segunda-feira, 4 de abril de 2016

A madeira e a encruzilhada das Reservas Extrativistas no Acre


* Ecio Rodrigues
Enquanto as primeiras Reservas Extrativistas criadas em território nacional (Chico Mendes e Alto Juruá, ambas no Acre em 1990) avançam no inexorável caminho da criação de boi, a ampliação anual do desmatamento praticado no lado de dentro dessas áreas se iguala às taxas observadas no lado de fora.
Essa constatação leva inevitavelmente à conclusão de que o expressivo investimento realizado pela sociedade para a desapropriação das terras hoje ocupadas por essas unidades de conservação, no intuito de garantir aos extrativistas sua subsistência sem o desmatamento da floresta, pode ter sido um grande erro.
Acontece que se acreditava, na década de 19980, que as demandas dos extrativistas se restringiam à regularização fundiária das glebas por eles habitadas: bastaria promover a desapropriação dessas áreas, assegurando-lhes a posse, que a conservação da floresta aconteceria naturalmente, como mera decorrência.
Exemplos de uma produção florestal robusta e capaz de evitar o desmatamento não faltaram. Por meio da tecnologia do manejo florestal comunitário, os três primeiros Projetos de Assentamentos Extrativistas, PAE, criados no Acre (Cachoeira, Porto Dias e São Luís do Remanso) lograram ganhar dinheiro com a exploração sustentável de madeira.
A experiência de manejo comunitário no PAE Porto Dias, por sinal, tornou-se uma referência na Amazônia e foi certificada pelo Conselho Internacional de Manejo Florestal (FSC, da sigla em inglês). O selo do FSC, reconhecido em todo o mundo, representa a garantia de que a produção de madeira não causou danos à floresta.
Mas o sucesso alcançado no PAE não chegou às Reservas Extrativistas, que passariam a década de 1990 submergidas nas indefinições (em termos de interpretação normativa) quanto à possibilidade/impossibilidade de explorar madeira.
Na verdade, a despeito de nunca ter havido restrição legal para o manejo de madeira, o fantasma da ilegalidade sempre emperrou a produção florestal nas Reservas Extrativistas da Amazônia e até hoje configura o mais grave empecilho à sustentabilidade dessas unidades. Na ausência de alternativas, as Resex se encontram cada vez mais expostas à ampliação do desmatamento para a criação de boi.
E se antes era apenas a produção de madeira que era penalizada pelo preconceito e pela desinformação, adicione-se aí, atualmente, a fauna silvestre. Apontados como principais produtos, em valor monetário, depois da madeira, os animais silvestres podem ser caçados pelos extrativistas sob o pretexto da subsistência, mas não podem ser manejados para venda.
Ou seja, embora não exista prescrição legal impedindo o manejo de fauna nas Resex, é praticamente impossível obter o licenciamento da atividade junto aos órgãos de controle. Não é preciso dizer que, sem manejo, o risco de extinção é inevitável.
A supressão dos entraves criados pelo ICMBio, o órgão público responsável pelo gerenciamento de mais de 15% das terras da Amazônia, seria um bom começo para a viabilização das Reservas Extrativistas na Amazônia.
E, de forma exemplar para a região, se a Reserva Extrativista Chico Mendes, uma das maiores da Amazônia, com 970 mil hectares, conseguisse finalmente pôr em prática o manejo florestal comunitário voltado para a produção de madeira, isso inauguraria um novo patamar produtivo para os extrativistas da região.
Essa deveria ser a prioridade da gestão pública florestal, que, como indicou auditoria do Tribunal de Contas da União, patina, patina, e não vai a lugar nenhum.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

quinta-feira, 17 de março de 2016

O valor econômico da mata ciliar


* Ecio Rodrigues
         Mediante a execução de projetos de restauração florestal, é possível ampliar a quantidade de biomassa presente na mata ciliar dos rios amazônicos, no intuito de direcionar-se a determinada finalidade o aproveitamento desse tipo especial de formação florestal.
A fim de se prevenirem desbarrancamentos, por exemplo, alguns pesquisadores indicam o cultivo de taboca nas margens dos rios. Trata-se de uma alternativa possível e que foi testada em várias localidades, todavia, não resolve a demanda relacionada a outros serviços que podem ser prestados pela mata ciliar.
Um desses serviços se refere ao incremento da qualidade e da quantidade da água que flui no leito do rio. Nesse caso, o caminho mais rápido e barato seria adensar a biomassa florestal por meio de projetos de restauração voltados para aumentar o número de árvores existentes na mata ciliar.
Contudo, considerando-se a largura mínima da faixa de mata ciliar exigida pelo Código Florestal – a qual, dependendo da envergadura do respectivo curso d’água, pode chegar a parcos 5 metros –, não dá para esperar que a floresta cumpra adequadamente a sua função.
Ou seja, diante da reduzida “Largura Legal” prevista na legislação, o mero aumento na quantidade de árvores não vai resolver a demanda por biomassa, na quantidade necessária para que a influência da mata ciliar no equilíbrio hidrológico do rio leve aos resultados esperados.
Uma solução para esse impasse é o alargamento da faixa de mata ciliar, mediante o cálculo do que se convencionou chamar “Largura Técnica” (em oposição à Largura Legal), de forma a se chegar a uma largura considerada ideal, de acordo com a realidade verificada ao longo da margem de um rio.
Trata-se, a Largura Técnica, de um preceito que certamente se configura tema prioritário para a pesquisa, e cujo cálculo, diferentemente do que acontece com a Largura Legal, não se baseia na largura do rio – mas, sim, nas condições físicas e biológicas presentes na área de influência da mata ciliar.
Sendo assim, para efeito de determinar as variáveis que vão contribuir para a definição da Largura Técnica de determinada faixa de mata ciliar, é necessária a avaliação pedológica e geológica de uma extensão de terra estimada em 2 km, contados no sentido perpendicular, ou seja, do barranco do rio pra cima, em direção à terra firme.
Mas como a Largura Técnica não é um imperativo legal, é importante que o produtor que optar por essa solução obtenha algum tipo de compensação econômica.
Por outro lado, e reforçando a máxima de que o produtor só vai investir no que lhe trouxer algum tipo de retorno econômico, o valor auferido com o aproveitamento da mata ciliar deve ser compatível com os rendimentos propiciados pela pecuária. Significa dizer que as receitas geradas com o aproveitamento dum trecho de mata ciliar devem ser pelo menos compatíveis com o que o produtor ganharia mediante o desmatamento de uma área equivalente para a criação de boi.
Enfim, o ponto é: quanto maior a quantidade de biomassa florestal existente na mata ciliar, maiores serão os benefícios em relação à quantidade e à qualidade da água que corre no rio. Tanto no que concerne à largura da faixa quanto no que diz respeito à densidade arbórea, o aumento da biomassa otimiza a oferta de água. Portanto, trata-se de um serviço ofertado pela mata ciliar e, nessa condição, deve ser remunerado.
O pagamento por esse serviço deve ficar a cargo sobretudo das operadoras responsáveis pelo abastecimento d’água em áreas urbanas e pelas empresas envolvidas com o uso agropecuário da água para dessedentação de gado.
Mas esse pagamento, hoje, é mais que ilusão, é utopia. Pior, no médio prazo de 10 anos também não vai acontecer.  


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Pagar para a floresta amazônica produzir água é o caminho


* Ecio Rodrigues
Cabe ao governo, nas três esferas de gestão (municipal, estadual e federal) a promoção de um modelo de ocupação produtiva que leve em conta, sobretudo em regiões como a Amazônia, as externalidades sociais e ambientais decorrentes da implantação de cada tipo de empreendimento.
Para obrigar os empreendimentos a internalizar as externalidades, em especial as que afetam a sustentabilidade da região, a ação estatal dispõe de mecanismos que podem ser classificados em dois grandes grupos: comando/controle e poluidor/pagador.
São inerentes ao comando/controle ações relacionadas ao exercício do poder de polícia – como autuação e cominação de multas – e que se destinam a punir as infrações decorrentes dos impactos causados pelas externalidades, notadamente as relacionadas à qualidade da água, do ar e à conservação das florestas.
Um bom exemplo desse tipo de atuação estatal é o caro e ineficiente aparato público destinado à fiscalização do desmatamento. Todas as vezes que um fiscal autua um produtor por desmatamento, espera-se que a produção agropecuária fique mais próxima dos requisitos de sustentabilidade.
No entanto, estudos recentes informam que – por uma série de razões, que vão de anulação de multas por ilegalidades a cobranças ineficientes – mais de 90% do valor das multas não é recolhido pelos infratores.
Sem embargo, e embora a fragilidade do sistema de comando/controle seja facilmente comprovada pelas estatísticas, a sociedade brasileira apoia a fiscalização de maneira geral, e não leva em conta nem os elevados custos dessa atividade nem tampouco sua ineficácia.
Passar do comando/controle para o poluidor/pagador exige criatividade e vontade política. Criatividade, pois, como o sistema do poluidor/pagador se assenta em mecanismos direcionados para taxar as atividades que poluem e recompensar as que não poluem, o cardápio disponível para o gestor público é longo e variado, abrangendo da oferta de crédito mais barato para atividades e empreendedores que contribuem para a sustentabilidade até o aumento do valor da taxa de licenciamento para o desmatamento legalizado.
É nesse contexto que se insere o instrumento denominado Pagamento por Serviços Ambientais, PSA – pelo qual o Estado, de alguma maneira, se compromete a premiar o empreendedor pela oferta de determinado serviço ambiental.
No caso, por exemplo, de um produtor ribeirinho que se dispusesse a manejar uma porção de mata ciliar para contribuir com o fornecimento de água a uma população localizada à jusante de sua floresta, ele poderia vir a ser remunerado, via sistema PSA
Todavia, a despeito de suas manifestas vantagens, ainda não existe na Amazônia um sistema de PSA em funcionamento – quer dizer, um sistema envolvendo um fluxo contínuo e permanente de dinheiro destinado pelos governos aos produtores, como remuneração por algum tipo se serviço ambiental.
Além do PSA, como dito, há diversos outros instrumentos inseridos no princípio do poluidor pagador que podem ir além do modelo de comando e controle – esse sim, com fragilidades comprovadamente insuperáveis.
Enfim, autuar, multar e cobrar não parece ser a nossa vocação. Melhor premiar.             


*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Bolivianos não querem mais do mesmo

* Ecio Rodrigues
Pode ser que o inusitado resultado do plebiscito realizado na Bolívia no último domingo, dia 21 de fevereiro, não reforce a tese de que uma profunda guinada no panorama político está em curso na América do Sul; por outro lado, pode ser que reforce, sim.
Para explicar. O resultado foi considerado inusitado por estudiosos e cientistas políticos e, inclusive, pelo governo boliviano. Perguntados se aceitavam mudar a Constituição de seu país para permitir que o atual presidente concorresse a uma nova eleição presidencial em 2019, 51,31% dos bolivianos disseram “Não”, contra 48,69% que votaram pelo “Sim”.
Duas questões chamam a atenção nessa consulta. A primeira diz respeito à precocidade de sua realização. Ora, se o presidente permanecerá no exercício do seu mandato até o início de 2020, por que razões indaga – já agora, em 2016 – se poderá disputar as próximas eleições, a fim de continuar no cargo até 2025?
Certamente existem várias respostas para essa pergunta, todavia, é provável que a razão principal esteja no que os sociólogos chamam de “realidade objetiva”.
Na conjuntura boliviana, essa realidade se traduz numa aprovação recorde do governo atual – em face, sobretudo, dos números apresentados pela economia, considerados prodigiosos.
Diferente do que acontece no vizinho Brasil, o PIB da Bolívia cresceu a uma taxa média de 4,8% nos últimos dez anos. Mais relevante ainda, a concentração de renda reduziu, e as camadas menos favorecidas da população receberam um expressivo aporte de ajuda por meio de programas sociais, muitos dos quais copiados do vizinho.
O momento parecia mais que oportuno para fazer a consulta, uma vez que a estratégia era não correr risco de derrota. No entanto – e felizmente – os bolivianos, demonstrando incomum discernimento político, conseguiram separar os indicadores econômicos de um importantíssimo princípio democrático (especialmente no caso do contexto latino-americano): a alternância de poder.
Poucos se dão conta, mas juntamente com transparência na gestão e participação popular, a alternância de poder constitui um dos pilares que sustentam o tripé do sistema democrático.
Claro que a importância e imprescindibilidade da alternância de poder não aludem, exclusivamente, a circunstâncias como a da Bolívia, em que um indivíduo manipula as regras democráticas para se manter na presidência, não admitindo que outro candidato, ainda que do mesmo partido, assuma o governo do país.
Também dizem respeito a situações em que um mesmo grupo político permanece por longo tempo no poder – malgrado o fato de que, a cada eleição, uma cara nova é lançada à escolha dos eleitores, fazendo valer o indefectível jargão cunhado pelos marqueteiros: “mais do mesmo”.
Citando-se o caso da Argentina, a alternância de poder naquele país se traduziu, em última análise, numa guinada para outro modelo econômico e político, mais focado na eficiência na aplicação dos recursos públicos, e avesso ao populismo que caracterizava o governo anterior.
Na Venezuela, por sua vez, desde as últimas eleições o parlamento não é mais dominado pelo mesmo grupo que comanda o governo federal há quase 20 anos.
Enfim, conquanto não tenha sido essa a intenção, é provável que os bolivianos tenham reforçado o recado já dado pelos argentinos e venezuelanos, o de que um novo modelo econômico e político está por vir.
Vamos esperar que esse novo modelo também chegue por aqui.

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Carnaval e sustentabilidade


* Ecio Rodrigues
Esqueça-se da crise, da incompetência na gestão estatal, do ajuste fiscal que não avança, dos órgãos públicos que nos envergonham, esqueça-se de tudo: é carnaval.
Com críticas bem humoradas sobre o cotidiano nacional, os brasileiros aproveitam o carnaval para transformar as mazelas da política tupiniquim em axés, marchinhas, máscaras e fantasias. Não há discriminação, políticos de todos os partidos são tratados com o desprezo que a sociedade acalenta pela política.
Há exceções, todavia. Embora sem perder a irreverência, as escolas de samba costumam abordar com mais seriedade temas que remetem a grandes questões da humanidade. É caso do meio ambiente e da sustentabilidade do planeta.
Os mais velhos haverão de lembrar (e os mais novos já ouviram falar) quando, em 1989, o genial Joãozinho Trinta botou a escola de samba Beija Flor nas cabeças (para usar uma gíria do universo do carnaval carioca), com um enredo ousado e inovador, que sob o sugestivo título “Ratos e urubus, larguem minha fantasia” tratava, em síntese, da produção e destinação do lixo.
Não por acaso, a quantidade de lixo produzida durante o período de carnaval geralmente chama a atenção dos ambientalistas, que – tal como ocorreu na Copa do Mundo – se esforçam para sensibilizar os foliões a juntar cada um o seu lixo, a fim de acomodá-lo nos depósitos apropriados.
A bem da verdade, contudo, diga-se que, embora exemplar e de reconhecido efeito pedagógico, a destinação do lixo de cada um não é a questão – o ponto nodal, como se diz. Encontra-se na dinâmica econômica trazida pelo evento e, especialmente, na quantidade de matéria-prima consumida (pelas escolas de samba, no caso do carnaval carioca) o problema central, sob o ponto de vista da sustentabilidade.
Sobre a dinâmica econômica não há o que refutar. Ao contrário, a expectativa é que essa dinâmica seja, a cada ano, ampliada e que todos, empresas e sociedade, sejam beneficiados pela melhoria do quadro econômico durante o carnaval.
Resta então insistir para que o material das fantasias e dos famosos carros alegóricos seja confeccionado com matéria-prima renovável, quer dizer, matéria-prima que seja plantada ou colhida todos os anos, de maneira permanente e para aquele fim.
Poucos costumam entender, mas madeira e penas de aves são os melhores exemplos de matéria-prima renovável. Tanto uma como outra podem ser organizadas, ou manejadas, para usar o temo técnico, a fim de serem produzidas todos os anos, sem prejuízo para a sustentabilidade do planeta.
Todavia, a maioria das pessoas, por desconhecimento, prefere materiais que, a despeito de serem ditos “reciclados”, geralmente procedem de uma forma equivocada de reciclagem, que só aprofunda o emprego de garrafas PET e plástico. No final das contas, essa matéria-prima é produzida pela indústria para atender à ampliação da demanda e vai acabar parando nos lixões – justamente tudo o que se pretende evitar.
Como essa discussão é confusa, o melhor mesmo é partir para o plantio de árvores. Como demonstram os países mundo afora, não há melhor maneira de tornar um evento como o carnaval sustentável do que plantar árvores – na proporção mínima de uma árvore por cada 100 toneladas de lixo produzido.
É uma medida simples, que pode ser monitorada por uma organização da sociedade civil, só depende de vontade política. E deixa todo mundo sossegado para cair na folia sem se preocupar com o aquecimento global.

* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

Carnaval, agronegócio, árvores e sustentabilidade


* Ecio Rodrigues
No desfile do carnaval carioca deste ano, as duas escolas de samba que apresentaram enredos relacionados ao meio rural confundiram o universo caipira – que em tese se refere ao modelo de produção da agricultura familiar – com o mundo do agronegócio. Não obstante, trata-se de duas concepções insuspeitadamente distintas e até mesmo incompatíveis.
Para entender melhor. A Unidos da Tijuca, ao homenagear o Mato Grosso, um dos maiores (senão o maior) produtor nacional do agronegócio de soja e gado, cometeu o erro de associar esse modelo produtivo à agricultura familiar, que se caracteriza, por sua vez, pela pequena produção – aquela que, por exemplo,  vende ovo caipira em feirinhas de agricultores. A Imperatriz Leopoldinense repetiu o equívoco, ao vincular os caipiras da pequena propriedade aos produtos do agronegócio.
Antes de tudo, é necessário esclarecer que, no que concerne à Amazônia, ambos os modelos se configuram insustentáveis: qualquer plantio, seja em grande escala, no caso da soja, seja em pequena escala, no caso da maniva (mandioca) plantada pelos pequenos agricultores amazônidas, requer o desmatamento da floresta. Sem embargo, não há dúvida que o grau de insustentabilidade do primeiro é incomparavelmente maior do que o do segundo.
A diferença entre um e outro modelo pode ser constatada também em termos de concentração de terra, uma das mazelas que travam o desenvolvimento do país. A alta concentração de terra é comprovada pelo Coeficiente de Gini, índice que mede a desigualdade e que, em relação à concentração fundiária, equivale a 0,82 no Brasil.
Ou seja, muita terra na mão de poucos, pouca terra na mão de muitos. As grandes propriedades, usadas para o agronegócio, constituem a absoluta maioria das terras do país e se concentram nas mãos de alguns proprietários; as pequenas propriedades, por outro lado, representam uma pequena porcentagem dessas terras, mas se distribuem entre um grande número de produtores.
O fato é que esse tipo de imprecisão conceitual cometido pelas duas escolas de samba é bastante comum quando se trata do tema sustentabilidade.
E ainda falando de carnaval, um erro mais grave do que misturar agronegócio com produção familiar diz respeito à escolha das matérias-primas para a confecção das fantasias e carros alegóricos. Geralmente, e indevidamente em nome da sustentabilidade, opta-se pelo uso de plástico, dito reciclado, sem atentar para um detalhe fundamental – essa enganosa reciclagem cria um novo uso para algo que não deveria ter uso nenhum.
Na verdade, o melhor caminho para reverter o impacto ambiental causado por megaeventos como o carnaval carioca é o plantio de árvores. Todavia, para que se tenha sucesso na empreitada, é imprescindível a definição de três pontos: o que plantar; onde plantar; e quem vai gerenciar o plantio.
A escolha das espécies mais indicadas para o plantio exige a expertise de um engenheiro florestal e vai depender da resposta para a segunda questão (onde serão realizados os plantios).
Diante da crise hídrica atual, em que a falta ou o excesso de água tem causado transtornos irreparáveis, a restauração florestal da mata ciliar dos rios parece ser o propósito mais nobre para tornar o carnaval sustentável.
Por fim, como não existe um órgão público para se confiar, o mais indicado é que empresas e organizações sociais gerenciem os reflorestamentos.   
   

*Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná, e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Argentina trilha um novo caminho

* Ecio Rodrigues
Passada a ressaca eleitoral no país vizinho, o povo argentino se depara agora com decisões que certamente remetem a uma forma diferente de governar.
Num resultado eleitoral considerado histórico, os argentinos fizeram uma mudança sem precedentes no governo daquele país, colocando em xeque o modelo político e, mais importante ainda, o modelo econômico levado a efeito na América Latina, sobretudo a partir do ano 2000.
Um modelo político de certa maneira cultivado no Brasil e na Venezuela, e que rapidamente se alastrou por Bolívia, Peru, Paraguai e Equador, somente para ficar nos mais próximos. Um modelo que se desgastou em todos esses países nos quais foi implantado e que sofreu seu primeiro revés expressivo na Argentina.
Considerado, de forma um tanto romântica pela imprensa, como “de esquerda”, esse modelo político, resumidamente, tem como principal referência a ascensão de um sindicalismo que se preocupa menos com o aprimoramento das relações entre capital e trabalho e mais com o poder político representado pelas vitórias eleitorais.
Possivelmente a designação mais acertada para esse modelo seja “populismo de centro-esquerda”, uma vez que propugna um assistencialismo exacerbado (por isso o viés populista), associado a um corolário econômico que se intitula socialista (por isso o viés de esquerda), mas que não pode fugir das exigências do capitalismo globalizado (por isso o viés de centro).
Complexo para explicar e mais ainda para entender. O fato é que o modelo se mostrou dependente de uma composição política que distribui cargos em quantidade suficiente para manter a governabilidade. Equipes de gestores são formadas em função de sua fidelidade ao modelo, mesmo que essa escolha comprometa a governança – devido a uma inequívoca falta de vocação para a gestão estatal.
Um erro manifesto, evidente. Ocorre que equipes de governo devem ser compostas para garantir governança, e não governabilidade. Quer dizer, o foco deve estar na eficiência para o gerenciamento da máquina pública.
Diferentemente, quando as equipes são compostas para atender, como dizem os cientistas políticos, demandas de governabilidade, o propósito se resume em evitar (como no caso brasileiro) que os políticos eleitos tenham seus mandatos cassados ou, dizendo de oura forma, venham a ser impitimados (para usar uma palavra aportuguesada do inglês e um tanto estranha).
Os resultados desastrosos desse recorrente equívoco são facilmente observados nas incompetências usuais da gestão pública brasileira, em que o gestor público é amiúde escolhido e nomeado (com pouquíssimas exceções) independentemente de sua formação ou experiência profissional.
No modelo rejeitado pelos argentinos, a incompetência na gestão estatal era, paradoxalmente, reforçada por um Estado cada vez mais presente na vida das pessoas. Um Estado caro, colossal, inchado e ineficiente, que impede a sociedade de promover a dinâmica da economia.
Espera-se que a decisão dos argentinos repercuta na região e que a prestação dum serviço público mais satisfatório para a sociedade seja percebida logo de imediato – lá e, claro, nos países vizinhos.
Espera-se mais, que fatores como currículo e formação técnica da equipe de gestores públicos argentinos logrem engendrar na sociedade o consenso de que o Estado não pode cuidar de empresas aéreas ou de mais de 140 empresas que produzem de peixe a computador, como acontece por aqui.
Menos órgãos públicos, mais empresas privadas e mais sociedade civil. Se o rótulo para isso é liberalismo, que seja. Esse, o principal recado dos argentinos para a região.   


* Professor Associado da Universidade Federal do Acre, engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília.