por proposta contemporânea entenda-se um conjunto de ações de política pública que se coadune com os ideais de sustentabilidade atualmente preconizados mundo afora. Uma política pública, enfim, que forneça ao mundo uma resposta convincente quanto às nossas responsabilidades no cuidado com o ecossistema florestal na Amazônia.
Excluem-se aí, de pronto, os partidos que, em relação à Amazônia, depositam suas expectativas num sentimento anacrônico e tacanho de soberania nacional. Ora, o reforço da soberania nacional não é e nunca foi prioridade para os amazônidas, e não leva a região a lugar nenhum.
Acompanhando de perto a exaltação da soberania há os partidos que acreditam que o problema da Amazônia reside no permanente risco de saqueamento impingido por gringos e multinacionais em busca das riquezas que a floresta abriga – o que costuma ser rotulado como biopirataria.
A histeria da biopirataria, contudo, a despeito de atrapalhar muito, não possui nenhum fundamento. Ao contrário, a história demonstra que foi a exportação regular de produtos florestais (sempre realizada às claras, diga-se) que possibilitou à região manter uma forte relação comercial internacional, propiciando a geração de emprego e renda e uma ocupação produtiva que, por sua vez, favoreceu o surgimento de cidades como Manaus e Belém, só para ficar nas mais populosas e estruturadas.
Outro ponto importante é que as ações de política pública voltadas para a conservação do ecossistema florestal amazônico sempre – sempre! – contaram com expressivo apoio e elevados recursos financeiros oriundos da cooperação internacional. Significa dizer que, não fosse, por um lado, a pressão internacional direcionada à conservação da floresta, e por outro, o elevado aporte de dinheiro para o custeamento de ações de conservação, os índices de desmatamento na Amazônia seriam hoje, seguramente, estratosféricos.
Excluindo-se as tolices da soberania e da biopirataria, restam ainda os partidos políticos que acreditam na falácia da Amazônia como celeiro do mundo. Apresentam-se como defensores de uma vigorosa produção agropecuária, ancorada na soja, no gado e na cana-de-açúcar, e que levaria a região a reviver os períodos áureos proporcionados pelos produtos florestais, como foi o caso da borracha.
Essa proposta, contudo – como mais uma vez a história recente demonstra – é insustentável. A pressão internacional não vai tolerar a ampliação do desmatamento. Embora poucos partidos defensores do agronegócio entendam, o fato é que sem desmatamento, não há produção agropecuária.
Voltando ao início do artigo, uma proposta contemporânea pressupõe a definição de ações a serem assumidas já em 2015, de forma que o desmatamento e as queimadas, as principais mazelas enfrentadas pela região, sejam solucionadas até 2025.
Há quem afirme que o mundo aceitaria uma taxa de desmatamento em torno de 3.000 quilômetros quadrados de florestas perdidas por ano, o que é um grande equívoco. A área é insignificante para o agronegócio, mas absurdamente extensa para ser desmatada todos os anos.
Igualmente, é equivocada a ideia, sempre defendida no meio político, de que a existência da Zona Franca de Manaus representa algum tipo de solução para a sustentabilidade.
Uma proposta contemporânea para a Amazônia pressupõe a geração de riqueza por meio da exploração permanente da biodiversidade. É a única saída.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Interação entre floresta e água na Estação Ecológica do Rio Acre

* Ecio Rodrigues

Não há dúvida científica acerca da estreita relação que existe entre as formações florestais e a quantidade e a qualidade da água que corre num rio.
Embora esse vínculo entre a água e a mata ciliar tenha sido desconsiderado durante as discussões que levaram à aprovação do Código Florestal, em 2012, e do decreto regulamentador do Cadastro Ambiental Rural, em 2014, os cientistas, por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, não pouparam esforços para alertar que o equilíbrio hidrológico de um rio depende, em grande medida, do que ocorre na mata ciliar presente em suas margens.
O esmiuçamento desse estreito vínculo é prioridade, em especial na Amazônia. Parece claro que a região que abriga uma das maiores bacias hidrográficas e a maior formação de floresta tropical do planeta deve se aliar ao esforço científico para responder as questões que ainda instigam os pesquisadores.
Essas questões se relacionam, por exemplo, às espécies florestais que compõem as matas ciliares, e ao tipo de consórcio (entre essas espécies) mais adequado para a restauração florestal dos trechos degradados – a maior parte, diga-se, em decorrência da criação de gado.
Determinados a investigar a importância das florestas para os rios, pesquisadores vinculados à Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre lograram aprovar, no âmbito dos editais publicados pelo CNPq, dois projetos de pesquisa voltados para o estudo da mata ciliar dos rios Acre e Purus.
Os importantes resultados obtidos em ambos os projetos incluem a definição de metodologia padronizada para o inventário e mapeamento por satélite da mata ciliar dos rios que cortam o território do Acre. Também compreendem a concepção de um indicador, o denominado IVI-Mata Ciliar, que possibilita a especificação das espécies florestais a serem empregadas na restauração florestal das áreas desmatadas.
Essas experiências, por sua vez motivaram a criação do Grupo de Pesquisa Interação Água e Floresta na Amazônia. O grupo, cadastrado no CNPq, dedica-se a estudar a influência das formações florestais presentes na Estação Ecológica do Rio Acre no nível de turbidez e vazão da água que abastece os oito municípios situados à jusante da nascente do rio.
Dando continuidade às pesquisas, no período de 08 a 25 de outubro próximo, uma expedição terá lugar na estação ecológica, localizada na cabeceira do rio Acre, no município de Assis Brasil, na fronteira entre Brasil e Peru.
Contando com o apoio do ICMBio, a equipe de pesquisadores irá subir o rio, de Assis Brasil até a estação ecológica, a fim de concluir as medições iniciadas em 2012, quando a mesma expedição foi realizada no período das cheias. Agora, os níveis de vazão e turbidez do rio, além da biomassa presente na mata ciliar, serão mensurados durante a seca.
Outro objetivo da expedição será a instalação de 10 parcelas permanentes, cada uma com 20 X 130 metros. Durante os próximos 20 anos, essas parcelas serão monitoradas, visando-se a: aferir a dinâmica florestal da mata ciliar; medir o fluxo de sedimentos e de água que chega ao rio; quantificar a contribuição da estação ecológica para a qualidade e a quantidade da água que chega nos municípios à jusante; e, o mais importante, precificar o serviço ambiental que a estação ecológica presta, de melhoria na qualidade e vazão da água.
Espera-se que num futuro próximo as empresas distribuidoras de água para abastecimento urbano, as unidades de produção agropecuária e as demais indústrias que dependem da água do rio Acre paguem por esse serviço.
Os valores arrecadados irão custear o manejo da estação ecológica – que, dessa forma, poderá produzir água de melhor qualidade e em maior quantidade. Nada melhor que um ciclo econômico virtuoso.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

TecFlorestal II - Segundo Encontro de Tecnologia Florestal no Acre

* Ecio Rodrigues

A cada dois anos os engenheiros florestais da Universidade Federal do Acre, Ufac, e os pesquisadores da Fundação de Tecnologia do Acre, Funtac, organizam o TecFlorestal. Motivação para analisar e discutir o conhecimento gerado sobre tecnologia de extração e uso das espécies florestais no Acre é o que não falta.
Além de oportunizar a divulgação de tecnologias, a série de eventos tem como objetivo promover discussões em torno do potencial de aproveitamento dos produtos oriundos da biodiversidade.
Em cada edição, uma determinada espécie presente no ecossistema florestal é escolhida, e os debates se voltam para as tecnologias disponíveis tanto para a exploração dessa espécie quanto para a obtenção de produtos com capacidade para gerar negócios.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que se nivela o know how a respeito dessa espécie, contribui-se para a organização de programas de pesquisas direcionados ao surgimento, no estado, de um mercado estruturado no ecossistema florestal.
Em 2012, no primeiro evento da série, a matéria-prima em evidência foi a taboca, ou bambu, como preferem alguns. Naquela ocasião, não houve dúvida quanto ao significado do manejo florestal da espécie para o assentamento de negócios sustentáveis no estado.
Diante da grande repercussão alcançada com a taboca, agora, em 2014, o TecFlorestal II dará continuidade às discussões, que irão se concentrar em duas linhas distintas: a dispersão nativa da espécie em território estadual, e a amplitude do emprego da taboca em mercados como o do mobiliário e o da construção civil.
A ideia é que o manejo florestal da taboca possibilite, de forma permanente e sustentável, o fornecimento de matéria-prima para um segmento empresarial com enormes chances de consolidação no Acre.
Por outro lado, o aproveitamento da espécie se configura em mais um dos setores produtivos que podem vir a integrar um futuro cluster florestal – ou seja, um aglomerado econômico baseado na exploração da biodiversidade, e que, por sua vez, pode levar ao estabelecimento de uma economia florestal na região, em contraposição à nefasta expansão da atividade pecuária.
A primeira e crucial resposta já foi obtida: existe ocorrência nativa de taboca no ecossistema florestal do Acre. Trata-se de uma área estimada em mais de 600 mil hectares coberta por tabocais, localizada nos municípios de Assis Brasil e Sena Madureira. Todavia, a “mancha de taboca”, como ficou conhecida ainda na década de 1980 esse enorme povoamento florestal, foi pouco estudada, tanto no que se refere ao manejo florestal da espécie quanto ao seu emprego.
As pesquisas realizadas em âmbito internacional e nacional (especialmente em São Paulo) confirmam o bambu como matéria-prima preferencial para aplicações em ramos tão díspares quanto o da indústria alimentícia e o da produção de papel e celulose, sem falar do poderoso, crescente e alvissareiro segmento econômico dos biocombustíveis.
Decerto que a domesticação de espécies florestais acarretou prejuízos para a Amazônia; sem embargo, se existe ocorrência nativa, a pesquisa em manejo florestal, objetivando-se a exploração sustentável da respectiva espécie, deve ser assumida como prioridade. Foi o que ocorreu no caso da borracha, da castanha-do-brasil, do cacau e drogas do sertão, da pupunha, da pimenta-longa; e não poderá ser diferente no caso da taboca.
O TecFlorestal II acontece de 22 a 26 de setembro, na Ufac. Todos lá!
Afinal, o uso econômico da biodiversidade, seja com a taboca, com a paca, com a madeira, ou qualquer outro produto florestal, é a única saída para a manutenção da floresta.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

FUNTAC e Engenharia Florestal da Ufac realizam TecFlorestal II

A cada dois anos, os engenheiros florestais da Universidade Federal do Acre e os pesquisadores da Fundação de Tecnologia do Acre, FUNTAC, organizam o TecFlorestal.
Em 2012, no primeiro evento da série foi possível iniciar a discussão acerca do aproveitamento de um produto florestal especial para a realidade do ecossistema florestal no Acre: a taboca ou bambu.
O TecFlorestal II, por sua vez, irá dar continuidade à discussão acerca do emprego da taboca na construção civil, na confecção de mobiliário e, talvez o mais importante, no manejo florestal dessa espécie.
A ideia é que o manejo florestal da taboca possibilite o fornecimento de matéria-prima, de forma permanente, para um segmento empresarial com enormes chances de consolidação no Acre.
Ocorre que a mancha de taboca, como ficou conhecida ainda na década de 1980 a imensa porção de florestas estimada em mais de 600 mil hectares cobertas por taboca e localizadas nos municípios de Assis Brasil e Sena Madureira, foi pouco estudada tanto no que se refere ao seu manejo florestal quanto na sua aplicação.
O TecFlorestal II vai ajudar a nivelar o conhecimento sobre o bambu e a taboca e contribuir para organizar um promissor programa de pesquisas voltado a consolidação de um negócio sustentável em torno do ecossistema florestal no Acre.
Todos lá, de 22 a 26 de setembro na Ufac.
Imperdível.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Repiquete do desmatamento na Amazônia pode ser tendência

* Ecio Rodrigues

Sob um extraordinário esforço do aparato de fiscalização, o que exige um dispêndio financeiro proibitivo para as frágeis economias estaduais, certamente é possível derrubar as taxas de desmatamento na Amazônia.
Não obstante, o que mantém as taxas baixas é a política pública. Ligeira análise da curva do desmatamento na Amazônia, desde o início da medição em 1988, permite confirmar com certa facilidade essa assertiva. O ciclo de elevação e decréscimo da intensidade do desmatamento é recorrente, com recordes assustadores em 1995 e 2004, quando mais de 27.000 Km2 foram transformados (a maior parte) em pastos.
O momento atual parece ser semelhante e, ao mesmo tempo, muito preocupante. Depois que uma redução inédita foi comemorada em 2012, quando pela primeira vez o desmatamento atingiu uma área inferior a 5.000 Km2, já no ano seguinte houve um acréscimo de 29%; agora, de acordo com dados preliminares já divulgados, de agosto a julho de 2014 houve ampliação superior a 28% em relação ao aumento de 2013.
Os números demonstram que o repiquete do desmatamento nos últimos dois anos é um fato. E embora seja cedo para apontar as razões que expliquem o surgimento de um novo e trágico ciclo de destruição das florestas amazônicas, pelo menos três versões devem surgir: a dos governos, a dos ambientalistas e a dos pecuaristas.
Alguns pontos, contudo, devem ser esclarecidos.
Em primeiro lugar, as discussões que levaram à aprovação do novo Código Florestal em 2012 expuseram a fragilidade do sistema político bicameral e da relação deste com o Poder Executivo. Num vai e vem sem precedentes, o Código transitou entre o Senado e a Câmara, e entre as duas casas e a Presidência da República, sem que se solucionassem as inconsistências presentes no projeto e que permaneceram na lei aprovada.
A maior parte das polêmicas envolveu dois tipos especiais de florestas, as Reservas Legais e as Áreas de Preservação Permanente, cuja manutenção é imposta às propriedades privadas. Além de confundir conceitualmente essas duas formações florestais, o Código Florestal reduziu, de forma drástica, a quantidade de florestas que deveriam ser mantidas nas margens dos fluxos d’água.
Essa redução põe em risco a quantidade e a qualidade da água que abastece, por exemplo, os reservatórios de hidrelétricas e as áreas urbanas. Ou seja, para garantir um pouco mais de solo para a agropecuária, cometeu-se a imprudência de se desprezar a constatação científica quanto à estreita interação que existe entre água e florestas.
Por outro lado, não pode ser desconsiderado que o atual repiquete do desmatamento apresenta uma dinâmica nova e alarmante. Mais de 80% das florestas desmatadas são áreas inferiores a 20 hectares e estão localizadas em pequenas propriedades. Ao observar-se a distribuição espacial dessas áreas, nota-se que elas se afastam das rodovias, avançando sobre as margens dos rios.
Ainda não dá para saber se essa dinâmica tem ou não vinculação direta com o novo Código Florestal. Os resultados obtidos com a efetivação do Cadastro Ambiental Rural, que levou a eternidade de dois anos para ser regulamentado, poderá esclarecer essa questão no próximo ano.
O Acre surge com destaque no repiquete do desmatamento. Os municípios de Tarauacá e Cruzeiro do Sul, incluídos na lista dos que mais desmataram em julho último, são retratos da nova dinâmica, representada pela presença expressiva da pequena propriedade e do eixo dos rios. Pode ser que a contribuição do Acre nesse novo e perigoso quadro nada tenha a ver com a extinção da Secretaria de Florestas. Pode ser que tenha.
Uma coisa é certa, só uma política pública que atente para o valor da floresta manterá o desmatamento na Amazônia num nível aceitável pelo mundo.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Concurso público para Chefe de Unidade de Conservação

* Ecio Rodrigues

Com a promulgação da Lei 9.985/2000 e do Decreto 4.340/2002 (que a regulamentou) estruturou-se, no Brasil, o complexo processo de criação e gestão das unidades de conservação. Complexo, em face, primeiro, das peculiaridades que caracterizam os ecossistemas existentes em território nacional, e segundo, da tentativa (frustrada, diga-se) de organizar as áreas representativas desses ecossistemas num sistema nacional, unificado e integrado.
Além de dispor sobre a criação das unidades de conservação, a norma legal também estabeleceu procedimentos para a gestão dessas áreas no período pós-criação. Dois desses procedimentos são cruciais: a elaboração do Plano de Manejo e a nomeação do Chefe da Unidade de Conservação, UC.
Para simplificar, o Plano de Manejo dita as regras de uso e gerenciamento da área; o Chefe da UC tem a responsabilidade de levar a efeito essas regras. Como acontece em qualquer empreendimento, um gerenciamento eficiente depende de regras claras (por isso o Plano de Manejo deve ser elaborado por profissionais habilitados) e de um bom capataz (por isso o Chefe da UC deve possuir formação em Planejamento e Gestão de Processos).
Deixando o assunto do Plano de Manejo para outro momento, a atuação do Chefe da UC, seja no caso das unidades incluídas no grupo de Proteção Integral, seja no caso das pertencentes ao grupo de Uso Sustentável, é sintomática em relação ao bom ou mau funcionamento dessas áreas.
Muitos defendem a tese, inclusive, de que as UCs precisam ser geridas como prestadoras de serviços ecossistêmicos, com possibilidade de arrecadar e gerir seu próprio orçamento. Nesse caso, o perfil do Chefe da UC teria que compreender também qualificação em Negócios nas áreas ambiental e florestal.
Todavia, a despeito de o exercício da função exigir formação específica, trata-se de um cargo de livre nomeação; ou seja, pode ser ocupado por qualquer pessoa nomeada pelo presidente do órgão estatal responsável pela UC (como o ICMBio, para as UCs federais). Assim, fica a critério do gestor nomear um funcionário público de carreira do próprio órgão ou acolher indicações efetuadas por grupos políticos locais, lideranças comunitárias, e assim por diante.
Não se questiona os avanços trazidos com a criação do ICMBio. O Ibama, órgão federal responsável pela gestão das UCs antes de 2007, não demonstrou, em toda a sua história, nem fôlego nem disposição para ir além das duvidosas ações de fiscalização. Sob a gestão do Ibama, as unidades de conservação só entravam na agenda do órgão no momento da assinatura do decreto de criação.
Não obstante, mesmo sob o comando do ICMBio, são raras as UCs que lograram êxito em cumprir os objetivos que justificaram o investimento público na sua criação. Por outro lado, são frequentes as situações em que essas áreas são confiadas a pessoas que, a despeito de suas boas intenções, não têm a habilitação necessária para gerenciar a UC, executando as decisões dimanadas dos conselhos consultivos e deliberativos.
A realização de concurso público para o exercício da função de Chefe de Unidade de Conservação, exigindo-se formação especifica em Engenharia Florestal, por exemplo, parece ser medida indispensável para outorgar efetividade à Lei 9.985/2000 e conferir eficiência às UCs. Mas o ICMBio ainda vai demorar para se dar conta disso.
As unidades de conservação, para alcançarem resultados, precisam de Plano de Manejo, de autonomia financeira e de orçamento especificado e imune a contingenciamentos.
Mas, antes de tudo, precisam ser gerenciadas de modo profissional por chefes qualificados, com capacidade técnica para tomar decisões operacionais e levar a cabo as ações previstas no Plano de Manejo da UC.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Sem Plano de Manejo, a unidade de conservação fica sem rumo

* Ecio Rodrigues

Com a aprovação da Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, SNUC, tornou-se obrigatória a elaboração do Plano de Manejo para orientar o gerenciamento dessas áreas.
A norma legal estabelece o prazo de cinco anos, contados a partir da criação da unidade de conservação, para a elaboração do Plano de Manejo pelo órgão responsável, como meio de “promover a sua integração [da UC] à vida econômica e social das comunidades vizinhas”.
Há que ser dito, antes de tudo, que esse prazo é muito longo. Contraria o bom senso uma espera de cinco anos para que a UC dê início à execução do Plano de Manejo e, desse modo, tenha condições de atender aos objetivos que justificaram o investimento da sociedade na sua criação.
A despeito de tal constatação, contudo, o que se verifica é que, em mais de 90% das situações o órgão gestor (como o ICMBio para as UCs federais) não consegue cumprir o prazo legal, e a UC fica à deriva.
Para piorar, quando o Plano de Manejo chega a ser elaborado (fora do prazo e a custos exorbitantes), geralmente o documento produzido não é satisfatório e precisa ser revisado. O inusitado é que o procedimento de revisão não tem prazo sequer para começar, quanto mais para acabar.
O que se observa é que existe um conjunto de embaraços que parecem insuperáveis e que impedem que o Plano de Manejo esteja pronto no momento em que se necessita dele, isto é, no período imediatamente posterior à criação da UC.
Além da confusão costumeira que se faz entre o Plano de Manejo da UC, que é uma exigência legal para licenciar a UC como um todo, e o Plano de Manejo das atividades produtivas, que é condição para o licenciamento de cada atividade econômica prevista no Plano de Manejo da UC, costuma-se esperar desse tipo de documento bem mais do que ele oferece.
O movimento ambientalista e os analistas dos órgãos gestores criam uma expectativa muito grande com relação ao Plano de Manejo, o que faz com que os requisitos estipulados para a aprovação desse documento sejam, em geral, exagerados.
Exige-se uma série de estudos, que vão da identificação de alguma espécie rara (uma determinada orquídea, por exemplo) ao inventário de pelo menos quatro grupos faunísticos (mastofauna, herpetofauna, avifauna e ictiofauna), o que eleva o custo da elaboração dos Planos de Manejo a montantes proibitivos, principalmente para as frágeis economias locais da Amazônia.
Por outro lado, nota-se uma considerável dificuldade, tanto no aspecto técnico quanto no político, para a particularização das questões que realmente devem ser objeto de estudo no Plano de Manejo da UC.
Dessa forma, pontos polêmicos – como a definição de zonas de produção e de zonas intangíveis no interior da UC; determinação da zona de amortecimento da UC, em face das divergências presentes na legislação vigente; e identificação de cenários de curto e longo prazo que ameacem ou promovam a UC – são precariamente analisados, dificultando o uso do Plano de Manejo como o instrumento de gerenciamento que ele deveria ser.
A conclusão é que, passados quase 15 anos da aprovação do Snuc, poucas UCs possuem Planos de Manejo finalizados, pouquíssimas conseguem elaborá-lo no prazo legal e quase nenhuma UC executa as prescrições contidas no documento, como evidenciou a auditoria do Tribunal de Contas da União realizada em 2013.
Sem Plano de Manejo, a unidade de conservação fica sem rumo, sujeita aos caprichos da Fiscalização. Que, como todo mundo sabe, não muda nenhuma realidade.

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.