* Ecio Rodrigues
É provável que um aluno de ensino médio
afirme sem titubear que a riqueza da Amazônia se encontra na floresta e na
quantidade de água que interage com essa floresta. Estará enganado, e poderá ser
facilmente desmentido pelas cifras de produção da região, que apresentam o agronegócio
(carne de boi e soja) e a mineração como principais referências econômicas.
Com efeito, na Amazônia a terra, ou solo, é
o fator de produção que gera riqueza atualmente, e não a floresta e a água que
existem acima dela. A fartura de terra barata associada ao dinheiro do crédito
estatal subsidiado atrai produtores para fazer o de sempre – desmatar a
floresta, aterrar a hidrografia e criar boi.
Por sinal, depois de consolidada a ocupação
no denominado Arco do Desmatamento, já não há dúvida: o crédito público
oferecido na região amazônica atrai mais os produtores que o preço da terra. Significa
afirmar que, para cumprir o compromisso estabelecido no “Acordo de Paris”, de
zerar o desmatamento na Amazônia, um bom começo seria zerar o dinheiro do
crédito rural que financia a pecuária na região.
Embora desmentido pela triste realidade,
aquele aluno do ensino médio na verdade está correto. Pois, se hoje é a base do
PIB regional, a participação do agronegócio tende a uma redução paulatina, por
uma razão simples: o mundo não vai tolerar ampliar desmatamento, mesmo sob o
argumento mentiroso da fome.
Todavia, a conversão de água em commodity
exige bem mais esforço do que o empreendido até o presente. Em 08 de janeiro de
2016, a Lei 9.433/97, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos,
completou 19 anos sem que a gestão das águas tenha apresentado resultados significativos.
Existe uma máxima sobre recurso hídrico que
a maioria costuma tratar com indiferença: a quantidade de água existente no
planeta é sempre a mesma. Água não se forma nem se desintegra, e a
disponibilidade desigual desse recurso no mundo configura uma geopolítica que
poderá, no médio prazo, justificar graves disputas entre países. Em tal
contexto, a Amazônia é uma região privilegiada, pois dispõe de uma abundante
quantidade de água potável, o que lhe reserva uma posição especial naquela
geopolítica.
Mas, como se diz por aí, grandes
privilégios trazem grandes responsabilidades, e nesse quesito parece que a
negligência estatal na gestão dos recursos hídricos na Amazônia não encontra
limites.
Nos últimos 20 anos o país conseguiu
aprovar um cabedal de legislação relacionada ao uso de recursos hídricos. Uma legislação
um tanto exagerada, diga-se, mas que possibilitou estabelecer as regras de
funcionamento do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.
Ocorre que os órgãos estatais têm imensa dificuldade
para gerir esse tipo especial de sistema, que, por sua vez, não consegue operar
de forma integrada e funcional. Por outro lado, ao prever a precificação e a
outorga de direitos de uso dos recursos hídricos para empresas (estatais ou
privadas), o sistema jogou sobre a Agência Nacional de Água, ANA, um encargo para
o qual essa agência, na condição de órgão regulador, não está preparada.
Desde sua criação, em 2000, a ANA não
consegue consolidar o sistema de recursos hídricos em âmbito nacional, e tampouco
consegue levar a cabo as ações para efetivar a precificação, outorga e cobrança
de direitos de uso da água.
É bem provável que a previsão de criação de
Comitês de Bacia (muito participativos, como sempre) tenha ocasionado mais
problemas que soluções. Como os comitês não funcionam, a ANA usa a incapacidade
do comitê como justificativa para o emperramento do sistema de maneira geral.
Enquanto isso, a Amazônia vai se mantendo
por meio da inglória destinação do dinheiro da sociedade para o financiamento da
pecuária. E de água ninguém fala.
* Professor Associado da Universidade Federal do Acre,
engenheiro florestal, especialista em Manejo Florestal
e mestre em Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná e doutor em Desenvolvimento
Sustentável pela Universidade de Brasília.
Caro Colega Écio, tu bem sabes que no Brasil quando não se quer resolver um problema, cria-se mais um órgão para atrapalhar o que está funcionando, pondo-os em confronto de atribuições. Este é o caso da ANA com os Comitês das Bacias.
ResponderExcluirUm abraço.