* Ecio Rodrigues
Pesquisadores
e acadêmicos não costumam dizer “nunca”. Acham que o exercício da ciência sempre
prevê um caminho alternativo e que é possível encontrar uma segunda ou terceira
via para tudo, ou quase tudo. Esse entendimento, entretanto, não se aplica ao
tema das Reservas Extrativistas localizadas em terra firme na Amazônia.
No
caso dessas unidades de conservação, destinadas ao aproveitamento de recursos
oriundos da diversidade biológica, ou da biodiversidade presente em terra
firme, não há outra via: o manejo florestal voltado para produção de madeira é
o único caminho, a única alternativa.
Um
retrato sintomático dessa constatação é a Reserva Extrativista Chico Mendes, situada
em Xapuri, no Acre. Considerada um ícone do movimento dos seringueiros, por se
tratar do local onde nasceu o líder que lhe emprestou o nome, essa foi uma das
primeiras áreas a ser reivindicada, pelos próprios seringueiros, para a criação
de uma Reserva Extrativista.
Sob
custos elevados, a sociedade brasileira aceitou desapropriar quase um milhão de
hectares de terras cobertas por florestas, e entregar o seu usufruto aos extrativistas
que há gerações ali habitavam – aos quais foi imposta a condição de não
desmatar além dos limites estabelecidos para o cultivo de produtos de
subsistência (arroz, feijão, milho, maniva), ou seja, destinados ao consumo da
própria família.
À
imensa porção de florestas restava a exploração por meio da tecnologia do
manejo florestal de uso múltiplo. O seringueiro poderia se qualificar como
manejador florestal e ganhar dinheiro – saindo da condição de penúria que
sempre lhe caracterizou– mediante a produção de borracha, castanha-do-brasil,
copaíba, carne de animal silvestre, sementes florestais – e também de madeira,
a imprescindível madeira.
Não
é preciso grande esforço para perceber que, dos produtos relacionados, a
madeira é o mais lucrativo, o que apresenta maior liquidez e maior facilidade
de acesso aos mercados.
O
fato é que o manejador florestal residente numa reserva extrativista não
consegue manejar e vender carne de paca, queixada, capivara ou de qualquer outro
animal silvestre. Também não consegue coletar e vender sementes de mogno,
cedro, cerejeira ou de qualquer outra árvore. Pior ainda, não consegue extrair
e vender óleo de copaíba, leite de jatobá ou qualquer outro fitoterápico oriundo
de espécies florestais.
No
âmbito desses três produtos – animais silvestres, sementes e fitoterápicos – o órgão
público gestor das Reservas Extrativistas, conhecido pelo sofrível acrônimo
ICMBio, impõe uma série de restrições para impedir o manejo florestal e a
produção sustentável. Cria, por mais insano que pareça, mais dificuldade para o
manejo florestal do que para a criação de boi.
E
aí se chega à inevitável conclusão de que a produção comunitária de madeira é,
na conjuntura atual, a única saída para as Reservas Extrativistas.
Ocorre
que, embora o manejo para produção de madeira também enfrente inúmeros
embaraços impostos pelos órgãos de controle, trata-se de um produto com cadeia
produtiva consolidada. Assim, a demanda do mercado pela madeira empurra o
produtor para o seu manejo. E a despeito dos melindres dos analistas ambientais
do ICMBio, que torcem o nariz a cada caminhão toreiro que cruza a Reserva Extrativista,
a força de mercado se impõe.
Por
sinal, como bem sabem os que vivenciam a realidade da produção florestal
comunitária na Amazônia, quando não maneja, o produtor acaba por vender a
madeira de qualquer jeito. Esse é, sem dúvida, o pior dos mundos.
Choradeiras
à parte, manejar madeira é bom para a floresta e para o manejador. Por isso, a
madeira é a única alternativa ao boi na Reserva Extrativista.
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre,
engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal
e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.