* Ecio Rodrigues
Nem sempre a domesticação de uma espécie
florestal que adquire valor comercial expressivo é a única ou a melhor
saída. Domesticar significa retirar a espécie do interior do ecossistema
florestal para cultivá-la em espaço aberto, sob alta produtividade e em
larga escala. Significa também intensificar os estudos em melhoramento
genético, a fim de clonar a espécie florestal, tornando-a mais
produtiva.
A domesticação teve o grande mérito, é verdade, de
praticamente suprimir a fome no mundo. O procedimento vem sendo levado a
efeito, diuturnamente e com relativo sucesso, para todas as espécies
que compõem a cesta de alimentação básica da humanidade.
Todavia,
no caso das espécies florestais, a experiência demonstra que existe uma
demanda permanente para o produto obtido mediante o manejo da espécie
no interior do ecossistema florestal. Esse produto encontra público
garantido, um nicho de mercado que resiste ao consumo massificado do
produto derivado da domesticação.
Na falta de uma explicação
melhor, tudo indica que algumas características exclusivas, presentes na
espécie em ocorrência natural no ecossistema florestal, fornecem certos
atributos ao produto final, que, por sua vez, fazem com que um seleto
grupo de consumidores mantenha sua demanda.
É provável que o
melhor exemplo seja o do cacau nativo amazônico. Com uma produção
expressiva desde o período posterior ao descobrimento do país, e que
perdurou por mais de 300 anos, o cacau nativo passou pelo processo de
inelasticidade da oferta até que a domesticação foi viabilizada.
Assim,
sob elevados investimentos estatais, o cacau amazônico foi cultivado em
outras regiões do país. Esperava-se que as pragas existentes na
Amazônia, como o fungo causador da doença conhecida por
“vassoura-de-bruxa”, não chegassem às regiões consideradas de escape – o
caso de Ilhéus, na Bahia –, em que as condições climáticas, entre
outros fatores, não seriam favoráveis à proliferação do micro-organismo.
Para encurtar a história: em que pese todo o investimento feito
no cultivo do cacau, e não obstante o fato de o mercado para o chocolate
produzido com o cacau de cultivo ser vultoso e preponderante, o cacau
nativo amazônico continua sendo demandado e permanece no mercado,
contrariando todas as evidências. Essa circunstância só pode ser
explicada por razões que remetem a características exclusivas presentes
nas espécies nativas.
Essas características exclusivas podem
proporcionar melhorias relacionadas à percepção sensitiva do chocolate
oriundo do cacau nativo, que o diferenciam do chocolate proveniente do
cacau domesticado.
Como os europeus afirmam, o cacau nativo
amazônico possui “flavour” (misto de sabor e aroma) superior ao do cacau
cultivado e que, ao longo do tempo, passou por melhoramentos para se
tornar mais produtivo. Como se sabe, a produtividade é o principal
atributo para o mercado massificado.
A conclusão é que o mercado
massificado, que requer uma grande escala de produção, pode ser atendido
pela domesticação da espécie em cultivos, e até mesmo, como no caso da
borracha, pela sua substituição por sintéticos (leia-se indústria do
petróleo).
Todavia, quando a demanda busca certas especificidades
num determinado produto oriundo de uma espécie florestal – concernentes
ao sabor, à aparência, ao aroma ou aos coeficientes técnicos desse
produto –, surgem nichos de mercado que mantêm o consumo da espécie
florestal manejada em seu ambiente nativo, ou melhor, do produto
extraído das árvores dispersas no interior da floresta.
O cacau
amazônico, extraído da floresta nativa, apresenta menor escala de
produção e alcança maior preço de mercado. O que é melhor para a
Amazônia?
* Professor da Universidade Federal do Acre
(Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre
em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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