domingo, 28 de abril de 2013

Energia elétrica e extrativismo na Amazônia

* Ecio Rodrigues
 
No Brasil, a definição de um marco Legal para o setor de energia elétrica ocorreu no início dos anos 2000, sob duas diretrizes fundamentais: universalização do acesso e modicidade da tarifa cobrada do consumidor. Assumiu-se como prioridade de política pública que todos os brasileiros deveriam ter acesso à energia elétrica, e que o preço cobrado por essa energia deveria ser o menor possível.
Certamente, as duas diretrizes representam um grande desafio para o país, mas, no caso da Amazônia, esse desafio assume proporções ainda maiores. Com efeito, a Amazônia é a região onde se cobra a tarifa mais cara do país; ademais, o Sistema Interligado Nacional não chega às populações do interior, o que limita o acesso a fontes de energia elétrica.
Acontece que, para que a universalização ocorra, não basta a satisfação de demandas mínimas, que podem ser atendidas, por exemplo, com o fornecimento de energia suficiente para um bico de luz e uma tomada para a televisão. Esse tipo de fornecimento, limitado, já foi tentado na região, mediante a execução de um programa voltado para a geração de energia solar, e que pretendia cumprir a diretriz da universalização para as populações isoladas por meio da distribuição e instalação de placas fotovoltaicas, aptas a reter a energia do sol.
O resultado foi decepcionante. Em primeiro lugar, em função das dificuldades para se manter em funcionamento um sistema caro e que exigia do produtor muita disciplina, já que ele tinha que operar o coletor de energia e a bateria para armazenamento – tudo isso, diga-se, num ambiente em que, por mais incrível que pareça, às vezes, há sol e muitas vezes, não.
Por outro lado, mesmo quando o sistema, em situações excepcionais, funcionava adequadamente, a energia ofertada não tinha potência para possibilitar o desenvolvimento de atividades produtivas que beneficiassem a dinâmica econômica local – o que, por sua vez, poderia levar à melhora da qualidade de vida das famílias e ao consequente aumento do IDH. No final das contas, o que o sistema garantia, de fato, era o funcionamento de uma TV para assistir-se às novelas.
Com o fim do programa, outra experiência chegou a ser engendrada, a fim de resolver o problema da oferta de energia elétrica para comunidades isoladas na Amazônia. Numa ação conjunta, os Ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia instituíram o Programa Nacional de Energia e Extrativismo, conhecido pela sigla Pnaeex, uma iniciativa que, infelizmente, foi abortada ainda no nascedouro, em 2003.
Admitindo a impossibilidade de fornecer-se energia solar ou eólica às comunidades isoladas, o Pnaeex previa a geração de energia elétrica por meio de termoelétricas movidas a óleo de espécies florestais.
O raciocínio era o de que, num município como o longínquo Jordão, no Acre, é possível encontrar-se a tipologia de floresta aberta com palmeira, que pode garantir a oferta natural de óleos florestais por meio da tecnologia do manejo florestal.
Todavia, queimar o óleo florestal em motores movidos a diesel não é tarefa fácil. Há duas possibilidades: ou se modifica o motor, ou se modifica o óleo florestal. No primeiro caso, já existem experimentos internacionais com motores que possuem uma pré-câmara para o aquecimento do óleo florestal e a quebra das cadeias longas de carbono, o que permitiria a combustão, como ocorre com o óleo diesel.
A segunda opção é a chamada transesterificação. Trata-se da quebra química das cadeias de carbono do óleo florestal, mediante a adição de etanol, que, por sua vez, pode ser produzido com o plantio de cana-de-açúcar – embora o plantio de cana sempre esteja associado ao risco de ocorrência de impactos ambientais.
Enfim, levar energia elétrica para os amazônidas dispersos no interior do ecossistema florestal ainda é um desafio a ser vencido. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 21 de abril de 2013

Fórum da ONU ressalta valor econômico das florestas

* Ecio Rodrigues 

Instituído pela Organização das Nações Unidas em outubro de 2000, no âmbito do Conselho Econômico e Social, o Fórum sobre Florestas esteve reunido do dia 8 ao dia 19 de abril último, em Istambul, na Turquia, para discutir o destino das florestas no mundo e sua importância para o processo de desenvolvimento econômico dos países.
Trata-se da décima reunião desse importante fórum, que avança, prioritariamente, na discussão de duas diretrizes fundamentais. A primeira diretriz reforça a necessidade de os países reconhecerem o valor econômico dos diversos tipos de florestas existentes no mundo. Seja na oferta de sua mais importante matéria-prima, a madeira, seja na oferta dos chamados serviços ambientais, relacionados à quantidade e qualidade da água e do ar, as florestas precisam alcançar maior valor econômico que os usos alternativos do solo.
Entenda-se por usos alternativos do solo o desmatamento das florestas para cultivos de alimentos e, mais recentemente, o cultivo de oleaginosas agrícolas (leia-se soja), destinado à produção de óleo vegetal para queima nos motores a óleo diesel. Há consenso no fato de que, enquanto um hectare de plantio de soja trouxer maior retorno econômico que um hectare com 150 espécies florestais diferentes, o risco de perda de florestas irá ampliar-se de forma exponencial.
A redução do risco de perdas acentuadas de áreas florestais é a segunda diretriz adotada pelo Fórum sobre Florestas da ONU. Ocorre que há no mundo um contingente de “mais de 1,6 bilhão de pessoas que dependem das florestas, incluindo comunidades indígenas”, conforme afirmou o Subsecretário-Geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais, Wu Hongbo, concluindo que “os serviços fornecidos pelas florestas continuam sendo subestimados, desvalorizados e super explorados”.
Continuando, Hongbo considera que “há provas de que tais impactos, originados pelos desmatamentos, dificilmente ficam dentro das fronteiras nacionais”, notando que “frequentemente, as consequências são além-fronteiras”. O que torna o desmatamento um problema mundial.
Não sem razão o tema da décima reunião do Fórum sobre Florestas é “Florestas para o Desenvolvimento Econômico”. A ideia principal é convencer os países a atuar no sentido de promover os seus mercados para ativos florestais e, ao mesmo tempo, tornar mais eficazes os mecanismos de licenciamento e controle dos desmatamentos.
Acredita-se que a estruturação do mercado de carbono irá contribuir para a ampliação da competitividade do ecossistema florestal, do mesmo modo que a cobrança pela água produzida pelos particulares detentores de recursos florestais irá contribuir para melhorar o desempenho comercial das formações florestais, nativas ou plantadas.
Todavia, ainda há um abismo político e tecnológico a ser superado para que a valoração dos ativos florestais venha a ocorrer – o que exige maior atenção de todas as nações. Além de investir na promoção da ciência e da tecnologia destinadas à compreensão da interação que existe entre as formações florestais, o ar e a água, é necessário, sobretudo, instituir sistemas de desestimulo ao uso alternativo do solo por culturas agrícolas.
Atualmente, no mundo, a área de terra que já foi desmatada e que se encontra degradada ou subutilizada seria suficiente para atender à demanda agrícola e de biocombustíveis, sem que houvesse necessidade do desmatamento de novas áreas. Todos reconhecem as dificuldades políticas para taxar os usos alternativos do solo, tendo em vista a influência direta dessa taxação no preço da comida ou do combustível, mas a o incentivo ao uso das áreas já desmatadas é plenamente viável.
A conclusão é uma só: ampliar o valor da floresta na Amazônia é o caminho para resolver a maior mazela econômica da região – o desmatamento. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 14 de abril de 2013

Rodada de discussão sobre biomassa florestal e energia elétrica na Amazônia



* Ecio Rodrigues
Desde que se iniciaram os debates acerca da construção das hidrelétricas no rio Madeira, os envolvidos com o setor florestal no Acre estudam a possibilidade de esse setor ingressar no influente mercado abrangido pela geração e distribuição de energia elétrica na Amazônia.
Acontece que, num lugar como o Acre – onde, a despeito do calor que faz, não há sol suficiente para a geração de energia solar; tampouco não há vento na quantidade requerida pelos cata-ventos da energia eólica; e, por fim, os rios não possuem vazão e queda altimétrica aceitáveis para a construção de hidrelétricas –, o emprego da biomassa florestal surge com grande potencial para a geração de energia elétrica.
Reforçam essa tese três constatações: o fato de que 86% do território estadual possuem cobertura florestal nativa; a quantidade de solos precariamente aproveitada pela produção pecuária; e, o mais importante, a característica sustentável da produção de energia elétrica por biomassa florestal, decorrente do balanço zero em relação ao carbono depositado na atmosfera.
A idéia é produzir energia elétrica mediante a queima de biomassa florestal em caldeiras. Incluem-se no rol de matérias-primas ou subprodutos denominados de biomassa florestal o pó de serra e as aparas de madeira que derivam em grande quantidade do processo de industrialização da madeira. Esses materiais, até bem pouco tempo, eram queimados a céu aberto – procedimento que, por sinal, levava as empresas a serem invariavelmente autuadas pelos órgãos de fiscalização ambiental.
O descarte dos materiais que eram considerados “resíduos da produção florestal” sempre constituiu um verdadeiro transtorno para as empresas do ramo do processamento da madeira. Mesmo com o reforço das atividades ceramistas, que precisam das aparas de madeira para acender os fornos de secagem de tijolos, as serrarias não conseguiam resolver o problema da destinação de todo o resíduo produzido.
O termo biomassa florestal inclui também outros subprodutos madeireiros que atualmente são desaproveitados. As galhadas das árvores exploradas, por exemplo, que podem possuir mais metros cúbicos de madeira que a própria tora levada para a indústria, são abandonadas nas unidades de produção, o que significa desperdício e baixa produtividade.
Além da madeira, há ainda mais um importante produto florestal que pode ser empregado na queima de biomassa em caldeiras: o ouriço da castanha-do-brasil. A atividade de coleta das amêndoas deixa no interior da floresta uma quantidade expressiva de ouriços que possuem alto poder calorífico, ou seja, são bons para produzir calor.
Uma aritmética fácil permite uma ideia do desperdício. No Acre, as estatísticas oficiais, que não contabilizam nem a castanha consumida pelas famílias no interior da floresta e nos ramais, nem a produção vendida diretamente aos bolivianos pelos rios e igarapés, dão conta de uma produção estimada em 14 mil toneladas de castanha, apenas no ano de 2011.
Não há dúvida, portanto, de que a oferta do produto energia elétrica irá movimentar o setor florestal na região pelos próximos 20 anos – em face, sobretudo, da significativa participação dessa receita na composição do fluxo de caixa das empresas.
Diante disso, um processo permanente de discussão sobre o tema vem sendo organizado por um grupo de acadêmicos em Engenharia Florestal da Universidade Federal do Acre, que pretende avaliar os impactos econômicos, ecológicos e sociais advindos da geração de energia elétrica com o emprego de biomassa florestal.
Por meio da realização de Rodadas de Discussão, pretende-se formular estratégias para a entrada do Acre nesse novo e alvissareiro mercado.

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

domingo, 7 de abril de 2013

Florestas para energia elétrica

* Ecio Rodrigues 

Na Amazônia, a energia elétrica é a mais cara do país, e em estados como o Acre, a tarifa paga pela energia consumida pelas residências e empresas é a mais cara da Amazônia. A razão apontada pelas geradoras para essa diferença de preço era (e continua sendo) o custo de transporte do combustível necessário às termoelétricas movidas a óleo diesel.
A construção das primeiras hidrelétricas na região, na década de 1970, não resolveu o problema. Até bem pouco tempo, não mais que cinco anos, os envolvidos com a produção florestal na Amazônia, sobretudo a produção de madeira, viam-se às voltas com uma oferta de energia elétrica cara e instável para fazer funcionar a serra-fita que iniciaria o processo de produção de artigos em madeira serrada.
A instabilidade na oferta causava quedas constantes de fornecimento. Essas quedas, por sua vez, paralisavam a indústria por longos períodos e traziam risco para as máquinas – que quando queimavam deixavam a indústria parada por tempo indeterminado.
Encontrar uma solução para esses embaraços, atinentes ao alto custo e à instabilidade na oferta de energia elétrica, era prioridade para o empresário do setor florestal, que não queria ficar à mercê da esfera pública.
No final da década de 1990 vieram as necessárias privatizações, e em 2003 foi instituída a legislação que estabeleceu o marco legal do setor elétrico no país. Depois disso, mesmo as mais remotas regiões tiveram acesso ao Sistema Interligado Nacional – SIN, o popular “linhão”. Com a implantação do SIN, um contingente considerável de pessoas e empresas ficou em condições não só de consumir, mas também de gerar energia elétrica para o sistema.
Para o empresário que havia se adiantado na instalação de caldeiras (visando à queima dos resíduos de sua própria produção) surgiu, de imediato, uma nova oportunidade: mediante a queima do pó de serra, das aparas de madeira e de qualquer outro dos denominados subprodutos da produção madeireira, além de gerar a energia necessária para consumo próprio, ele poderia vender energia elétrica para o SIN.
Sem dúvida, trata-se de excelente oportunidade de negócio – que, por sinal, nunca chegou a ser cogitada pelos profissionais que apontam tendências para os segmentos de mercado. O problema é que essa oportunidade de negócio está restrita aos ramos empresariais envolvidos com o beneficiamento da madeira, como as serrarias e as fábricas de compensado.
Ocorre que esses ramos empresariais – mesmo chegando ao limite de sua capacidade de produção de combustíveis para queima – não conseguirão atender à crescente demanda pela geração de energia elétrica para o SIN. Dessa forma, uma oportunidade bem mais ampla de negócio surge no setor florestal: o plantio de florestas para geração de energia elétrica na Amazônia.
Um negócio que, além de lucrativo, pode ser considerado apropriado aos ideais de sustentabilidade – desde que os plantios fiquem restritos às áreas atualmente empregadas na criação de gado pela pecuária extensiva, atividade que é, comprovadamente, a pior alternativa, sob a ótica da sustentabilidade, para a ocupação de terras na Amazônia. Ou seja, não poderá ocorrer, sob nenhum pretexto, a substituição de florestas nativas por florestas plantadas para a produção de energia.
As dúvidas acerca das áreas e espécies florestais a serem usadas nos cultivos precisam ser respondidas com celeridade. Por outro lado, a resistência de setores ambientalistas com relação ao cultivo de espécies do gênero eucaliptus deve ser adequadamente enfrentada.
O futuro é mais que promissor para o setor florestal na Amazônia, que sempre viveu às turras com os ambientalistas. Mudanças profundas virão. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).