terça-feira, 2 de agosto de 2016

Pesquisar a interação entre água e floresta na Amazônia é prioridade

* Ecio Rodrigues
Como o Código Florestal promulgado em 2012 levou a proporções mínimas a largura obrigatória da faixa de mata ciliar em propriedade particular na Amazônia, a quantidade de biomassa presente nesse tipo peculiar de formação florestal foi reduzida substancialmente.
Ao deliberar dessa forma, os parlamentares foram de encontro às conclusões científicas, já que a importância da mata ciliar para a manutenção dos recursos hídricos é fato comprovado. Essa importância, lamentavelmente, é tão grande quanto a negligencia dos legisladores.
Nesse quadro, amplia-se a responsabilidade das instituições envolvidas com pesquisas na Amazônia, que não podem desconsiderar a relevância de se promoverem estudos sobre a função da mata ciliar, sobretudo diante da constatação de que um doloroso (e provavelmente longo) processo de adaptação à nova realidade climática irá ocupar o cotidiano dos amazônidas.
Afinal, existe estreita vinculação entre os parâmetros climáticos (temperatura, pluviosidade e fotoperíodo), o ciclo hidrológico dos rios e a quantidade de florestas existentes na área de influência de cada bacia hidrográfica.
Nos últimos dez anos, uma série de pesquisas foi iniciada com o objetivo de analisar a interação entre água e florestas na Amazônia. Em que pese a costumeira timidez com que os investimentos estatais são direcionados para esse fim, produziu-se um instigante cabedal de informações.
No final da década de 2000, o CNPq publicou dois editais que suscitaram a apresentação de projetos com o propósito de analisar a mata ciliar dos rios amazônicos, em especial no que se refere à oferta de recursos hídricos no âmbito das pequenas propriedades dedicadas à agricultura familiar.
Esperava-se, por sinal, que os resultados obtidos com esses projetos levasse o CNPq, na condição de agência de financiamento, a publicar um novo edital com objetivos mais ousados e mais específicos. O que ainda não aconteceu.
Alternativas para o financiamento de projetos com foco na extensão e desenvolvimento tecnológico também surgiram na mesma época. Outras agências de financiamento, operadas pela iniciativa privada, como indústrias e bancos, se uniram ao esforço de gestão dos recursos hídricos.
Cabe destacar, ainda, ações recentes que derivam, principalmente, da tentativa de oferecer respostas a eventos extremos. Em decorrência das alagações ocorridas em 2010, 2012 e 2015, os governos do Amazonas e Acre, os mais atingidos, instituíram programas de apoio à restauração florestal de mata ciliar nos rios diretamente impactados.
Embora essas iniciativas tenham procurado não tocar na raiz do problema – o desmatamento causado pela expansão da atividade pecuária na área de influência das bacias hidrográficas –, porções expressivas de mata ciliar em estágio crítico de degradação começaram a ser restauradas.
Contribuindo nessa discussão e na esperança de influenciar as agências de financiamento, com prioridade para o setor privado, o Grupo de Pesquisa Interação Água e Florestas na Amazônia, que contempla um conjunto de 15 linhas de pesquisas, foi certificado no CNPq ainda em 2012.
Aos interessados em encontrar respostas sobre o futuro das florestas e dos rios na Amazônia, uma dica: o caminho está aberto.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Passados 10 anos, Concessão Florestal não deslancha na Amazônia

* Ecio Rodrigues
Recebida sob muita expectativa, a Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada em 2006, veio acompanhada de grande polêmica em relação à exploração do tão propalado potencial da biodiversidade no ecossistema florestal da Amazônia.
Passados 10 anos, todavia, a concessão de áreas públicas de florestas para exploração pela iniciativa privada não deslancha. Há quem alegue excesso de burocracia, há quem aponte insegurança jurídica (em função dos contratos de longo prazo), mas o fato é que se observa certa má vontade na estrutura estatal brasileira para lidar com as empresas.
Só para lembrar: a Lei 11.284/2006 faculta que, mediante a celebração do instrumento de Contrato de Concessão Florestal, o governo federal (estados e municípios seguem o mesmo princípio) delegue a um empreendimento privado (uma indústria madeireira, digamos) o direito de explorar uma determinada área de floresta pública.
Em geral, a floresta a ser objeto de concessão se encontra alijada da economia local, ociosa frente ao processo produtivo e, o pior, à mercê da exploração clandestina.
Desnecessário dizer que exploração clandestina significa sonegação de impostos, desrespeito a leis trabalhistas, não geração de empregos – significa, enfim, o desatendimento a qualquer função social e, ainda por cima, favorecimento do desmatamento e de invasões.
A maior parte da população acredita que basta uma fiscalização eficiente para se garantir a integridade das florestas públicas. A experiência demonstra, contudo, que, a despeito de todo o investimento já realizado, o aparato estatal de fiscalização nunca logrou impedir a invasão e a dilapidação dessas áreas.
De outra banda, uma ligeira leitura da história econômica da Amazônia é suficiente para constatar que sempre que um ativo florestal situado em local acessível é mantido ocioso sob a ótica econômica e sem a presença de comunidades, esse ativo se torna alvo de exploração clandestina, seja para a extração de um produto pesado como a madeira, seja para a extração de um produto leve como o linalol (extraído das folhas do pau-rosa).
A fiscalização é caríssima, a ponto de ser inviável. Além de exigir um dinheiro que o poder público não possui, a fiscalização ostenta uma relação custo-benefício extremamente desfavorável para a sociedade.
Por sinal, o deficitário retorno social e econômico apresentado pela fiscalização foi uma das principais justificativas para a instituição do instrumento jurídico do Contrato de Concessão Florestal.
Direcionada para retirar da ociosidade econômica, ou, dizendo de outra maneira, trazer para a dinâmica econômica uma quantidade expressiva de áreas de florestas estatais na Amazônia, a Concessão Florestal tem como objetivo, em última análise, a viabilização duma economia de base florestal na região, em substituição à criação de gado.
Trata-se de uma saída adotada por praticamente todos os países que dispõem de ativos florestais, e que resolveu o problema do desmatamento e da invasão dessas florestas.
Sem embargo de um irracional e excessivo “sentimento estatizante” (por assim dizer) presente na nossa sociedade, há que se admitir que, num país em que a ineficiência da gestão estatal é a regra, a delegação de responsabilidade facilita o monitoramento das florestas públicas, já que se tem a quem responsabilizar. Quer dizer, a própria sociedade pode cobrar resultados da empresa concessionária.
Apegar-se a nacionalismos estatizantes não adianta. Se a concessão florestal é uma solução para o mundo inteiro, é difícil imaginar que por aqui seria diferente.
  

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Serviço Florestal Brasileiro patina nas Concessões Florestais na Amazônia

* Ecio Rodrigues
Além de incluir no ordenamento jurídico brasileiro o instrumento do Contrato de Concessão Florestal, a Lei 11.284/2006, conhecida como Lei de Gestão de Florestas Públicas, também criou o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pela contratação das empresas concessionárias.
Depois de 10 anos, todavia, a quantidade de áreas de florestas públicas mantida em regime de concessão é bastante tímida (para dizer o mínimo), diante da quantidade de florestas em estoque.
Para uma ideia rápida dessa timidez, basta dizer que o Cadastro Nacional de Florestas Públicas (outra novidade trazida pela mesma legislação) assinala a existência de uma área total de 310,7 milhões de hectares de florestas públicas (até 2015), mas até 2016 apenas 482 mil hectares foram objeto de concessão para exploração de madeira.
Não é preciso muita matemática para perceber que os contratos vêm sendo assinados com inacreditável morosidade. Nesse passo – que, espera-se, não seja mantido – provavelmente só no próximo século toda a área de floresta passível de concessão estará sob exploração. Em vista da frágil realidade econômica vivenciada pelas cidades amazônicas, obviamente não dá para esperar tanto tempo.
Diversas razões são apontadas para justificar a demora na contratação das concessões: excesso de burocracia no processo licitatório, insegurança jurídica relacionada à celebração de contratos com 40 anos de duração, má vontade dos técnicos da área ambiental do governo para lidar com a iniciativa privada.
Trata-se de razões plausíveis e que remetem ao conturbado processo de elaboração e aprovação da própria legislação.
Ocorre que, além da tradicional polêmica em torno da dicotomia concessão versus privatização, que não leva a lugar nenhum, a norma legal traz uma série de incoerências que, por sua vez, não dão às concessões o respaldo técnico necessário, conferindo certa vulnerabilidade ao processo como um todo.
Há quem chegue a afirmar que o Ministério do Meio Ambiente, na época, foi pressionado pelos empresários e por técnicos e pesquisadores que atuam no setor florestal da Amazônia.
Quer dizer, mesmo sendo contrários às concessões e sem entender direito onde pisavam (uma situação que não era exatamente incomum na esfera ambiental do governo daqueles tempos), os gestores ministeriais teriam sido levados a formular lei regulando a matéria.
Segundo estudiosos, os entraves se encontram em cinco pontos fundamentais concernentes ao tema das concessões, pontos esses sintetizados, um tanto jocosamente, em cinco termos iniciados com a letra “p”: Prazo; Produto; Preço; Por quem (é feita a exploração) e Para onde (vai o dinheiro arrecadado). É o que se denominou “5 Ps”.
Esses pontos polêmicos, como não poderia ser diferente, foram objeto de normatização, porém, como as negociações foram contaminadas por manifestações nacionalistas, não houve a compreensão e o aprofundamento devidos.
Parece que faltou densidade técnica à equipe do Ministério de Meio Ambiente, que não conseguiu superar as acusações de políticos populistas e dos defensores de um Estado inchado e sem eficiência, relacionadas a uma suposta “venda” da Amazônia para as forças de mercado.
Um total disparate, mas que na ausência de embasamento e comprometimento técnico sobrepujou a discussão que era na verdade imprescindível, quanto à adequação da tecnologia do manejo florestal para a Amazônia.
  

* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Biodiversidade e 10 anos de Concessão Florestal na Amazônia

*Ecio Rodrigues
A ideia de que existe uma riqueza excepcional na floresta amazônica e que essa riqueza é motivo de cobiça internacional mexe com o imaginário da sociedade, sobretudo dos que vivem no Sudeste do país.
Essa perspectiva do Eldorado, herdada dos primeiros exploradores espanhóis e portugueses a pisar por aqui, reproduz-se com facilidade na sociedade, ainda que não passe de uma grande ilusão.
Em nenhum momento da história econômica da Amazônia, mesmo durante o breve e pujante ciclo da borracha (que teve início no final século XIX e foi até 1911), esse ideário de riqueza se concretizou. Como afirmam os cientistas, o que nunca aconteceu não pode ser verdade, é fruto de fértil imaginação.
No entanto, o fato de essa riqueza não ter sido descoberta até agora não incomoda muito; quando se supõe que isso pode não ocorrer nunca, a coisa muda de figura.
Acontece que ao mesmo tempo em que se acredita que a biodiversidade existente nas florestas da Amazônia é objeto de uma suposta cobiça internacional (quantas vezes não se afirmou que a cura da Aids pode estar ali?), também se impõe uma série de obstáculos à exploração dessa biodiversidade.
E nada melhor para exemplificar isso do que a lentidão e a dificuldade que caracterizam os procedimentos necessários para a celebração das concessões florestais.
O Contrato de Concessão Florestal foi instituído em 2006, pela Lei 11.284, que também criou o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável pela relação do governo federal com as concessionárias.
Por esse indispensável instrumento, empregado em todos os países que possuem ativos florestais de importância econômica, as empresas podem explorar áreas de florestas públicas, mediante a tecnologia do manejo florestal, para obtenção de produtos específicos, durante um período de 40 anos (no caso brasileiro).
Embora a eficácia da concessão florestal seja amplamente reconhecida mundo afora, notadamente no âmbito dos países que integram o sistema ONU, o surgimento desse instituto no Brasil gerou muita polêmica, e a lei foi acusada de autorizar a privatização das florestas, em especial na Amazônia. Um total contrassenso, que reflete por sua vez um ingênuo e ultrapassado senso de preservacionismo.
Diga-se, em primeiro lugar, que a exploração da floresta na Amazônia, desde o tempo das drogas do sertão, há cerca de 400 anos, sempre foi realizada por empresas, nunca por um inapto órgão público. Por outro lado, a participação da iniciativa privada é demonizada sem qualquer embasamento, sem qualquer tipo de evidência que indique que as empresas destroem o ativo florestal, causam danos sociais, enfim, trazem algum tipo de nocividade.
Longe de representar terceirização ou privatização das áreas florestais estatais, a concessão na verdade cria vínculo duradouro entre a empresa responsável e a área de floresta explorada.
Esse vínculo, que por sinal pode ser rompido pelo órgão de controle, possibilita ganhos de eficiência nos dois lados da concessão: o poder público pode monitorar com mais competência, e a empresa pode obter mais lucro com o manejo da floresta.
A riqueza da biodiversidade, se é que existe, não aparecerá do nada. A participação das empresas nas concessões florestais pode mostrar um rumo.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Queimadas no Acre em 2015 batem recorde assustador

* Ecio Rodrigues
Poucos se dão conta de que a trajetória das queimadas no Acre assumiu uma dinâmica perigosa, para dizer o mínimo. Embora passem despercebidas pela imprensa, as medições não deixam dúvida que o aumento ocorrido em 2015 – quando os satélites captaram 5.512 focos de calor em todo o território estadual – exige medidas emergenciais, que deveriam ter sido tomadas já em janeiro último.
Acontece que o relatório publicado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais, Inpe, no âmbito do Programa de Monitoramento de Queimadas e Incêndios, uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Ministério do Meio Ambiente, está disponível desde o final de 2015, com dados que nos põem de cabelo em pé – como diziam as nossas queridas avós.
Além de configurarem fato consumado (quer dizer, não se trata de suposições e sim de dados coletados em tempo real), as informações monitoradas mostram que desde 1998, quando se iniciaram as medições, não aconteciam no Acre tantas queimadas como em 2015.
Mas, se é assim, uma questão surge de pronto (embora, ao que parece, ninguém esteja interessado na resposta): como é possível ter ocorrido expressivo aumento na quantidade de queimadas no Acre em 2015, se a população de Rio Branco não sentiu as consequências, pelo menos com a mesma intensidade de outros anos?
A resposta não poderia ser diferente e remete à dinâmica assumida pelo novo ciclo de desmatamento e queimada, cujo vetor toma a direção da rodovia BR 364, no sentido Rio Branco-Cruzeiro do Sul.
Explicando melhor, a razão pela qual o rio-branquense não percebe os efeitos das queimadas da mesma forma como percebia em anos anteriores pode ser resumida assim: o Acre está queimando mais, porém mais longe do vale do rio Acre.
Por sinal, o estudo da dinâmica assumida por esse novo ciclo de queimadas deveria ser prioridade para os pesquisadores, uma vez que pode explicar boa parte do comportamento observado na vazão dos rios do Acre e a peculiar periodicidade das secas e alagações.
Para dar uma ideia da dimensão do problema representado pelo recorde de queimadas no Acre em 2015, basta constatar que somente em dois anos houve mais de 4.000 focos de queimada no estado: em 2005 (quando o desmatamento chegou a cifras elevadíssimas na Amazônia) e em 2010.
Outra informação crucial para fins de análise comparativa é que em 1999 aconteceram somente 333 queimadas no Acre. É o menor índice em toda a série histórica e não há como justificar essa cifra em função da crise econômica então vivida no país. Associar economia aquecida ao aumento das queimadas pode ser um erro.
Em 2015, o país teve um crescimento negativo no Produto Interno Bruto, correspondente a –3,9%. De longe, um dos piores de sua história recente. O desemprego alcançou níveis alarmantes, da mesma maneira que a taxa de fechamento de empresas. Senão todos, a maioria dos indicadores econômicos apresentou resultados sofríveis. 
Ou seja, a economia do país chegou ao fundo do poço, enquanto as queimadas em território estadual se multiplicaram de maneira assustadora. A lógica econômica indicaria um aquecimento elevado na dinâmica econômica do Acre. Tá brincando?
O aumento das queimadas em época de crise econômica é, sem dúvida, o pior dos mundos. O precipício pode estar à vista, mas ninguém parece querer enxergar.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Para entender o lamentável recorde de queimadas no Acre em 2015

* Ecio Rodrigues
Nunca é demais repetir, em 2015 a quantidade de queimadas no Acre superou uma série histórica de medições, iniciada em 1998.
Para dizer de outra forma: em 18 anos, o Acre nunca queimou tanto quanto no ano passado. Ou, para soar como um alerta: os gestores públicos têm sido incapazes de controlar o aumento das queimadas observado desde 2011 no Acre.  
A notícia é bem mais grave do que pode parecer e merece uma explicação detalhada. A começar por uma constatação preocupante – não foi de um momento para o outro que a quantidade de queimadas disparou no Acre, até atingir a taxa recorde de 2015. Ao contrário, a quantidade de queimadas ocorridas no território estadual vem aumentando nos últimos 5 anos: as aferições comprovam que desde 2011, quando aconteceram 1.912 queimadas, houve aumento constante e ininterrupto, ano após ano.
Para satisfazer aqueles que, como este autor, valorizam muito as estatísticas, pontua-se: em 2012 aconteceram 3.180 queimadas no Acre; logo depois, em 2013, observou-se leve ampliação, tendo sido constatados 3.242 focos de calor.
Em 2014, a elevação foi mais expressiva, chegando a 3.829 queimadas, e continuou até o recorde do ano passado, quando absurdos 5.512 focos de calor foram captados pelo satélite.
Antes de tudo, é importante esclarecer: a quantificação das queimadas é realizada por um tipo de satélite que possui sensibilidade aos focos de calor. Não se trata de observação humana, o que poderia conferir aos dados algum grau de insegurança. São informações obtidas com 100% de certeza.
Em não havendo dúvida sobre as taxas anuais de ampliação das áreas submetidas à queima no Acre, resta inquirir as razões pelas quais nenhuma providência foi tomada na tentativa de estancar o risco anual de ampliação.
Por sinal, os números apresentam comportamento bastante compreensível. Os pesquisadores costumam dizer que quando os números se comportam, medidas de correção são mais baratas e menos traumáticas.
Uma intervenção, por exemplo, na esfera das políticas públicas, no sentido de conter a ampliação das queimadas e reverter o processo, poderia ter sido pontual, ou seja, direcionada para determinada realidade local, já que as estatísticas apontam onde ocorriam os aumentos.
Não é preciso muito esforço para concluir que, na melhor das hipóteses, e uma vez que os dados disponibilizados pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) eram suficientes para subsidiar uma tomada de decisão, os gestores estaduais negligenciaram a ocorrência das queimadas.
Descuidaram de uma informação que se revelaria capital – provavelmente porque se supôs que se tratava de uma ampliação momentânea, ou seja, que os índices retornariam ao patamar anterior. Um grave erro.
Esqueceram um princípio elementar, fartamente comprovado na literatura científica sobre queimadas, que explica a motivação do produtor para adotar essa lamentável prática agrícola num determinado ano: as queimadas atendem a um imperativo da política pública. Em outas palavras, é o incentivo do governo que faz o produtor queimar.
Em época de crise aguda na economia nacional e estadual, não deve ser difícil apurar que incentivo foi esse. Ao que parece, todavia, falta vontade para isso.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Peruanos rejeitam populismo de esquerda e de direita

* Ecio Rodrigues
Em 05 de junho último, numa eleição inédita (por conta do acirramento da disputa tanto no primeiro quanto no segundo turno), 50,12% dos eleitores peruanos elegeram para presidente o economista Pedro Pablo Kuczynski, apelidado PPK – certamente não por coincidência a mesma sigla do partido pelo qual concorreu, o Partido Peruano por el Kambio.
Em números absolutos, PPK conseguiu 41 mil votos a mais que sua oponente, Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori e considerada herdeira do “fujimorismo” –, que obteve 49,88% dos votos.
Embora apertada, a vitória reforça a tese de que existe, na América do Sul, uma tendência à retomada dos ideais do liberalismo econômico. Essa tendência, iniciada com vitória de Macri na Argentina, foi mantida com a derrocada de Maduro nas eleições legislativas da Venezuela, e se intensificou depois que os bolivianos negaram a Evo Morales a chance de concorrer a um novo mandato em 2020.
Claro que no âmbito de tal tendência é possível incluir a crise política brasileira. Mas como não há sinal de luz no final desse túnel, melhor deixar de lado as mazelas nacionais.
O processo eleitoral no Peru se distinguiu por duas particularidades: primeiro, que o sindicalismo, representado pelo atual Presidente Ollanta Humala, foi mandado às favas, tendo recebido alto grau de rejeição, a ponto de nenhum candidato, mesmo no primeiro turno, requerer o seu apoio.
Com viés populista (por adotar um sem-número de bolsas e programas sociais voltados para dar coisas ao povo) e de centro-esquerda (por se render ao sistema econômico internacional e ao mesmo tempo refutá-lo com discurso sindicalista ultrapassado), o atual mandatário não conseguiu manter sua popularidade.
Já a segunda particularidade diz respeito ao populismo que saiu derrotado, igualmente perigoso, no entanto de direita. A filha de Alberto Fujimori (que, por sinal, está preso) obteve apoio nas camadas mais necessitadas da população, em especial devido sua adesão a programas sociais direcionados para dar coisas ao povo.
Tal qual Cristina Kirchner, na Argentina, e guardando alguma semelhança com a brasileira Dilma Rousseff, a “mãe dos pobres” da direita fujimorista também marcou sua campanha eleitoral com promessas de ampliação de ajuda humanitária aos desfavorecidos.
Com aprimorada formação superior em Economia, o presidente eleito conseguiu congregar, em torno de seu partido, o apoio dos que demonstram preocupação com os rumos da economia peruana.
Defendendo austeridade nos gastos estatais e a organização dum serviço público enxuto e pautado pela busca de eficiência, mediante redução do número de servidores e dos custos operacionais, o PPK recebeu a confiança da classe média peruana, o que permitiu decidir a eleição a seu favor.
Espera-se que o novo presidente logre, em sua equipe de governo, valorizar a competência técnica para a gestão pública. Espera-se mais, que as empresas estatais, como sempre em grande quantidade e caracterizadas pela ineficiência, sejam fechadas, vendidas ou privatizadas, de forma a se privilegiar uma economia dinâmica, que funcione sem a intervenção dos governos.
Todavia, não é fácil demonstrar que o crescimento da economia, e não “bolsas-família”, é o que traz oportunidades à população. Sorte ao Peru.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Ainda sobre o recorde de queimadas estabelecido no Acre em 2015

* Ecio Rodrigues
Nos últimos cinco anos, a quantidade de queimadas no Acre aumentou de maneira ininterrupta até atingir seu ápice em 2015, quando foram detectados 5.512 focos de calor em todo o território estadual.
Reforçando o adágio popular segundo o qual “nada é tão ruim que não possa piorar”, o comportamento das estatísticas sugere que o aumento das queimadas deve continuar.
Embora ainda seja cedo para tirar conclusões, tudo indica que 2016 reservará um novo e igualmente vergonhoso recorde de queimadas para o Acre. Os dados já apontados pelas imagens de satélite dão conta que, em maio último, aconteceram 16 queimadas contra 2 observadas no mesmo período em 2015. Um aumento, no mínimo, muito perigoso.
Mais do que urgente, é emergencial a reversão desse processo de ampliação – que não deve ser tratado com indiferença pelos gestores públicos. Entretanto, nenhuma medida corretiva poderá ser adotada sem que se compreenda a nova dinâmica assumida pelas queimadas.
A experiência demonstra que está nas políticas públicas, sejam elas agrícolas, florestais ou de assistência social, a motivação que leva o produtor a queimar em determinado ano.
A decisão pelo aumento do roçado ou do pasto exige do produtor disponibilidade de recursos para investimento, o que lhe sai caro. A segurança de retorno econômico vem dos governantes: em última análise, é o prefeito ou o governador – ou ambos – quem motiva o produtor a queimar.
Corrobora essa tese (que a motivação para queimar tem origem na política pública) o fato de que a maior parcela de contribuição para a atual taxa de queimadas vem do pequeno e do médio produtor.
Ou seja, a nova dinâmica das queimadas expõe os agricultores familiares.
Ora, todos hão de concordar que uma coisa é culpar o grande produtor pecuarista – acusado de queimar os pastos para não gastar dinheiro com arados e adubos; outra coisa, bem diferente, é culpar o agricultor familiar, categoria que costuma gozar da cumplicidade dos políticos, da benevolência dos gestores públicos e da simpatia da sociedade.  
Mas essa nova dinâmica das queimadas no Acre traz mais uma novidade. Diferentemente das grandes propriedades, os responsáveis pelas queimas não estão localizados ao longo das rodovias, onde é fácil chegar. Estão na mata ciliar dos rios, em colocações bem distantes dos centros urbanos, a muitos dias de motor de rabeta da cidade.
Significa dizer que constituem alvo difícil de fiscalizar e mais ainda de autuar.
E não para aí. Como os focos de queimada estão localizados na área de influência dos rios Purus e Juruá (para ficar nos mais impactados), é provável que se repita, nessa região, o estrago causado no âmbito da bacia hidrográfica do rio Acre durante a década de 1980. Igualmente, a tendência é que as Reservas Extrativistas e as Terras Indígenas sejam levadas para o universo da criação de boi, da mesma forma como aconteceu com as unidades de conservação situadas no vale do rio Acre.
Lamúrias não vão adiantar depois que um novo recorde de queimadas for estabelecido em 2016. Os políticos e gestores públicos deveriam agir já.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Municípios deveriam atrair a instalação de entidades ambientalistas



* Ecio Rodrigues
A literatura sobre gestão ambiental é farta na exaltação da participação social como instrumento-chave para o fracasso ou o sucesso das ações de monitoramento ambiental.
A participação da sociedade ocorre por meio da atuação das organizações ambientalistas, assim denominadas porque têm como objetivo estatutário a defesa do meio ambiente e da sustentabilidade ecológica.
Essas organizações, instituídas como associações civis de direito privado, nos últimos 40 anos, sobretudo após o fim da ditadura militar, lograram o reconhecimento do Estado brasileiro, por meio da aprovação de um conjunto de normas voltadas para a regulação de sua criação e funcionamento.
Respeitadas em âmbito nacional, em especial pelas instituições e peritos que atuam com a Política Nacional de Meio Ambiente (aprovada em 1981), as organizações ambientalistas ampliaram sua participação em espaços legalmente direcionados à elaboração de políticas públicas.
Desnecessário reforçar, por exemplo, o papel decisivo representado pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente, Conama, na formulação de regras para o licenciamento ambiental de empreendimentos potencialmente poluidores.
Um conjunto de entidades ambientalistas divide com órgãos de governo a composição do plenário do Conama, que é responsável pela aprovação das decisões do colegiado.
Em todos os 26 Estados e no Distrito Federal existem conselhos semelhantes ao Conama, conhecidos pelo acrônimo Coema, com expressiva participação das entidades ambientalistas. 
Por outro lado, observa-se uma tendência no sentido da municipalização da gestão ambiental, sobretudo após a aprovação da Lei Complementar 140/2011.
O licenciamento e monitoramento dos empreendimentos que podem causar danos ao meio ambiente, bem como a autuação e cominação de penalidades aos infratores são ações que, paulatinamente, vêm sendo repassadas para as municipalidades.
Continuando nessa lógica, parece prudente considerar 3 pontos importantes para a tomada de decisão pelos gestores municipais. Primeiro, que, para as cidades, a gestão ambiental pode representar importante e nova fonte de receitas.
Segundo, que a atuação das entidades ambientalistas se reveste de significado social, uma vez que ajuda a população na defesa de bens considerados de interesse difuso.
E terceiro, que a legislação ambiental nacional exige a participação das entidades ambientalistas nos processos de gestão ambiental, a ponto de não permitir a decisão do agente estatal quando não há participação das entidades ambientalistas.
Sendo assim, certamente é vantajoso para os municípios fazer um esforço no sentido de atrair para as suas respectivas jurisdições esse tipo de organização – que, embora de natureza privada, prestam um relevante serviço de natureza pública.
Em uma analogia simples, as cidades deveriam oferecer às organizações ambientalistas os mesmos benefícios tributários que costumam conceder às empresas que se instalam em seus territórios.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Entidades são eleitas para o Fundo Nacional do Meio Ambiente



* Ecio Rodrigues
Considerado um dos principais instrumentos para o financiamento estatal e a fundo perdido de ações relacionadas à sustentabilidade ecológica do país, o Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA, desde 2003 tem sido relegado a um papel praticamente insignificante na estrutura do Ministério do Meio Ambiente.
Para explicar como o FNMA chegou a essa condição de irrelevância, duas razões podem ser apontadas.
 A primeira delas é de cunho orçamentário, e diz respeito ao fato de que, em certo momento, os gestores ambientais se negaram a usar o dinheiro oriundo da cooperação internacional para financiar as ações na área de meio ambiente.
Ocorre que, entre 2003 e 2005, vingou no MMA o entendimento de que a política ambiental deveria ser executada com os recursos do povo brasileiro, previstos no orçamento federal, e não com os recursos oferecidos, por exemplo, pelos países que se preocupam com a Amazônia.
Nessa época, os recursos destinados pela cooperação internacional ao Programa Piloto (que eram geridos pelo Banco Mundial) e ao FNMA foram desprezados. O resultado foi que o PPG7 acabou de vez; e se o FNMA não acabou, ficou no limbo, à míngua.
A segunda razão se refere à eficiência – já que os gestores federais de meio ambiente se esforçaram para defender uma equipe de governo que, ao mesmo tempo em que apresentava elevado grau de despreparo técnico, demonstrava, em igual proporção, engajamento a este ou aquele partido político da base aliada.
Espera-se que o FNMA saia da condição lastimável em que se encontra e retome sua função de mecanismo fundamental para o financiamento de projetos na área ambiental. Para tanto, será fundamental a atuação das entidades eleitas agora, em maio de 2016, para compor o Conselho Deliberativo do Fundo – que é formado por representantes de órgãos de governo e das organizações da sociedade civil.
No biênio 2017-2018, comporão o Conselho Deliberativo do Fundo o “Instituto Terra”, representando as organizações que atuam na região Sudeste; o “Instituto Sociedade, População e Natureza”, representando as entidades do Centro-Oeste; as entidades da Amazônia terão voz por meio da Oscip “Andiroba”; as do Nordeste, pela “Fundação de Proteção ao Meio Ambiente e Ecoturismo do Estado do Piauí”; finalmente, as organizações da região Sul serão representadas pelo “Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais”.
Essas 5 entidades têm pela frente um grande desafio. É importante que o FNMA volte a atuar sob um orçamento que, proporcionalmente, alcance mesmos níveis financeiros observados na década de 1990, quando as entidades e as pequenas prefeituras, em especial as localizadas na Amazônia, podiam contar com uma fonte de financiamento para organizar a gestão ambiental em âmbito municipal e estadual.
Claro que a retomada do FNMA irá requerer uma profunda avaliação sobre o tempo passado no limbo. Há, por sinal, certo consenso de que o diretor do Fundo deve ser escolhido por meio do trabalho de um Comitê de Busca, cuja formação conte com representantes das organizações da sociedade civil. Por outro lado, o diretor deve cumprir um mandato fixo, e executar um Plano de Trabalho definido, que interesse à Política Nacional de Meio Ambiente.
Resgatar a importância do FNMA é a prioridade maior para as cinco representantes regionais da sociedade civil eleitas para o biênio 2016-2018.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.