domingo, 24 de março de 2013

A3P beira a insanidade

* Ecio Rodrigues 

Todo cidadão sabe da ineficiência da administração pública no Brasil, mas só se dá conta do quão longe essa ineficiência pode chegar quando se depara com contrassensos como o programa denominado “Agenda Ambiental da Administração Pública”, lançado no âmbito federal, e conhecido pela sugestiva sigla A3P.
Instituído no final da década de 1990, o programa só resiste até hoje por duas razões: a persistência do servidor público, que, sabe-se lá por que, parece realmente acreditar na A3P; e o completo despreparo dos dirigentes públicos para tratar do tema da sustentabilidade.
Devido a esse despreparo, costuma-se chamar de agenda ambiental, por exemplo, um rol de atividades aleatórias, que frequentemente incluem até a formação de um coral.
Ora, um conjunto de funcionários cantando o amor pela natureza e pelo próximo, num espetáculo do tipo gospel/altruísta, pode até ser algo interessante, uma atração pública. Todavia, embora possa ajudar a despertar o respeito mútuo e a harmonia no ambiente de trabalho, um coral não deixa as pessoas, o órgão público, o bairro, a cidade, a Amazônia, ou o planeta, mais próximos da sustentabilidade ecológica.
O exemplo mais gritante dos equívocos que pautam a A3P é a campanha voltada para a substituição dos copinhos de plástico por garrafas de plástico, as chamadas “squeezes”, que são distribuídas gratuitamente entre os usuários.
Deflagrada como algo inovador, a campanha se propõe a reduzir a quantidade de plástico consumida pelos servidores públicos ao beberem água durante sua jornada de trabalho. Os visitantes, provavelmente, vão continuar usando os copinhos descartáveis, já que não vão sair por aí portando canecas ou garrafinhas.
Além de a proposta não ter nada de inovador – uma vez que os órgãos públicos já tentaram, sem sucesso, substituir os copos descartáveis por canecas permanentes –, as garrafas não são melhores que os copinhos, nem sob o ponto de vista econômico, nem tampouco sob o da sustentabilidade.
A substituição dos copinhos por garrafas plásticas não atende ao princípio constitucional da economicidade, tendo em vista que o custo de uma garrafa corresponde ao de dezenas de copinhos e, da mesma forma como ocorre com os copinhos, as garrafas têm vida útil curta, até irem parar no mesmo lugar: no lixo. Significa dizer que, embora no curto prazo se gaste menos, no médio prazo os custos serão maiores. Médio prazo, contudo, é um tempo muito longo para a administração pública.
As garrafinhas também são insalubres. Por sinal, é provável que a ocorrência de doenças amplie o custo da garrafinha para a sociedade. Em pouco tempo de uso, as garrafinhas, mesmo se lavadas, certamente acumularão lodo e, o pior, como não haverá copinhos de plástico disponíveis, o compartilhamento de garrafinhas vai ampliar o risco de transmissão de micro-organismos.
Por fim, eis o que as garrafinhas significam para a sustentabilidade: nada. Não precisa ser nenhum perito em sustentabilidade para saber que o problema é o plástico, seja em forma de um copinho ou de uma garrafa. Se por um lado a garrafa tem vida útil maior do que a de um copo, por outro, o volume de plástico contido numa garrafa corresponde ao de centenas de copinhos. E ainda há um agravante. A garrafinha vem com a impressão da logomarca e a propaganda do órgão, ou seja, vem com uma aplicação de tinta e um custo de energia muito pouco sustentáveis.
A solução óbvia para esse simplório problema, que, diga-se, não tem vinculação com os desmatamentos e as queimadas, essas sim as reais mazelas amazônicas relacionadas à sustentabilidade, é a substituição da matéria-prima, e não do recipiente. Copos de papelão, como se usava antes de a humanidade descobrir o petróleo, é a saída.
Enfim, é preciso apenas pensar – nem além nem aquém da sede, como apregoa o triste slogan da campanha das garrafinhas –, apenas pensar mesmo. 

* Professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), Engenheiro Florestal, Especialista em Manejo Florestal e Mestre em Economia e Política Florestal pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB).

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