segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Reservas extrativistas deveriam fazer a diferença

* Ecio Rodrigues

Na Amazônia, a busca por uma alternativa ao tradicional modelo de ocupação produtiva baseado na expansão da agropecuária e, em decorrência, no pernicioso ciclo do desmatamento-queimada-plantio tem motivado, ao longo dos anos, muitos pensadores, técnicos e pesquisadores que estabelecem algum tipo de convívio com o ecossistema florestal da região.
A exuberância dessa imensa área de florestas heterogêneas e repletas de espécies estimulou e ainda estimula o imaginário de observadores como Euclides da Cunha, que travou contato com a região no início do século XX, ao participar de uma expedição de reconhecimento e demarcação territorial no rio Purus.
Não escapa a esses observadores que a floresta guarda um patrimônio muitíssimo mais valioso que qualquer tipo de produto oriundo da agricultura ou da pecuária. Não obstante, a conversão desse patrimônio em valor de mercado e, por conseguinte, em agente de riqueza para a região e em fonte de renda para os produtores que vivem no interior da floresta é um passo que os brasileiros ainda não conseguiram dar.
Embora vez ou outra se avance no processo de transformação da diversidade biológica em renda, logo em seguida esse processo sofre um retrocesso, e o fato é que a região continua estacionada, ou “empatada”, para usar um termo regional.
É bem provável que o momento mais significativo desse vai e vem se refira à institucionalização das reservas extrativistas no âmbito da política pública, mais especificamente, da Política Nacional de Meio Ambiente.
As reservas extrativistas foram concebidas no Acre, no final da década de 1980, para atender à reivindicação de uma categoria peculiar de trabalhadores rurais, composta predominantemente por seringueiros produtores de borracha e de castanha-do-brasil e capitaneada por lideranças como Chico Mendes.
Primeiro, como componente do Programa Nacional de Reforma Agrária, depois como categoria especial de unidade de conservação, as reservas extrativistas foram consideradas adequadas ao processo de ocupação produtiva da Amazônia.
A expectativa era a de que finalmente seria estruturada uma economia ancorada no potencial da floresta, mediante a exploração de uma cesta de produtos florestais sob a tecnologia do manejo florestal de uso múltiplo. Essa expectativa, contudo, está longe de ser concretizada.
Ocorre que as reservas extrativistas enfrentam dificuldades de gestão que parecem insuperáveis. Para se ter uma ideia, mesmo passados mais de vinte anos desde a criação da primeira dessas áreas, são raríssimas as que lograram elaborar o respectivo Plano de Manejo, documento que deveria orientar a produção florestal, sem o qual a Resex não pode ser efetivamente implementada. E na absoluta maioria dos casos, o Conselho Deliberativo, instância decisória superior da reserva, não funciona a contento.
No Brasil, já foram criadas mais de 50 reservas extrativistas. Só no Acre, as áreas destinadas às Resex somam mais de dois milhões de hectares.
Mas aquele tão sonhado passo, o que poderia fazer a diferença e corresponder ao imaginário dos observadores, parou por aí.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Unidades de conservação configuram um Sistema, mas poucos sabem disso

*Ecio Rodrigues

A aprovação da Lei 9.985/00, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Snuc, foi comemorada por todos os setores envolvidos com o tema da conservação ambiental no país.
Foram necessários mais de 15 anos de discussão no Congresso Nacional para que um diploma legal, enfim, organizasse o processo de criação e gestão das unidades de conservação (UC) em território nacional e nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).
Pela primeira vez em sua história, o país passou a dispor de um instrumento legal que unificava os assuntos relacionados às unidades de conservação, distinguindo-as das outras espécies de áreas protegidas por lei, como as reservas legais, as terras indígenas e as áreas de preservação permanente.
Diante da promulgação da lei, as unidades de conservação poderiam ser discutidas e organizadas de maneira autônoma, sem vinculação com os outros tipos (igualmente importantes, diga-se) de áreas legalmente protegidas. Esse tratamento diferenciado, por sinal, foi um dos pontos mais controversos no debate para aprovação do Snuc – mas que, ao final, acabou por prevalecer.
Outro ponto polêmico diz respeito à noção de Sistema que a legislação adotou, estabelecendo diretrizes que vão além das regras atinentes à instalação e manutenção das unidades de conservação, de forma a possibilitar a inclusão dessas áreas na dinâmica econômica das respectivas localidades nas quais são implantadas.
Ao organizar as unidades de conservação num Sistema, a norma legal teve como desígnio levar a efeito uma estratégia eficiente de conservação e preservação dos ecossistemas existentes nessas áreas, tanto nas já criadas quanto naquelas ainda a serem instituídas. Essa estratégia envolve, por exemplo, o planejamento e a distribuição das unidades de conservação no país, segundo a categoria de UC mais adequada a cada realidade ecossistêmica.
Mais que isso, o Sistema deveria fomentar o intercâmbio de mercadorias e serviços entre as unidades de conservação, a definição dos serviços a serem prestados por cada categoria de manejo das UCs e, enfim, a organização das UCs em nichos específicos de oferta de serviços e produtos ecossistêmicos, tais como: turismo, pesquisa, visitação, recursos florestais, recursos pesqueiros e assim por diante.
O problema é que a noção de Sistema exige das autoridades públicas, seja essa autoridade considerada de menor prerrogativa, como o chefe de unidade de conservação, seja de maior prerrogativa, como o presidente do órgão responsável pela gestão dessas áreas (no caso, o ICMBio) uma mínima formação em Planejamento.
Como essa formação geralmente falta aos ocupantes de cargos supridos por indicação política, a visão sistêmica que permeia toda a legislação, sem embargo de sua relevância, foi simplesmente esquecida.
Para que as unidades de conservação cumpram a finalidade para a qual foram criadas, é imprescindível que sejam consideradas um Sistema, na forma prevista na legislação, e como, inclusive, foi constatado pelo Tribunal de Contas da União em 2013.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Descentralização e desconcentração da gestão florestal

* Ecio Rodrigues

Embora as tentativas anteriores de descentralização na área ambiental tenham sido desanimadoras, a Lei Complementar 140/2011 representa um fato novo: pela primeira vez, a descentralização da gestão ambiental está ancorada numa lei complementar.
Como se sabe, as leis complementares diferenciam-se das ordinárias, em primeiro lugar, pelo quórum de aprovação. Enquanto as leis complementares exigem maioria absoluta dos parlamentares (50% mais um) para serem aceitas, no caso das leis ordinárias, basta maioria simples (50% mais um dos parlamentares presentes na sessão legislativa) para serem aprovadas.
E também quanto à matéria as leis complementares se distinguem, uma vez que estabelecem regras para a colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, destinando-se principalmente à regulamentação do texto constitucional e também ao disciplinamento de matérias de especial importância, para as quais seja recomendável a obtenção de maior consenso entre os parlamentares.
Considerando-se, portanto, as particularidades que distinguem as leis complementares, e que lhes conferem certa proeminência em relação às leis ordinárias, é de se esperar que finalmente o processo de descentralização da gestão ambiental venha a ser deflagrado.
Apenas para citar um exemplo de tentativa fracassada de descentralização da gestão ambiental efetuada por meio de dispositivo esparso incluído em lei ordinária, frise-se que a Lei 11.284/2006, a denominada Lei de Gestão de Florestas Públicas, chegou a dispor sobre a transferência de atribuições, na área de política florestal, da União para estados, Distrito Federal e municípios.
Na verdade, a referida norma previu não apenas a descentralização (ou seja, a delegação de responsabilidades entre os entes federativos) como também a desconcentração da gestão de florestas – isto é, a instalação, nos estados e municípios, de representações do órgão federal de gestão, cuja sede se localiza em Brasília, obviamente.
Não obstante, mesmo tendo sido criado um órgão específico para conduzir os processos de descentralização e desconcentração da gestão florestal – o Serviço Florestal Brasileiro –, e mesmo tendo sido instituído um Fundo Nacional de Florestas para arcar com os custos da descentralização, essa lei ordinária não só não conseguiu promover a descentralização como as decisões ficaram ainda mais concentradas nas mãos dos gestores públicos federais.
Vale dizer, o nível de concentração ficou superior ao que existia antes, quando a gestão das florestas públicas era exercida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente, o Ibama, por meio de suas desacreditadas superintendências estaduais – que, por sinal, foram instituídas para desconcentrar e ainda sobrevivem.
No final das contas, aos estados restou a incumbência de criar instituições próprias de gestão florestal e editar um conjunto de leis específicas sobre a matéria. Vale dizer, continuaram atuando exclusivamente sobre as florestas públicas criadas na esfera estadual.
Enfim, se sequer em relação aos estados a descentralização prevista na Lei 11.284/2006 chegou a ser efetivada, não há o que dizer em relação aos municípios.
É difícil saber as razões pelas quais as tentativas de descentralização da gestão ambiental até hoje não se concretizaram, mas existe, não há dúvida, uma resistência por parte dos órgãos federais. Quem sabe agora, diante da vigência da Lei Complementar 140/2011, essa resistência comece a ser superada.
A descentralização da gestão deve ser prioridade para a política nacional de meio ambiente. É esperar para ver.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Gestão ambiental pode ser bom negócio para os municípios

* Ecio Rodrigues

Pesquisa recente realizada pelo IBGE demonstrou que 98% (ou seja, quase a totalidade) dos municípios situados na Amazônia possuíam, em 2013, órgãos específicos para tratar do tema do meio ambiente. A mesma pesquisa constatou, todavia, que menos da metade dos municípios – em torno de 41% – chegou a realizar alguma ação na área ambiental no mesmo período.
Ao que parece, portanto, existe uma distância muito grande entre manter um órgão dedicado às questões ambientais e investir recursos em ações efetivas nessa área.
A explicação é simples. Os dispêndios com a criação e manutenção de um órgão ambiental, que na maioria das vezes significa meramente o custeamento de uma sala e de não mais que dois ou três servidores, integram as despesas operacionais das cidades.
Já o investimento em atividades de conscientização ou controle ambiental depreca recursos que os caixas municipais em geral não possuem, requerendo, desse modo, a entrada de receitas oriundas de fontes extras.
A despeito de tal constatação, contudo, ante a aprovação da Lei Complementar 140/2011, a expectativa é de que os municípios passem a ter uma atuação mais expressiva na área ambiental, exercendo atribuições transferidas pelos órgãos estaduais e assumindo, inclusive, prerrogativas inerentes à União.
Não será de estranhar, portanto, se a efetividade da norma levar a uma grita geral dos gestores municipais, no sentido de assegurar que os municípios não possuem dotação orçamentária suficiente para acumular mais responsabilidades. É de conhecimento geral a romaria anual que a Frente de Prefeitos realiza em Brasília, com o “pires na mão”, em busca da liberação de recursos financeiros por parte do Governo Federal.
Vale dizer, seja pelo pretexto da falta de dinheiro, seja pelo pretexto do excesso de incumbências, é bem possível que as administrações municipais, pelo menos a princípio, não demonstrem interesse em receber atribuições na gestão ambiental, na forma como prevê a norma legal. Essa postura, no entanto, pode ser um grande equívoco.
Em primeiro lugar, é importante considerar o aspecto legal, uma vez que o Ministério Público tem cobrado o cumprimento das estipulações da LC 140/2011, como meio de melhorar a questionável eficiência do processo de licenciamento e de monitoramento ambiental em todo o território brasileiro.
Isto é, em face desse instrumento legal, os gestores municipais serão levados a responder por impactos ambientais que ocorram em suas cidades.
De outra banda, a atuação na gestão ambiental pode significar um bom negócio para as cidades. Um bom negócio, na medida em que possibilitará tanto a ampliação da arrecadação municipal quanto a estruturação de um novo campo de atividade, mediante a aquisição de equipamentos e a formação de equipe técnica – o que certamente terá repercussão sobre outros setores, aprimorando, dessa forma, a performance da administração pública municipal como um todo.
Um levantamento superficial da receita arrecadada na área ambiental é suficiente para dar uma ideia do montante que pode ser auferido pelos municípios. Basta dizer que todos os procedimentos de licenciamento e fiscalização ambiental são custeados pelos interessados.
Diga-se que se essa arrecadação pode ser considerada irrisória para as administrações estaduais e federal, a situação é bem diferente em relação aos frágeis orçamentos municipais.
Enfim, se os municípios têm reservas quanto a assumir competências concernentes à gestão ambiental, deveriam começar a fazer as contas.


* Professor da Universidade Federal do Acre, Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.