* Ecio Rodrigues
A economia é uma ciência humana. Como tal, depende
das decisões humanas, que sempre guardam algum grau de imprevisibilidade. Sob
essa perspectiva, é até possível supor que, em algum momento da história
econômica de algum produto florestal, o mercado ilegal tenha se aproveitado do mercado
legal para se expandir.
Apenas sob tal perspectiva, vale dizer, apenas na
hipótese de se levar em conta uma probabilidade ínfima, essa premissa – que o
mercado ilegal se vale do legal – pode ser considerada. Algumas variáveis
relacionadas à viabilidade ou inviabilidade dos empreendimentos podem ajudar a
elucidar a questão, senão vejamos.
Tome-se o exemplo do manejo de animais silvestres, cujo
licenciamento é sempre dificultado, ante o argumento de que a regularização da
atividade favoreceria o comércio clandestino desses animais.
Seja sob o sistema intensivo (quando os animais são criados
em cativeiro), seja sob o sistema semiextensivo (o manejo é feito no próprio
habitat florestal), é altamente improvável que a produção manejada apresente um
preço final, por animal a ser vendido, superior ao cobrado pelo animal
ilegalmente caçado ou capturado na floresta.
A primeira variável a ser analisada diz respeito às
condições de oferta. Embora se imagine que uma atividade como a caça ilegal não
tenha custo, o fato é que as condições de oferta dos animais silvestres sempre
serão mais vantajosas para a produção manejada.
O plantel de animais presentes no criatório (convencional
ou natural) permite ao produtor planejar o abate e a oferta de maneira duradoura
e constante, no médio e no longo prazo. Inversamente, a imprevisibilidade de uma
oferta procedente da ação de caçadores traz um elevadíssimo grau de incerteza
para o negócio. Além dos contingenciamentos relativos à atividade em si (todos
sabem que num dia a caça é boa e em outros três dias não presta), há ainda os riscos
decorrentes da ilicitude.
Dessa forma, no médio prazo os custos da caça serão mais
elevados do que os da produção regular em criatórios. Não fosse assim, a
humanidade estaria, até hoje, caçando boi e porco no mato para comer.
A superioridade da atividade legalizada também se
verifica em relação à segunda variável – condições de demanda. Seja no segmento
de alimentação, seja no de animais de estimação (papagaios, araras, jabutis
etc.), não se pode imaginar que as condições de demanda sejam piores para a
produção oriunda do manejo licenciado do que para os frutos da caça ilegal.
Ora, dizer o contrário é o mesmo que admitir que a
maioria dos consumidores prefere expor seu bem-estar, sua segurança e sua
liberdade a comprar um produto com as necessárias garantias e salvaguardas, sem
pôr em perigo a sua saúde e sem a ameaça de sofrer os agravos e constrangimentos
impostos pela legislação a quem se aventura no mercado negro.
É evidente que a demanda pelos produtos inspecionados
oferecidos em lojas de animais (os ditos PET shops) e nas prateleiras de
supermercados e estabelecimentos especializados será sempre maior que a demanda
pelos bichos, vivos ou mortos, comercializados de maneira furtiva por baixo das
lonas das bancas de feiras, escondidos em sacos plásticos sujos e fétidos, sob precárias
condições sanitárias.
Por fim, não há como esperar que a tendência de consolidação
de um segmento econômico ancorado nas técnicas de manejo florestal – que possibilita
uma oferta segura e permanente de um produto cuja qualidade se amplia à medida
que o segmento econômico se estabelece – seja inferior à tendência de uma oferta
proveniente de uma atividade irregular e arriscada.
A solução para que os animais silvestres amazônicos
tenham valor econômico e não corram risco de extinção está no mercado
legalizado, mas poucos querem ver.
* Professor associado da
Universidade Federal do Acre (Ufac), engenheiro florestal, especialista em
Manejo Florestal e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de
Brasília (UnB).
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