* Ecio Rodrigues
Difícil imaginar um animal mais interessante
para se ter em casa que o jabuti. Além de requerer o mínimo de trabalho e
atenção do criador, o custo de manutenção de um jabuti é infinitamente
inferior ao de qualquer outro animal domesticado – cachorros, aves e
gatos, por exemplo.
Para quem tem quintal, não há como não gostar
de um animal dócil, que não causa o menor transtorno – e que vez ou
outra lhe faz uma visita em sua própria casa. Trata-se de excelente
companhia: não incomoda e está sempre lá, independente de ser ou não
visto.
Rústico, forte e resistente, o jabuti é capaz de se
adaptar, se não a todas, à maioria das condições climáticas presentes
nas regiões geográficas brasileiras. Jabuti não adoece – ainda bem, pois
é difícil encontrar veterinário com competência (adquirida nas
universidades) para tratar do bicho. É difícil até mesmo encontrar
informações sobre os procedimentos para se cuidar de um jabuti.
E
é aí que reside o dilema do jabuti. Com certeza, uma significativa
parcela da sociedade tem interesse em conviver diariamente com esse
pacato e impressionante animal. Todavia, no Brasil, existe um ambiente
institucional incompreensivelmente hostil à criação de qualquer animal
da fauna silvestre nacional.
Excetuando-se os profissionais que
trabalham em zoológicos ou em instituições similares, não se veem
veterinários que ganham dinheiro cuidando de jabuti ou outro bicho da
Amazônia. As pessoas são desmotivadas a manter essas espécies, a
despeito do seu potencial para servir como animal de estimação (ou PET,
na sigla em inglês).
Sem dúvida o mercado de criação de jabutis
como bicho de estimação teria grande potencial. Aquele jeitão pacífico e
jurássico desperta o interesse de todos, especialmente das crianças.
Elas não resistem à graça e delicadeza de um filhote de jabuti – que é
quase uma miniatura, mas totalmente independente.
Esse mercado,
contudo, não se viabiliza por razões que beiram a insanidade. Somente
nós, os brasileiros, para chegarmos ao ponto de instituir uma série de
regras que transformaram a criação e o manejo de animais silvestres,
sobretudo os amazônicos, em atividade de extremo risco – quando as
pessoas, mundo afora, têm interesse em criar os animais da fauna
amazônica.
Sobre os argumentos insanos, que são vários, eles são
defendidos tanto por um grupo pequeno (mas obstinado) de ambientalistas
ortodoxos quanto pelo aparato institucional estatal. Em ambos os casos,
todavia, prevalece a pouca informação técnica, que leva à intransigência
em relação a qualquer tipo de atividade que envolva animais silvestres e
que não seja direcionada para distanciá-los ao máximo das pessoas.
Alega-se,
por exemplo, que esses animais podem transmitir novas doenças aos
humanos. Ora, é no mínimo insensato esse argumento, diante do fato de
que os pombos (que, por sinal, são adorados e infestam como praga as
metrópoles) são vetores de mais males que os ratos.
Defende-se
ainda que o comércio de animais silvestres levaria ao aumento da caça, o
que, por sua vez, acarretaria a extinção das espécies. Argumento
igualmente ultrajante para quem tem um pouco de bom senso. O mercado de
animais silvestres para PET não vai fomentar a caça no interior da
floresta por uma simples razão: para o produtor, se esse mercado fosse
regulamentado, seria muito mais barato criar esses animais do que
caçá-los.
A caça para venda clandestina na cidade – que pode
levar, no médio prazo, ao risco de extinção – acontece hoje justamente
porque existe um mercado negro.
Evidentemente, não será esse o
meio de abastecimento de um mercado regularmente estabelecido e que
movimentaria cifras milionárias no mundo.
Uma coisa é certa: o
sábio jabuti, que vive muito bem em ambiente doméstico, prefere a nossa
companhia à dos predadores que habitam a floresta. É só perguntar.
*
Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal,
Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política
Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).
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