* Ecio Rodrigues
Há cinco meses o rio Acre
tendo alcançado uma de suas cotas mais elevadas, ou, como se acostumou ouvir: a
maior alagação dos últimos dez anos. Hoje, o rio Acre está chegando a uma vazão
insignificante, pondo em risco o abastecimento de água e ameaçando secar de
vez, ou, como o povo diz, apartar.
Um rio aparta quando o fluxo
d’água é interrompido no sentido da nascente para a foz. Em algum ponto do rio,
ou em vários pontos (pois é possível que aparte em mais de um lugar de forma
simultânea), a água para de correr e volta no sentido contrário, no caso, em
direção à nascente. Trata-se de um evento traumático para o rio, difícil de
acontecer, mas que já foi observado, por exemplo, em igarapés localizados na Transacreana.
Ou seja, o povo sabe o que diz; é possível, sim, o rio apartar.
Ano após ano, o rio Acre
ameaça, na seca, e com cada vez mais intensidade, paralisar o abastecimento de
água nos oito municípios localizados ao longo de sua bacia hidrográfica e que
dependem de sua vazão. Parece que a ameaça, dessa vez, pode se concretizar.
A pergunta que vale um
milhão de dólares é: quais são as razões que levaram o rio a chegar a essa
situação crítica, em que num momento a calamidade é causada por grande inundação,
e em outro, por seca intensa? Alguns costumam associar o comportamento
desequilibrado do rio aos ditames incompreensíveis da natureza, submetidos a uma
força superior, que faz o que bem entende e na hora em que quer.
Pode ser obra do acaso, da
natureza mesmo, de um ciclo natural e normal do rio - o que seria cômodo e
gratificante para todos os que, de maneira direta ou indireta, têm seu quinhão
de responsabilidade para com o estado atual do rio Acre. No entanto, os estudos
mostram, com grande probabilidade de acerto, ou seja, com pouquíssimas chances
de erro, o que parece óbvio: a culpa é do desmatamento.
Um desmatamento, diga-se, que
na maior parte das vezes foi destinado à pecuária. As conclusões científicas
não deixam dúvida que o rio Acre - não só ele, mas também uma série de igarapés
que formam sua bacia – foi sacrificado, para garantir-se a produção de carne de
boi. Um desmatamento que avançou pela propriedade privada e não poupou a mata
ciliar, embora a mata ciliar fosse protegida por lei.
A esse trágico fato, a
sociedade e os governos fizeram vista grossa. Não houve sensatez e altivez para
impedir-se que a ocupação pela pecuária comprometesse a existência de recursos
hídricos; em decorrência, todos iremos pagar, e caro.
A recuperação da mata ciliar
do rio Acre é a principal ação de política pública capaz de interromper esse
trágico ciclo. Mas, poucos entendem que restaurar, revegetalizar, ou recuperar,
seja o termo que se queira empregar para fazer a vegetação da mata ciliar
voltar a proteger o rio, implica em plantar árvores - o que leva tempo para dar
retorno.
Significa dizer que o
investimento que se fizer agora, se é que existe algum, e sob a dimensão requerida,
só irá apresentar algum resultado para o equilíbrio hidrológico do rio daqui a um
bom tempo, num horizonte difícil de ser previsto.
Sem a recuperação da mata
ciliar, os habitantes do Acre teremos que nos habituar a conviver com os riscos
de alagações e de racionamento no abastecimento de água. Sem falar no
isolamento que irá ocorrerá se a seca afetar a navegação de balsas no rio Purus;
escassez de combustível e prateleiras vazias em supermercados podem ser algumas
das consequências.
Se, e somente se, alguma
iniciativa, ainda que tardia, for levada a efeito para a recomposição da mata
ciliar, haverá uma chance de reverter-se esse quatro.
Caso contrário, restará
apelar-se para as ideias mirabolantes - como aquela das eclusas, cuja
construção faria o rio Acre virar açude; vários açudes, por sinal.
* Professor da Universidade Federal do Acre
(Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal
e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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