terça-feira, 3 de novembro de 2015

Produção de madeira manejada: única saída para Reservas Extrativistas


* Ecio Rodrigues
Pesquisadores e acadêmicos não costumam dizer “nunca”. Acham que o exercício da ciência sempre prevê um caminho alternativo e que é possível encontrar uma segunda ou terceira via para tudo, ou quase tudo. Esse entendimento, entretanto, não se aplica ao tema das Reservas Extrativistas localizadas em terra firme na Amazônia.
No caso dessas unidades de conservação, destinadas ao aproveitamento de recursos oriundos da diversidade biológica, ou da biodiversidade presente em terra firme, não há outra via: o manejo florestal voltado para produção de madeira é o único caminho, a única alternativa.
Um retrato sintomático dessa constatação é a Reserva Extrativista Chico Mendes, situada em Xapuri, no Acre. Considerada um ícone do movimento dos seringueiros, por se tratar do local onde nasceu o líder que lhe emprestou o nome, essa foi uma das primeiras áreas a ser reivindicada, pelos próprios seringueiros, para a criação de uma Reserva Extrativista.
Sob custos elevados, a sociedade brasileira aceitou desapropriar quase um milhão de hectares de terras cobertas por florestas, e entregar o seu usufruto aos extrativistas que há gerações ali habitavam – aos quais foi imposta a condição de não desmatar além dos limites estabelecidos para o cultivo de produtos de subsistência (arroz, feijão, milho, maniva), ou seja, destinados ao consumo da própria família.
À imensa porção de florestas restava a exploração por meio da tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo. O seringueiro poderia se qualificar como manejador florestal e ganhar dinheiro – saindo da condição de penúria que sempre lhe caracterizou– mediante a produção de borracha, castanha-do-brasil, copaíba, carne de animal silvestre, sementes florestais – e também de madeira, a imprescindível madeira.
Não é preciso grande esforço para perceber que, dos produtos relacionados, a madeira é o mais lucrativo, o que apresenta maior liquidez e maior facilidade de acesso aos mercados.
O fato é que o manejador florestal residente numa reserva extrativista não consegue manejar e vender carne de paca, queixada, capivara ou de qualquer outro animal silvestre. Também não consegue coletar e vender sementes de mogno, cedro, cerejeira ou de qualquer outra árvore. Pior ainda, não consegue extrair e vender óleo de copaíba, leite de jatobá ou qualquer outro fitoterápico oriundo de espécies florestais.
No âmbito desses três produtos – animais silvestres, sementes e fitoterápicos – o órgão público gestor das Reservas Extrativistas, conhecido pelo sofrível acrônimo ICMBio, impõe uma série de restrições para impedir o manejo florestal e a produção sustentável. Cria, por mais insano que pareça, mais dificuldade para o manejo florestal do que para a criação de boi.
E aí se chega à inevitável conclusão de que a produção comunitária de madeira é, na conjuntura atual, a única saída para as Reservas Extrativistas.
Ocorre que, embora o manejo para produção de madeira também enfrente inúmeros embaraços impostos pelos órgãos de controle, trata-se de um produto com cadeia produtiva consolidada. Assim, a demanda do mercado pela madeira empurra o produtor para o seu manejo. E a despeito dos melindres dos analistas ambientais do ICMBio, que torcem o nariz a cada caminhão toreiro que cruza a Reserva Extrativista, a força de mercado se impõe.
Por sinal, como bem sabem os que vivenciam a realidade da produção florestal comunitária na Amazônia, quando não maneja, o produtor acaba por vender a madeira de qualquer jeito. Esse é, sem dúvida, o pior dos mundos.
Choradeiras à parte, manejar madeira é bom para a floresta e para o manejador. Por isso, a madeira é a única alternativa ao boi na Reserva Extrativista. 


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília. 

Metas ousadas para a COP 21? Nem tanto


* Ecio Rodrigues
Consideradas ousadas até por ambientalistas, as metas que o Brasil apresentará para negociação no âmbito da 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima são, no máximo, provocativas. 
Para explicar melhor. Todas as 196 nações associadas ao sistema ONU devem apresentar e negociar, na COP 21 – a ser realizada em dezembro em Paris, França –, metas para redução de seus níveis de produção de carbono.
Duas datas são importantes na negociação. A primeira assinala o ano de 1992, quando foi assinada a Convenção sobre Mudanças no Clima (durante a Rio 92), e estabelecidos os níveis de referência para a produção de carbono. A segunda define 2030 como prazo-limite para que os países cumpram suas metas, antes que as tragédias climáticas se tornem irremediáveis, e o equilíbrio do planeta entre em colapso.
Resumindo, significa que cada país deve determinar, em números, a quantidade de carbono que deixará de jogar na atmosfera até 2030, tendo como referência o que produzia em 1992.
Uma parte da ousadia brasileira, comemorada por ambientalistas nativos e estrangeiros, atém-se à quantificação. Provavelmente, o país é um dos primeiros, se não o primeiro país em desenvolvimento, a traduzir em números o que pretende fazer para contribuir com a redução das emissões de carbono.
Outra parte da ousadia, igualmente festejada, alude, por sua vez, ao volume da redução pretendida, estipulada em 37% da produção de gases de efeito estufa até 2025, e em 43% até 2030. Números expressivos, sem dúvida – tão expressivos que exigem maior prudência em sua análise.
Ocorre que uma das principais medidas para alcançar esses números diz respeito ao fim do desmatamento ilegal na Amazônia. Essa proposta, aparentemente audaciosa, embute na verdade duas constatações bastante inconvenientes: o desmatamento legal nunca será zerado; e o cerrado continuará dando lugar à soja e ao boi.
Sempre é bom reforçar que a meta se reporta ao desmatamento ilegal, aquele que contraria a legislação nacional há mais de 50 anos – no mínimo desde a aprovação do Código Florestal de 1965. Ao apontar o ano de 2030 como prazo para o fim do desmatamento ilegal, o Estado brasileiro está efetivamente assumindo que a ilegalidade será admitida por mais 15 anos, para só então vir a ser suprimida.
Outra medida essencial para o país cumprir o compromisso assumido na ONU contempla a ampliação do aproveitamento hidroelétrico, o que só pode ocorrer, claro, mediante a construção de novas hidrelétricas. Só no rio Tapajós, por exemplo, sete novas usinas previstas deverão ser licitadas, construídas e entrar em operação até 2030. Ora, se a construção da usina de Belo Monte já tem sido (equivocadamente, diga-se) duramente contestada pelos ambientalistas, o que dizer de outras tantas?
Finalmente, como terceira medida para reduzir sua produção de carbono, o Brasil se propõe a recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas, no intuito de tornar essas áreas novamente produtivas e aumentar a criação de boi na Amazônia, sem desmate de novas florestas. Uma proposta que pode criar mais problemas que soluções.
A história econômica amazônica é farta em exemplos de políticas públicas voltadas para o aumento da produtividade da pecuária e que no final das contas ampliaram, em igual proporção, o desmatamento. O persistente aumento da taxa de desmatamento no Acre, enquanto se observa sua redução no restante da Amazônia, certamente é resultado desse tipo de diretriz.
Controvérsias à parte, aos que comemoraram as metas faz-se um importante alerta: ampliar o valor da floresta na Amazônia é, e sempre foi, a única saída.
Sendo um momento de decisão planetária, a COP 21 representa a oportunidade de os países avançarem na busca de uma economia que substitua o petróleo e amplie a área de florestas. Essa é a meta!          


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.