segunda-feira, 4 de abril de 2016

Reitores de universidades federais não deveriam ser eleitos


* Ecio Rodrigues
Os alunos talvez desconsiderem, alguns servidores talvez entendam, e um grupo bastante seleto de professores talvez concorde, mas a eleição de reitores nas universidades federais se mostrou um grande equívoco.
Antes de continuar é bom esclarecer que não existem estatísticas que tratem da relação entre a eleição de reitores e o gerenciamento das universidades. Ou seja, não há dados que ilustrem eventual posicionamento quanto às vantagens ou desvantagens, em termos de gestão, da escolha dos dirigentes por meio desse pseudopleito eleitoral.
Pseudopleito, explica-se. Acontece que os eleitores não votam no reitor de forma direta. Escolhem (por meio de voto ponderado, ressalve-se) os candidatos que vão compor uma lista de indicados ao cargo de reitor.
Para entender. Embora haja eleições em todas as 62 universidades federais, a realização dos certames é amparada por uma legislação algo caótica, que prevê a realização de “consulta” junto aos 3 segmentos universitários (alunos, servidores e professores). Os mais votados nessa consulta passam a integrar uma lista tríplice apresentada ao Ministério da Educação, MEC, que escolhe o reitor entre os elencados.
Por conta da existência de um dito “acordo de cortesia” pactuado entre o MEC e as universidades (um acerto um tanto hipócrita, aliás), o candidato mais votado é sempre o escolhido.
Como dito, a consulta se realiza por meio de voto ponderado. Significa que o voto de cada segmento possui peso diferenciado: pelas regras, o voto do professor tem peso de 70%; o voto do servidor, de 15%; e o do aluno, de 15%. Grosso modo, pode-se dizer que cada voto de professor equivale aos votos de 5 alunos ou de 5 servidores.
Outro ponto inusitado dessa consulta que todos tratam como eleição é o fato de que reitor e vice-reitor são votados separadamente. Quer dizer que não se vota numa chapa, como ocorre com presidente e vice, governador e vice etc. No caso das universidades, os votos são usados para compor duas listas independentes: uma, com os mais votados para o cargo de reitor; a outra, com os mais votados para vice-reitor.
Sem embargo, os candidatos montam chapas e fazem campanhas bem no estilo acirrado da década de 1980. Um estilo cansativo, que não atrai os eleitores e que parece ultrapassado até mesmo para a realidade dos sindicatos, que teimam em não se atualizar. Não à toa, cada vez menos votantes acorrem às urnas.
Em que pese a menção às esquisitices desse processo consultivo, não se propõem aqui soluções para aprimorá-lo – trata-se simplesmente de negá-lo.
Mas, convenhamos, negar que a eleição é o melhor caminho para contratar o reitor de uma universidade federal não é tarefa fácil. Por sinal, aqueles que vivenciaram o clima nas universidades na década de 1970 devem estar se perguntando qual poderia ser, então, a alternativa à eleição.
Fácil entender o questionamento. Quem viu coronéis nomeando sargentos (as patentes não eram necessariamente essas) para o cargo de reitor e defendeu a eleição como um baluarte da democracia não vai acreditar que tudo deu errado.
O problema é que o pseudopleito, além de ser muito questionável do ponto de vista democrático, revelou-se inadequado para selecionar os melhores para o cargo de reitor – cujo perfil deveria ser ou de um excelente gestor publico, ou de um cientista renomado, ou ambos. Mas ninguém vota num candidato por esses atributos.
Nada pior e mais nefasto para a universidade do que um inapto para o cargo ser alçado à condição de reitor sob o poderoso lastro de uma eleição que não deveria sequer ter acontecido e que, talvez por isso mesmo, cada vez é menos representativa.
Para a escolha de um reitor deve haver outro caminho. O caos nas universidades federais evidencia isso.


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

A encruzilhada das Reservas Extrativistas no Acre


* Ecio Rodrigues
Não é novidade que a história das cidades amazônicas se confunde com o ciclo econômico dos produtos florestais. A borracha, por exemplo, foi o produto mais importante para a consolidação da ocupação produtiva na região e, em certa medida, até hoje tem influência na vida dos habitantes de localidades como Xapuri.
Esse município, que passou por intenso processo de transformação no decorrer do século passado, no final da década de 1980 apresentou ao mundo a Reserva Extrativista, um tipo especial de unidade de conservação concebido para possibilitar a subsistência das populações extrativistas na floresta mediante o aproveitamento do potencial econômico da biodiversidade.
Depois de seu surgimento, as Reservas Extrativistas, que passariam a integrar o Sistema Nacional de Unidades de Conservação instituído pela Lei 9.9985/2000, rapidamente foram alçadas à condição de ícone de um ambientalismo rejuvenescido pelo ideário embutido no conceito de Desenvolvimento Sustentável, ainda em gestação no período preparatório para a Rio-92.
Durante as décadas de 1990 e 2000 intensificaram-se os esforços de organizações da sociedade civil, de pesquisadores e de instituições estatais, no sentido de garantir a expansão territorial das áreas destinadas às Reservas Extrativistas – o que se logrou alcançar de forma exemplar. Todavia, faltava à produção florestal os meios para gerar renda e trabalho aos extrativistas residentes nessas áreas.
A tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo, concebida no Acre nesse mesmo período, procurou solucionar esse impasse.
A possibilidade de elevar o extrativismo a um novo patamar, e, desse modo, engendrar uma saída para a conservação da floresta, é considerada uma releitura contemporânea do conservacionismo, movimento surgido em meados do século dezenove e que dá ênfase ao uso sustentável dos recursos naturais.  
Sem embargo, a empreitada de pôr em pratica o uso múltiplo da floresta, a fim de levar a efeito a produção dum leque variado de mais de 50 produtos que a biodiversidade do ecossistema florestal pode ofertar, revelou-se complexa demais.
Sem contar as dificuldades inerentes ao desempenho da atividade em si, os defensores do uso múltiplo se deparam com uma série de preconceitos, sendo o pior deles o tabu que cerca a exploração comunitária de madeira. Trata-se dum universo de informações equivocadas que rebaixam o nível da discussão e que levam o senso comum a acreditar que a derrubada de árvores significa a destruição da floresta.
É um paradoxo: ao mesmo tempo em que se avaliza a criação de boi, atividade responsável pela supressão anual de extensas formações florestais, não se tolera o manejo para a produção de madeira – atividade que ajuda a conservar a floresta.
Essa encruzilhada acabou por levar os extrativistas a exercer a pecuária dentro dos limites das Reservas Extrativistas – quer dizer, justamente nas áreas criadas como alternativa à criação de boi.
A batalha contra os preconceitos que atingem a exploração comunitária de madeira, iniciada com a criação das duas primeiras Reservas Extrativistas no Acre (Chico Mendes e Alto Juruá), já dura mais de 25 anos. Contudo, a despeito do longo tempo decorrido desde então, parece que esse preconceito só aumenta.
Enquanto isso, e proporcionalmente ao aumento do preconceito com a madeira, o desmatamento para a criação de boi avança sobre a floresta. Vai entender.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

A madeira e a encruzilhada das Reservas Extrativistas no Acre


* Ecio Rodrigues
Enquanto as primeiras Reservas Extrativistas criadas em território nacional (Chico Mendes e Alto Juruá, ambas no Acre em 1990) avançam no inexorável caminho da criação de boi, a ampliação anual do desmatamento praticado no lado de dentro dessas áreas se iguala às taxas observadas no lado de fora.
Essa constatação leva inevitavelmente à conclusão de que o expressivo investimento realizado pela sociedade para a desapropriação das terras hoje ocupadas por essas unidades de conservação, no intuito de garantir aos extrativistas sua subsistência sem o desmatamento da floresta, pode ter sido um grande erro.
Acontece que se acreditava, na década de 19980, que as demandas dos extrativistas se restringiam à regularização fundiária das glebas por eles habitadas: bastaria promover a desapropriação dessas áreas, assegurando-lhes a posse, que a conservação da floresta aconteceria naturalmente, como mera decorrência.
Exemplos de uma produção florestal robusta e capaz de evitar o desmatamento não faltaram. Por meio da tecnologia do manejo florestal comunitário, os três primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas, PAE, criados no Acre (Cachoeira, Porto Dias e São Luís do Remanso) lograram ganhar dinheiro com a exploração sustentável de madeira.
A experiência de manejo comunitário no PAE Porto Dias, por sinal, tornou-se uma referência na Amazônia e foi certificada pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (FSC, da sigla em inglês). O selo do FSC, reconhecido em todo o mundo, representa a garantia de que a produção de madeira não causou danos à floresta.
Mas o sucesso alcançado no PAE não chegou às Reservas Extrativistas, que passariam a década de 1990 submergidas nas indefinições (em termos de interpretação normativa) quanto à possibilidade/impossibilidade de explorar madeira.
Na verdade, a despeito de nunca ter havido restrição legal para o manejo de madeira, o fantasma da ilegalidade sempre emperrou a produção florestal nas Reservas Extrativistas da Amazônia e até hoje configura o mais grave empecilho à sustentabilidade dessas unidades. Na ausência de alternativas, as Resex se encontram cada vez mais expostas à ampliação do desmatamento para a criação de boi.
E se antes era apenas a produção de madeira que era penalizada pelo preconceito e pela desinformação, adicione-se aí, atualmente, a fauna silvestre. Apontados como principais produtos, em valor monetário, depois da madeira, os animais silvestres podem ser caçados pelos extrativistas sob o pretexto da subsistência, mas não podem ser manejados para venda.
Ou seja, embora não exista prescrição legal impedindo o manejo de fauna nas Resex, é praticamente impossível obter o licenciamento da atividade junto aos órgãos de controle. Não é preciso dizer que, sem manejo, o risco de extinção é inevitável.
A supressão dos entraves criados pelo ICMBio, o órgão público responsável pelo gerenciamento de mais de 15% das terras da Amazônia, seria um bom começo para a viabilização das Reservas Extrativistas na Amazônia.
E, de forma exemplar para a região, se a Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores da Amazônia, com 970 mil hectares, conseguisse finalmente pôr em prática o manejo florestal comunitário voltado para a produção de madeira, isso inauguraria um novo patamar produtivo para os extrativistas da região.
Essa deveria ser a prioridade da gestão pública florestal, que, como indicou auditoria do Tribunal de Contas da União, patina, patina, e não vai a lugar nenhum.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.