* Ecio Rodrigues
Não é novidade que o padrão seguido pelos Projetos de
Assentamento Dirigido e Projetos de Colonização - inseridos no Programa
Nacional de Reforma Agrária gerido pelo Incra - não atende às expectativas por
uma ocupação produtiva da Amazônia.
Esse modelo tem sido demonizado pela ciência amazônida
desde a década de 1980. É farta a produção técnica e acadêmica que trata da
incapacidade de a reforma agrária ancorada na expansão da fronteira
agropecuária ampliar o bem-estar e a qualidade de vida na região.
Não
existem, nem mesmo nos centros estaduais da Embrapa, que notadamente trabalham
para viabilizar essa produção agropecuária, pesquisadores que discordem quanto
ao fracasso dos assentamentos geridos pelo Incra, em especial no que se refere
à consolidação de uma produção agrícola e pecuária que respeite a vocação
florestal local.
Ocorre que o modelo de reforma agrária seguido pelo
Incra favorece uma nova concentração da terra que já foi desapropriada – ou
seja, comprada, com o dinheiro da sociedade, de algum proprietário privado que
concentrava a terra.
Depois
que essa terra é entregue ao pequeno produtor, e depois que esse pequeno
produtor e sua família, trazidos pelo Incra de outras regiões do país
(geralmente Nordeste e Sudeste), são entregues à própria sorte no interior de
um ambiente florestal bastante inóspito, a venda da terra para um novo
concentrador é praticamente inevitável.
As consequências sociais desse infausto processo de
ocupação já são mais que conhecidas e difundidas, e a sociedade já cansou de se
chocar com os elevados índices de êxodo rural, inchamento das cidades de
referência, congestionamento dos serviços de educação e saúde, e, o pior,
pobreza e exclusão social que levam à marginalidade e outras mazelas, todas com
custos muito altos para serem corrigidas posteriormente.
E embora a responsabilidade por esse sistema perverso
de ocupação produtiva, que nada produz e gera excedente demográfico
desqualificado em áreas urbanas, sempre tenha sido exclusivamente do Incra,
ninguém colocava o guiso no pescoço do gato, como diz o adágio popular. Sob a
ótica autoritária de um poder público geralmente omisso (e que quando atua,
erra mais que acerta), direcionava-se a responsabilidade pelo fracasso desse
modelo para a esfera privada. A culpa era do produtor, que gostava do
assistencialismo - uma falácia propalada pelo próprio Incra.
A novidade de que trata este artigo chegou pela atuação
do Ministério Público Federal, MPF. Se o Incra escapou da cobrança pelas
mazelas sociais advindas de seu fracassado sistema de transferência de
trabalhadores rurais para a Amazônia, espera-se que o mesmo não aconteça em
relação às perigosas e trágicas consequências ambientais e ecológicas impostas
pelos assentamentos agrários que promove.
No Acre, Pará, Amazonas, Rondônia, Roraima e Mato
Grosso, estados onde o desmatamento na pequena propriedade é preocupante, o
Incra foi acionado judicialmente para assumir sua culpa, no que diz respeito à
contribuição dos projetos de reforma agrária para a permanência da taxa de
desmatamento na Amazônia.
O monitoramento da taxa de desmatamento realizado pelo
Instituto de Pesquisas Espaciais, Inpe, demonstra que, enquanto em 2004 os
assentamentos da reforma agrária contribuíram com 18% na composição da taxa de
desmatamento, em 2010 essa contribuição passou para 31,1% do desmatamento total
ocorrido na Amazônia.
Diga-se, ademais, que uma boa parcela desse
desmatamento é ilegal, e realizado sob a chancela do próprio Incra, que se
omite frente à obrigação de se cumprir a legislação ambiental, sob alegação de
que essa não é a missão do órgão.
Para o MPF, o Incra - e não o produtor isoladamente -
tem culpa, sim, quando o assentamento sob sua responsabilidade vai para a
ilegalidade. Sinal dos tempos. Dos novos tempos.
* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro
Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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